O coronel Brandon é a minha personagem favorita em Sensibilidade e Bom Senso. Sinto uma natural simpatia por este homem sensível, genuíno, tímido e doce. A sua personagem cativou-me desde a primeira leitura. Não consigo gostar menos dele apesar de ser apresentado como velho solteirão por ter passado dos trinta e cinco anos ou por ser calado e sério. Para mim, ele é o oposto de Willoughby no que respeita às mulheres. Mas não só. A sua sensibilidade e as suas qualidades humanas transparecem em várias ocasiões e a sua generosidade é dirigida para aqueles que mais necessitam dela, como é o caso de Mr. Ferrars depois de ser deserdado pela sua mãe. Atrevo-me a dizer que ele é o verdadeiro herói desta trama romântica. Edward Ferrars é um ser apagado quando comparado com a verticalidade e maturidade do coronel. Quanto a Willoughby, muito haveria que limar o seu carácter para ser comparado com o coronel Brandon.
De todos os novos conhecimentos, apenas o Coronel Brandon, segundo Elinor, era uma pessoa que sob algum aspecto poderia merecer respeito pela sua inteligência, criar o interesse da amizade ou dar prazer como companheiro. Willoughby estava fora de questão.
(...) Contudo, a frase que enunciara foi prosseguida imediatamente pelo coronel Brandon, sempre atento aos sentimentos dos outros, e todos falaram muito sobre a chuva (...).
O coronel Brandon é um personagem que mesmo ausente, deixa no ar a sua presença porque quando regressa parece estar a par de tudo ou chega sempre no momento mais indicado, ainda que assim não o pareça a outros. É um verdadeiro amigo do seu amigo e ama incondicionalmente Marianne. É um gentleman apaixonado. Pelo que fica dito, é fácil apreciar este personagem.
Este é um tema que sai fora de todos os que estão a ser tratados agora no blogue, mas tendo lido recentemente a obra, mais uma vez, não pude deixar passar mais tempo sem falar nele, sob pena de o menosprezar, ainda que sem intenção.
Enquanto lia as várias obras de Jane Austen, havia um pormenor que me incomodava e que, simultaneamente, me deixava curiosa, que se prende com a comida. A ideia que tenho é a de que Jane Austen não fala muito dos pratos típicos do seu tempo ou da sua classe. Ou não fala de todo. Por isso, foi com um misto de surpresa e de alegria que leio sobre um "repasto" em casa de Emma. Nesta cena é descrita uma refeição e os personagens falam de comida, o que muito me agradou. Fala-se então papas de aveia, que eram muito do agrado de Mr. Woodhouse, sendo que a refeição era constítuida por picado de galinhas, ostras recheadas, ovos cozidos, torta de maçã. Creio que é o único livro de Jane Austen que fala de pratos típicos da sua época.
O capitão Frederick Tilney (Frederick) é o filho mais velho do General Tilney e o possível herdeiro da Abadia de Northanger. Trata-se de um personagem secundário que surge apenas na segunda parte do livro e que prima pela total ausência de discurso. Tudo o que sabemos de Frederick é-nos dado a conhecer pelas demais personagens , nomeadamente Henry, Catherine, Eleanor e Isabella.
Frederick é um homem elegante e moderno que gosta de namoriscar raparigas bonitas. Os seus modos e atitudes não causaram impressão à nossa jovem Catherine que os encontrou inferiores aos do seu irmão Henry. É um misto de Mr. Darcy com Whickam. Confuso? Não. Frederick tem a arrogância inicial de Mr. Darcy. Quando é apresentado em Bath, num baile, protesta com o irmão por este o querer ver dançar e fá-lo de modo bastante audível. Mas também é, como referido, um homem que adora "coleccionar" damas e adora quebrar as regras da boa educação, características que tanto marcaram a personagem de Whicham e Willoughby.
O alvo da sua conquista será Isabella. Tola e convencida, troca a o amor sincero de James por um flirt casual mais que notório. É a marca de Frederick. Terminada a sua estadia, termina também a brincadeira e as consequências não são preocupação sua. Segundo Eleanor, este jurou que mulher nenhuma merecia o seu amor. Guardava apenas orgulho no seu coração. E, segundo Henry, era vaidoso e teimoso. O respeito que este nutria pelo General não era nenhum. Parecia gostar de o contrariar em tudo e jamais lhe prestava qualquer satisfação.
