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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

Pride and Prejudice (Jane Austen) - 200 anos

Hoje, 28 de Janeiro de 2013, uma das mais belas obras da literatura mundial faz 200 anos desde a data em que foi publicada.

 

'Pride and Prejudice' de Jane Austen foi publicado pela vez em 1813, tendo sido terminado em 1797, antes da autora completar 21 anos, em Steventon, Hampshire. Originalmente denominado First Impressions, nunca foi publicado com esse título, já que, ao fazer a revisão do manuscrito, Jane Austen decidiu intitulá-lo e publicá-lo como Pride and Prejudice, uma homenagem talvez ao capítulo final do romance de Fanny Burney "Cecilia", chamado "Pride and Prejudice". 

 

Apesar de a história se ambientar no século XIX, tem exercido fascínio mesmo nos leitores modernos, continuando no topo da lista dos livros preferidos e sob a consideração da crítica literária. O interesse atual é resultado de um grande número de adaptações e até de pretensas imitações dos temas e personagens abordados por Austen. Atualmente, acredita-se que o livro tenha cerca de 20 milhões de cópias ao redor do mundo. (Fonte: Wikipédia)

 

Foto retirada daqui

 

Obrigada Jane Austen por esta tua dádiva ao mundo.

 

Jane Austen - O jogo no Facebook

Pois é, Jane Austen chegou finalmente ao Facebook em forma de... jogo!

 

O jogo chama-se "Jane Austen's Rogues & Romance". Basta colocar este nome na barra de pesquisa do facebook que se têm acesso à página para inscrição

 

Ainda não explorei devidamente mas aparentemente o jogo pressupõe que sejam resolvidos quebra-cabeças com objetos escondidos, que se procurem personagens deslocadas do seu ambiente, que amigos sejam desafiados e até a nossa própria casa seja construída no mundo Jane Austen.

 

Divirtam-se se gostarem!

A independência de uma mulher - Colleen McCullough

Nunca tinha lido nada desta autora, apesar de conhecer e lembrar vagamente a história de 'Pássaros feridos', a obra por ela escrita e que deu origem a uma série com o mesmo nome nos anos oitenta do século passado. Sempre achei que não iria gostar da escrita dela, talvez por pensar que seria uma narrativa cansativa e desinteressante. É daquelas coisas... não se pode dizer que não se gosta até se provar!

 

"A independência de uma mulher", tal como diz na capa desta edição que li, 'retoma um dos grandes clássicos de sempre, Orgulho e Preconceito, de Jane Austen'. Retoma que é como quem diz; afinal retomou a história mas passados quase vinte anos e muita, muita coisa aconteceu entretanto. No entanto, esta obra pretende dar a conhecer ao leitor um dos possíveis futuros de Mary Bennet, a patinho-feio da família Bennet, a mocinha insuportavelmente metida a erudita que todos pareciam abominar e cujo destino, diz-nos Colleen McCullough, foi o de cuidar sozinha da mãe até à morte desta. Ou seja foram mais dezassete anos de reclusão numa casa apenas rodeada por livros e pela sua própria solidão. Ora, isso parece tê-la mudado pois, assim que a mãe falece tranquilamente (aquilo dos nervos afinal deu-lhe uma morte santa...), Mary Bennet é-nos mostrada como uma mulher intensamente mudada, com uma personalidade forte e, (prepararem-se...) linda! Tão linda que é comparada à irmã Elizabeth! No entanto, lá para o fim do livro ainda é caracterizada pelo seu amado (sim, ela vai ter essa sorte...) como tendo 'uma propensão natural para o desastre'. E a verdade é que ela meteu-se em cada uma!

 

O que mais me surpreendeu neste livro foi encontrar alguns dos meus queridos personagens de Orgulho e Preconceito completamente transfigurados, não tanto ao nível físico (claro que envelheceram!) mas com uma vida que nunca imaginaríamos depois de terminar de ler a obra de Jane Austen. Alguns exemplos são os que transcrevo a seguir, aos quais nem vou fazer comentários, mas que por si sós bastam para se fazer uma pequena ideia daquilo que é o livro:

 

"Com um franzir de cenho, Darcy levantou-se e ficou por um momento com os olhos vítreos presos nas fileiras de registos parlamentares encadrenados a pele. Finalmente, a velha abantesma estava morta. Por maior que fosse o amor, ou por mais atormentadora a necessidade de consumar esse amor, pensou, era vil ter de casar abaixo do seu nível. E ainda por cima não valera o esforço. A minha bela e régia Elizabeth é tão execrável como a irmã Mary. Tenho um rapaz frágil e efeminado e quatro malfadadas raparigas. Um ponto para si, senhora Bennet! Que o diabo a carregue a si e às suas gloriosas filhas pois o preço que paguei foi demasiado alto!"