Mas, seria Frederick assim por natureza ou teria acontecido algo que tivesse determinado o seu carácter? Eu penso que terá sofrido bastante com a morte precoce da mãe por quem teria nutrido verdadeiro afecto. O facto de o pai ser um homem frio e distante terão contribuído para o seu sofrimento. Estes dois factores que poderão ter influenciado a tomada de posição em não se querer apaixonar por nenhuma mulher já que o sofrimento da perda estaria assim latente na sua vida.
Para mim, Frederick é o molde de outros personagens de Jane Austen.
Quando comecei a leitura deste livro vinha-me sempre à cabeça a frase do personagem masculino do filme "O clube de leitura de Jane Austen". Segundo aquele, esta obra era um mero ensaio de Jane Austen. Através dele a autora fez uma viagem de descoberta sobre o seu estilo. Aqui ainda não está defenido. Existiam dúvidas. Ou pelo menos parece havê-las. Creio que não se trata de uma verdadeira obra acabada. Foi com essa impressão que terminei a leitura deste livro.
Todavia, gostei do enredo. Gostei das personagens, principalmente de Henry Tilney. Adorei a inocência de Catherine e a sua incrível imaginação que ao longo do livro nos oferecem momentos de boa disposição e leveza. Catherine era uma peça em bruto que apenas precisava das mãos certas para se tornar numa obra de arte inteligente e delicada. E a sua transformação pela mão de Henry? Adorável. A forma como ele brincava com a sua inocência e simultaneamente a protegia não passam despercebidas. Convenceram-me logo. Ele conseguia aliar estes dois traços com perfeita elegância. Encantou-me a sua inteligência, a sua independência, o amor fraternal que nutria pela irmã e o respeito que, apesar das suas brincadeiras, tinha por Catherine. Era um homem vertical.
Ao longo da leitura, não fui capaz de me desligar de algumas frases proferidas por Henry que são dignas de registo e também algumas posições por ele tomadas. Atrevo-me a pensar que se tratavam de posições assumidas pela própria Jane Austen. Merece destaque uma nota interessante sobre romances versus história. Henry e Catherine falavam acerca de livros e do pouco reconhecimento dos romances que ela defendia em detrimento da leitura livros de história que causavam grande "tormento" às crianças. A discussão leva-os para o patamar da educação e Henry termina muito bem dizendo (...) Mas os historiadores não são os responsáveis pelas dificuldades na aprendizagem da leitura, e até mesmo a menina, que não me parece, no fundo, ser partidária de uma aplicação severa e intensa, pode vir a reconhecer que vale bem a pena ser atormentado por dois ou três anos da vida em prol de ser capaz de ler tudo o que falta. Imagine, se a leitura não fosse ensinada, a senhora Radcliffe teria escrito em vão ou até talvez nem o tivesse feito. Esta discussão é relevante no sentido de mostrar a preocupação que Jane Austen com a educação das mulheres. Ela conseguia alcançar as vantagens de esta existir no círculo feminino. É também Henry que afirma que ser-se sempre firme pode ser uma obstinação. E saber relaxar é o verdadeiro desafio. Ou, ainda, ser-se levado por conjecturas de segunda mão é uma pena. Mas a que mais me marcou foi sem dúvida esta: já ouvi falar em fiéis acções. Mas uma promessa fiel, a fidelidade de prometer! É uma palavrinha bem poderosa, pois pode muito bem decepcioná-la (ar) e magoá-la (ar).
Existe outra passagem que, no meu entender, consubstancia uma crítica feita tanto aos homens como às mulheres, o que não deixa de ser interessante. Diz a determinada altura a autora que as vantagens da tolice natural numa bela jovem já se encontram realçadas pela importante pena de uma companheira de escrita e, quanto à forma como trata do assunto, limito-me a acrescentar, fazendo justiça aos homens, que, embora para a maior e mais frívola parte deste sexo a imbecilidade nas mulheres seja considerada uma enorme vantagem para realçar os seus encantos naturais, existe um outro grupo bastante grande, suficiente e razoavelmente bem informado, que deseja algo mais numa mulher do que ignorância.