 

"- É claro que as tuas críticas à minha pessoa não são um fenómeno novo, sei bem disso. Ao início, há vinte anos, adoravas chamar-me de... presumido, arrogante, orgulhoso e incorrecto. Os meus parabéns por teres encontrado um novo conjunto de epítetos. Mas isso não me atinge...Não gosto dos humores  e das lágrimas femininas. O nosso casamento não assenta numa rocha, minha senhora, desloca-se sobre areias movediças. Uma base criada por ti. Não me obedeces, embora isso faça parte dos teus votos matrimoniais. Falta-te o temperamento adequado, e a tua linguagem raia a indecência. E o que é pior, a tua conduta tem vindo a agravar-se rapidamente. Já não tenho a certeza de que sejas capaz de te comportar de forma mais decente do que a tua irmã Lydia" - palavras de um Darcy cinquentão para uma Lizzie quarentona.

  

(Que tal isto para desvalorizar a imagem de galã de Fitzwilliam Darcy??!!)

 

Eu não resisto. São spoilers, claro. Mas não consigo resistir ao facto de contar que a relação entre Darcy e Charles Bingley é a certa altura caracterizada pela autora como uma relação quase homossexual ou que Bingley tem uma amante na jamaica com quem tem já vários filhos, além da dúzia que tem com Jane; ou que Mary, logo no início da história, em conversa com uma abismada Lizzie, sugere que Charles coloque uma rolha no dito cujo de forma a deixar de engravidar constantemente a esposa Jane.

 

E mais não digo, senão estrago a surpresa a quem quiser ler! Desengane-se, no entanto, quem espera uma história de amor bem ao jeito austeniano. Há histórias de amor mas são abordadas quase fugazmente. O resto é tudo uma grande aventura, com bandidos, assassínios e viagens pelo interior de Inglaterra. Para um bom admirador de Orgulho e Preconceito e para que este não fique muito desapontado, conto um pequeno segredo:...all ends well! Very well! 

 

 

Gostava ainda de destacar a edição que li, cuja figura coloco acima, retirada do site da Fnac. Trata-se de uma edição de bolso recente da Bertrand. Normalmente não compro edições de bolso porque o seu manuseamento é muito difícil e acaba por prejudicar a leitura e o interesse na história. Todavia, esta agradou-me bastante. Primeiro, porque a capa é bonita e quase nos confunde pois não parece um livro de bolso; depois, ter o livro nas mãos é agradável, não só pela suavidade do papel mas também pelo bom manuseamento que nos proporciona e que nos incentiva a continuar a leitura. Mesmo quando as páginas começam a pesar na mão esquerda, a leitura não fica dificultada e garanto que o livro que li encontra-se como se estivesse novo, sem aquelas rugas inestéticas que os outros livros de bolso apresentam quando acabámos a leitura e de tanto que forçamos a sua abertura.

 

Quanto à tradução do texto para português, encontrei algumas gralhas. Contudo, não devem ser gralhas a sério. Eu é que tenho de me actualizar nisto do Novo Acordo Ortográfico. Creio que observei mais 'erros' não na correcta escrita das palavras mas mais em termos de formação e pontuação de frases, de sintaxe.

 

But... Nota dez!... Aconselho, sem dúvida!

O Clube de Leitura Jane Austen - Karen Joy Fowler

Nunca tinha lido este livro. Vi o filme há uns tempitos e até gostei. Bons actores, boas interpretações e do pouco que me lembro, a história até era interessante. E é. Acompanhar as histórias de Jocelyn, Bernadette, Sylvia, Grigg, Prudie e Allegra não deixa de ser interessante (umas mais que outras, claro!) mas houve ali qualquer coisa que não me entusiasmou e, por isso, não via a hora de terminar o livro que, no final, até me surpreendeu (já não me recordo bem do filme).

 

Foto daqui

 

No entanto, e tal como escrevi na 'review' que fiz na minha página do Goodreads, apreciei bastante algumas curiosidades que foram sendo reveladas durante o livro, não só sobre a própria Jane Austen como também sobre as suas obras e as suas histórias. É sempre bom ouvir opiniões diferentes. Faz-nos avaliar as coisas por um outro prisma que, muitas vezes, julgamos impossível ou impraticável.

 

Para que não fique a impressão de que não gostei do livro, deixo aqui (para quem ainda não leu, claro, ou para quem quer reler), um excerto que me agradou bastante e que foca as reacções de familiares e amigos de Jane Austen a algumas das suas obras. Segundo o livro, estas opiniões foram reunidas e registadas pela própria Jane Austen e estão descritas no livro The works of Jane Austen, vol.6: Minor works da Oxford University Press (1969), pág 431-435 e 436-439.
 
"Sobre Mansfield Park:
 
A minha mãe - Não gostou tanto como do Orgulho e Preconceito. Achou Fanny insípida. Gostou do Mr Norris.
 
Cassandra (irmã) - Achou que era bastante bom, embora não tão brilhante como O&P. Gostou de Fanny. Adorou a estupidez de Mr Rushworth.
 
O meu irmão mais velho (James) - Ficou um caloroso entusiasta dele em geral. Adorou a cena de Portsmouth.
 
Mr e Mrs Cooke (madrinha) - Ficaram muito agradados, particularmente com a forma como o Clero é tratado. Mr Cooke chamou-lhe 'a novela mais sensata que alguma vez leu'. Mrs Cooke gostaria de ver uma boa personagem de matrona.
 
Mrs Augusta Bramstone (idosa irmã de Wither Bramstone) - Admitiu que achava o Sensibilidade e Bom Senso e o O&P um diparate pegado, mas parecia-lhe que ia gostar do MP, agora que acabara o primeiro volume. Congratulou-se por ter conseguido ultrapassar o pior.
 
Mrs Bramstone (mulher de Wither Bramstone) - Ficou muito agradada com ele; especialmente com a personagem de Fanny, por ser tão natural. Achou a Lady Bertram parecida consigo. Preferiu-o a qualquer um dos outros - mas imagina que talvez isso seja devido à sua falta de gosto, visto não entender os ditos do espírito.
 
Sobre Emma:
 
A minha mãe - Achou-o mais divertido do que MP, mas não tão interessante como O&P. Nenhum personagem dele se compara a Lady Catherine e a Mr Collins.
 
Cassandra - Melhor que O&P, mas não tão bom como MP.
 
Mr e Mrs J.A. (James Austen) - Não gostaram tanto como de qualquer um dos outros três. Linguagem diferente dos outros. Mais difícil de ler.
 
Capitão Austen (Francis William) - Gostou muitíssimo, observando que, embora talvez haja mais espírito em O&P, e uma moralidade mais elevada em MP, no conjunto, devido ao peculiar ar de natureza presente em todo o livro, o preferia a qualquer deles.
 
Mr Sherer (pároco) - Não o achou à altura nem de MP (aquele de que mais gostou), nem de O&P. Descontente com a forma como retrato os homens da igreja.
 
Miss Isabela Harris - Não gostou. Objectou ao facto de eu ter exposto o sexo na personagem da heroína, convencida de que decalquei Mrs e Miss Bates em alguém que eles conhecem, pessoas de que nunca ouvi falar.
 
Mr Cockerelle - Gostou tão pouco, que Fanny se recusou a enviar-me a opinião dele.
 
Mr Fowle (amigo de infância) - Só leu o primeiro e o último capítulos, por ter ouvido dizer que não era interessante.
 
Mrs Jeffrey (editor do Edinburgh Review) - Ficou acordado três noites por causa dele."
 
 
"Toda a gente tem a sua Austen privada. A minha é a Austen que mostrava o seu trabalho aos amigos e à família, e que tão obviamente se comprazia com as suas respostas."
Karen Joy Fowler 

As casas de Jane Austen

Conhecer os ambientes onde Jane Austen nasceu, viveu e escreveu é talvez uma forma de compreendermos as suas histórias e as sua vivências. E Jane Austen viveu em vários sítios e em várias casas diferentes, umas com mais sumptuosidade e outras com mais simplicidade. Por ordem cronológica, vejamos os locais e o edifícios abençoados com a sua presença.