A crítica clara ao casamento por dinheiro está também presente nesta obra. Através de Catherine, Jane afirma que detesta a ideia de uma grande fortuna procurar outra grande fortuna. E considera que casar por dinheiro é a coisa mais ignóbil da existência.
Neste livro encontramos também, ainda que de forma sucinta e rápida, uma abordagem à política do país, o que me surpreendeu pelo facto de este ter sido escrito cedo.
Mas a grande marca que este livro me deixa é a crítica aberta que Jane Austen deixa à literatura fantástica. A certa altura a autora mostra claramente a sua aversão por este tipo de escrita e aponta-lhe consequências pouco felizes. Diz que todo o sofrimento de Catherine resulta sobretudo da influência dos livros que até aí lera, afirmando que por muito encantadores que fossem os livros da senhora Radcliffe, e mesmo os livros dos que a imitivam, não era com certeza neles que a natureza humana devia ser procurada, pelo menos ali, nos condados centrais de Inglaterra. (...) Mas na parte central de Inglaterra havia, com certeza, alguma segurança, mesmo para a vida de uma mulher que não fosse amada, conferida pelas leis da terra e os hábitos da época. O assassínnio não era tolerado, os criados não eram escravos, nem se arranjavam poções para dormir, como o ruibarbo, em todos os farmacêuticos. A referência à natureza humana e à essência do ser humano são, para mim, o alicerce de todas as estórias de Jane Austen. Por isso acredito que este tenha sido um ensaio, muito bom, que Jane terá feito para definir a sua escrita e para sedimentar a estrutura que a iria sustentar. O resultado está à vista. Jane é uma escritora que fala sobre pessoas reais; sobre a sociedade e sobre sentimentos. E fá-lo bem. Com inteligência.
Começo por dizer o meu preferido dentre os três actores que deram vida ao Mr. Knightley: Jeremy Northam, versão 1996.
Na interpretação de Mark Strong, versão 1997, predominou a faceta paternalista de Mr. Knightley. Ele surge, aos meus olhos, demasiadamente servero e sério. No caso de Jonny Lee Miller - que é um actor de quem eu eu gosto bastante - eu não consigo ver nele Mr. Knightley. Quando digo isto, não estou sequer recriminar a actuação dele. É uma boa interpretação. Não sei explicar bem... As falas de Mr. Knightley têm um misto de firmeza com um certo humor. Ele tem um humor peculiar e, em relação à Emma, ele usa o seu humor para, muitas vezes, espicaçá-la. Algo que não encontrei em Jonny Lee Miller. Ele incorpora mais o lado racional de Mr. Knightley.
Com Jeremy Northam, eu confesso, não lhe consigo encontrar defeitos. Acho-o divinal. Acho-o a encarnação humana de Mr. Knightley. Ele conjuga o lado racional e disciplinador com o humor e a ironia. Aliás, penso que ele e Gwyneth Paltrow encarnam os dois o melhor casal Mr. Knightley/Emma, ambos transmitem muita química e a questão da diferença de idades é credível. Na versão 2009, penso que Romola e Jonny parecem ter a mesma idade, não se nota muito a diferença. E, finalmente, no casal 1997, Mark Strong e Kate Beckinsale, a diferença é demasiadamente acentuada.
No Brasil há um ditado popular que diz “é melhor pecar pelo excesso do que pela falta”. O pai de Emma e Isabela, Mr. Woodhouse, peca, justamente, por ser um pai excessivo. Ele se preocupa demais, se cuida demais, solicita demais, reclama demais, tudo em demasia. E por estas características, a meu ver, ele é muito encantador, pois pensa nos outros, mas sem deixar de priorizar suas necessidades.
Sua mulher morre muito jovem e ele é obrigado a assumir sozinho a responsabilidade de educar suas duas filhas. Provavelmente, esta fatalidade justifica suas preocupações descomunais em evitar doenças, pois ele teme que o mesmo mal possa atingir suas meninas e outras pessoas queridas. Deste modo, dedica-se a palpitar e planejar sua rotina e a de todos para afastar qualquer atividade ou situação que, em sua opinião e na estimada opinião do Mr. Perry, cause doenças. É engraçado acompanhar as suas apreensões em fugir e proteger a todos das correntes de ar.