 

Reitoria de Steventon em Hampshire

A reitoria de Steventon tal como é retratada na biografia da autora, publicada em 1869 pelo seu sobrinho James Edward Austen-Leigh (imagem da Wikipédia)

 

Jane Austen nasceu aqui e aqui morou até aos vinte anos. Este espaço de tempo foi interrompido por algumas estadias fora por motivos de educação. Aqui redigiu as primeiras versões dos romances que se publicariam sob os nomes de Sense and Sensibiliy, Pride and Prejudice e Northanger Abbey (que antes se intitulavam Elinor and Marianne, First Impressions e Susan, respectivamente). Provavelmente, também escreveu Lady Susan nesta época e a sua obra intitulada Juvenilia.

 

Esta casa situava-se num vale, numa propriedade do século XXVII, e encontrava-se rodeada por belos prados e ainda uma pequena quinta. Infelizmente o edifício já não existe. Foi demolido por volta de 1823/4 por Edward Knight, irmão de Jane Austen, que construíu, do outro lado do vale uma nova reitoria para o seu filho que assumiu o lugar do tio. Sabe-se que a antiga casa era muito susceptível a inundações e foi por causa de uma delas que foi demolida.

 

No entanto, o que se pode visitar é a Igreja de São Nicolau (St Nicholas Parish Church) onde o pai de Jane Austen era pároco. Este edifício sofreu um incêndio e foi reconstruído em 1872. Para que a associação com Jane Austen seja sempre lembrada, à entrada da igreja, a placa que sinaliza o edifício tem inclusa uma imagem da escritora sentada à sua escrivaninha a escrever.

     St Nicholas Parish Church em Steventon, Hampshire (Imagem retirada Daqui)

 

Bath


Em 1800, o pai de Jane Austen, pensando já na sua reforma, decidiu retornar a Bath com  família. Ali tinha conhecido e casado com Cassandra Austen. Assim, em maio de 1801, mudam-se para uma casa temporária e em setembro, encontram acomodações mais permanentes no nº 4 de Place Sydney, tendo tido necessidade de vender a sua biblioteca e ainda o piano-forte, dado que o espaço da casa era muito mais exíguo que o da casa em Stevenson. É sabido que foi aqui que Jane Austen iniciou The Watsons, uma história que nunca chegou a terminar, fazendo parte das suas obras inacabadas. uma placa do lado de fora desta casa que assinala a então presença de Jane Austen.

Nº4 de Place Sydney em Bath (Fonte: JASNA org)

 

Southampton e Godmersham (Kent)

 

Após o falecimento de George Austen em 1805, Jane viu-se sozinha com a mãe e a irmã Cassandra e com algumas dificuldades económicas. Foram então viver com o irmão Frank e a sua família em Southampton (1806) e, mais tarde, em 1809, o irmão Edward levou-a para morarem com ele e com a família no Kent, na sua propriedade de Godmersham.

 

 

Chawton

 

Em 1808/9, após perder a esposa durante um parto, Edward Austen oferece uma casa a Jane, à sua mãe e à irmã Cassandra. Essa casa ficava no Hampshire, perto de Stevenson e também da propriedade de Edward, Godmersham. Tinha seis quartos e aqui Jane residiu até 1816, altura em que ficou doente. Aqui retomou a sua actividade literária, revisando Sense and Sensibility e Pride and Prejudice e publicando-os anonimamente. Escreveu as obras Emma, Persuasão e Mansfield Park e ainda o início da obra inacabada Sandition.

 Chawton (Fonte: Wikipédia)

Winchester

 

Já incapaz de escrever e com a sua doença em franca progressão, em maio de 1817, a família leva Jane para Winchester para que ela pudesse estar mais próxima do seu médico, Giles Rei Lyford. Ficaram em casa de amigos, os Biggs, no nº10 de Street College. Em julho de 1817, Jane Austen perde a sua luta contra a doença. Sobre a porta de entrada da casa em Winchester, uma placa assinala os seus últimos dias "In these house Jane Austen lived her last days and died".

Nº10 de Street College onde a escritora faleceu em 1817 (Foto retirada daqui)

 

Foi enterrada na Catedral de Winchester, onde repousa até hoje.

 

           

                 Winchester Cathedral e Túmulo da escritora (Fonte: Wikipédia)  

Além Tejo - Catarina Pereira Araújo

Para quem, como eu, é fã incondicional e vitalícia de North and South da escritora britânica Elizabeth Gaskell (1810-1865) e ainda de Orgulho e Preconceito da também britânica Jane Austen (1775-1817), este livro é uma verdadeira benção e uma das melhores surpresas que tive nas minhas férias.

 

Segue um resumo da história:

 

"Estamos na década de cinquenta e a família de António do Couto Maia deixa Lisboa para se fixar em Moura, no Alentejo. A decisão é do chefe de família e surpreende tanto a mulher como as filhas, que não compreendem o que leva um homem de meia-idade a abandonar subitamente a sua confortável vida na capital para mergulhar num Alentejo desconhecido. É através do olhar inquiridor de Isabel, a filha mais velha, que assistimos ao conflito entre dois mundos: o da cidade, representado pelos recém-chegados, e o mundo rural, que os recebe com desconfiança. Inicialmente atraída pela beleza da vila alentejana, a jovem é confrontada com a prepotência dos senhores e com a miséria dos camponeses, num lugar onde qualquer tentativa de mudança é imediatamente esmagada. O seu sentido de justiça leva-a a colidir com Eduardo Leôncio Teles, o herdeiro da maior fortuna da região, iludindo, assim, a forte atracção que sente por ele. Ao mesmo tempo, Isabel envolve-se nos acontecimentos da vida rural, enquanto tenta descobrir o segredo que levou o pai a esconder-se no Alentejo, arrastando a família para uma existência tão difícil."

 

Foto Daqui retirada

 

Foi para mim um prazer enorme, ao ler a história, deparar-me com personagens, situações e até diálogos que me faziam recordar a obra de Gaskell ou de Austen. Sorria, pois pensava 'esta parece-me a Lady Catherine de Bourgh... ou será Hannah Thornton?'. O pai da protagonista, António do Couto Maia, é uma homenagem a Mr Hale (tirando o final trágico...) e a mãe tem um pouco de Mrs Bennet e um pouco de Mrs Hale... Eduardo Leôncio Teles é um misto delicioso de John Thornton e de Fitzwilliam Darcy e Isabel Maria do Couto Maia tem traços de Elizabeth Bennet e muito especialmente de Margareth Hale, com aquele espírito sempre inovador, crítico e combativo. Mas isto são coisas que só um bom apreciador de North and South e de Pride and Prejudice perceberá com rigor. E a esses, eu aconselho vivamente, ou melhor, obrigatoriamente, a leitura desta história.

 

A semelhança de determinadas personagens e do decorrer da acção com as obras acima assinaladas não é depreciativo nem sequer desanimador. É, pelo contrário, aliciante, interessante e digno de um sorriso. E, porque a acção decorre no nosso Portugal reprimido dos anos cinquenta do século passado, a história torna-se muito mais adequada à nossa realidade lusa e com recurso a locais que tão bem conhecemos (ou pelo menos ouvimos falar) e admirámos no nosso Portugal. E não faltam as palavras que só recorrendo ao dicionário reconhecemos pois fazem parte dum português antigo, sulista e ruralizado. E depois o Alentejo! O lindo Alentejo com as suas paisagens, os seus montes, os seus campos, as suas gentes.

 

Queria muito especialmente deixar aqui uma ressalva para os últimos capítulos que são lindos. Aquele 'look back' que qualquer apreciadora de North and South reconhece, nesta história acontece desta forma:

 

"No momento em que lhe passava os documentos, os seus dedos tocaram-se ao de leve, não soube se por acaso, se intencionalmente. Ela agradeceu, quase sem voz, e entrou no carro de aluguel, após o que este partiu com um ruído estrepidoso. Eduardo ficou parado à porta, fixo no vidro traseiro do automóvel, enquanto este se afastava, e nesses últimos segundos de nitidez, antes de desaparecer sob a espessa cortina da bruma matinal, avistou o rosto pálido de Isabel a relanceá-lo pela última vez."

 

E há também a parte que eu achei mais bonita, e para essa não consigo encontrar semelhanças em nenhuma das obras, que é quando começa a dar-se o desfecho da história e se começa finalmente a perceber porque António do Couto Maia deixou Lisboa inexplicadamente:

 

"As duas ficaram ali, quietas, cada uma no seu lugar, imersas num silêncio glacial. A porta ficara escancarada, da rua vinha o assobio do vento que penetrava na casa, fazia levantar as cortinas, os pratos trepidar nas paredes e os candeeiros balançar fantasmagoricamente. Quando a mãe se levantou para fechá-la, petrificou debaixo da ombreira até lhe nascerem do fundo dos pulmões gritos estridentes, a chamar pela filha, como se lhe estivessem a arrancar o coração do peito. A rapariga chegou  ainda a tempo de ver dois indivíduos a empurrar António para dentro de um automóvel preto. A garrafa de vinho que trazia nas mãos caiu desamparada e estilhaçou-se contra a berma do passeio, esplhando-se o tinto na calçada cã, a mancha sanguinolenta escorrendo profusamente pelo passeio abaixo, enquanto o ruído do motor tomava o ar e lhes enchia as almas de profundo horror. Nesse instante, a mente de Isabel fechou-se a tudo o que a rodeava, um choque súbito de adrenalina percorreu-a de alto a baixo, como uma descarga eléctrica, e impulsionou-lhe as pernas para a frente, atrás do carro. O sangue fervia-lhe por baixo da pele, transformando-a num motor em combustão. O estrépido do automóvel a guinar de curva em curva não era comparado com o rugido de fúria que saía dela. A ventania cortante esbofeteava-lhe o rosto, mas ela nada sentia, só a pernas a moverem-se numa corrida desenfreada, os calcanhares a baterem violentamente contra a terra, percorrendo a estrada que cortava a vila ao meio até à orla, onde a paisagem sulcada de montes sem fim, engolia qualquer ser vivo à vista. Que podia fazer? Como poderia ela alguma vez alcança-los só com aquela explosão instantânea de força? O fôlego sumia-lhe dos pulmões e a garganta ardia-lhe de tanto se forçar a inspirar os escassos golpes de ar. Deixassem-na ao menos despedir-se. Contra a sua vontade, as pernas começaram a ceder e a velocidade da sua corrida a diminuir. O intervalo entre os arquejos era tão curto que toda a energia do corpo era insuficiente para continuar a respirar e a correr ao mesmo tempo. Por fim, tropeçou nos próprios pés e caíu redonda no chão, as lágrimas caindo-lhe em cascatas dos olhos. O automóvel galgava os montes, ficando cada vez mais distante, pequeno como uma barata, até desaparecer para lá dos limites da paisagem visível. O ruído do motor abafou-se na morrinha. Tinham-no levado. Assim, sem mais nem menos. Esqueçam-se as formalidades, os avisos, as explicações, simplesmente tinham-no detido e sequestrado, como se uma pessoa fosse um objecto de ninguém que podiam pegar e levar com eles, conforme lhes aprouvesse. A nortada fustigava-lhe o corpo fatigado, empurrava-a na direcção contrária, na direcção da casa, para onde teria de regressar de mãos vazias. Voltou costas e começou a andar. Estava a entrar na vila quando ouviu um relinchar ao longe. No topo do cabeço mais alto, recortado a contraluz, vislumbrou um cavalo e, montado nele, Eduardo. Ficou parado durante uns segundos, contemplativo, imune à borrasca, depois girou a cabeça na direcção da estrada, esticou as rédeas, deu meia volta e afastou-se a trote, desaparecendo na encosta, do outro lado do monte. Teria ele visto a cena toda desenrolar-se? Isabel praguejou, amaldiçoou-o, mandou-o às figas, importava-se lá ele, devia estar todo roído, como todos os homens rejeitados."

 

Além Tejo é definitivamente uma história digna de leitura, e no meu caso, de releitura pois seguramente vou voltar ao Alentejo, à Vila de Moura e à vida de Isabel e Eduardo, Inês e Pedro (não confundir com tempos monárquicos), Ana Maria e António, da dona Ercília, da Ernestina e do seu João da Mota, de Ricardo e de tantos outros personagens que tornam esta história um prazer seguro e delicioso.

 

O livro não é muito fácil de encontrar, infelizmente. Está à venda nas lojas Bertrand mas não em todas. Tive sorte e encontrei-o numa das lojas aqui do Porto mas isso foi só depois de as percorrer todas. Há dias, apercebi-me que já existe a versão Kindle, disponível portanto no site da amazon por cerca de 7euros (depende da taxa de câmbio, evidentemente). Segue o respectivo link para quem estiver interessado:

 

http://www.amazon.com/Al%C3%A9m-Tejo-Portuguese-Edition-ebook/dp/B008BIGQRE

 

Autor: Catarina Pereira Araújo

Data de Publicação: Setembro de 2008

Editora: Chá das Cinco

Páginas: 317

ISBN: 978-989-8032-37-9