É esse temor de perder mais algum ente querido que o mobiliza a ser tão excessivo e exagerado na educação de suas filhas, em suas relações sociais e em seu cotidiano. Divertimos-nos ao longo da história (é possível que alguns leitores se irritem) em acompanhar suas peripécias e argumentos para não sair e/ou comer fora de casa, para não fazer viagens longas ou mesmo comer doces. Além disso, me parece que ele tem consciência do grande risco que corre em ficar sozinho em sua gigantesca residência e, por isso, muitas vezes “apela” para que Emma não viaje e pense em se casar ou lamenta que Mrs. Taylor tenha se casado.
Sendo um hipocondríaco convicto, seus cuidados exagerados beiram o absurdo, mas ele é muito respeitado por todos, especialmente por Emma e Mr. Knightley, que fazem o possível para atender as suas exigências e mantê-lo entretido. Este respeito se deve, em grande parte, a outras qualidades de sua personalidade, pois Mr. Woodhouse é atencioso, amável, generoso e, porque não dizer empático, pois se preocupa com o bem-estar de todos.
Mr. Woodhouse é descrito por Jane Austen como um pai zeloso, complacente com os caprichos das filhas e desejoso da felicidade de ambas. Preocupa-se tanto em mantê-las bem e próximas que chega a sufocá-las, dificultando que amadureçam e se arrisquem na vida. Ou mesmo que experimentem frustrações, condições que impedem que Emma seja mais tolerante a não realização de suas vontades e mais sensível aos sentimentos dos outros.
Bem, para mim, Mr. Woodhouse é um bom exemplo de como um pai pode demonstrar exageradamente amor aos filhos, inclusive das consequencias negativas decorrentes deste excesso de zelo. E Jane Austen descreve brilhantemente ao longo de “Emma” os erros e acertos de uma educação parental pautada no amor exagerado e sufocante.
"O Sr. Knightley, homem dos seus trinta e sete ou trinta e oito anos e um espírito inteligente, era não só um velho amigo da família, como estava intimamente ligado a ela, como irmão mais velho do marido de Isabella. (...) era uma das pessoas mais capazes de descobrir defeitos em Emma Woodhouse e a única que lhe falava deles"
Mr. Knightley é-nos apresentado após o casamento de Miss Taylor ter acontecido. Ele chega de Londres, após ter visitado o seu irmão John e a sua cunhada Isabella, irmã de Emma. A familiaridade com que ele surge, no capítulo 1 do livro, à casa dos Woodhouse revela a grande intimidade que ele usufruía na casa; o que traduz uma afinidade alimentada por anos de convivência. São vizinhos mas são, sobretudo, amigos.
Ele é um homem maduro. Teria entre 37 e 38 anos e, para além de amizade, ele teria sobre Emma um papel quase paternalista: não no sentido de ser condescendente mas no aspecto de chamar a atenção para as suas acções incorrectas. Isto é uma evidência ao longo do livro. Foram inúmeras situações em que Mr. Knightley alertaria Emma para determinada acção ou atitude. O interessante nisto tudo é que eu não consegui encontrar alguma situação em que ele falhasse. De todos os heróis masculinos este é o único que se manteve íntegro, correcto e quase que perfeito. Se ele é, à primeira vista, o grande amigo de Emma enxergo-o ainda de outra forma. Ele vem contrabalançar os defeitos de Emma. Ela, dentre todas as heroínas, parece-me ser a que comete mais erros e cai em mais enganos. Já Mr. Knightley é a voz da Razão. Poderemos falar de Sensibilidade e Bom Senso em "Emma"?
"Se a amasse menos, talvez pudesse dizer mais coisas. Mas a Emma sabe como eu sou. De mim não ouvirá senão a verdade."
Mr. Knightley observa, analisa, pensa, reflecte, alerta no momento adequado e sempre é verdadeiro. Usa sempre de franqueza e de verdade. Tem posição social e dinheiro, mas é simples e aprecia a simplicidade e a autenticidade nas pessoas. A sua postura e a sua personalidade são simples mas a sua perspicácia, capacidade de observação e correcção tornam-no complexo. É ele quem dá o abanão em Emma no seu categórico "Badly done, indeed!" no episódio em Box Hill quando Emma humilha Miss Bates. E com esta frase, ele selou o começo da redenção de Emma.
Ele não é unicamente o amigo de Emma. Ele não é somente o amigo revelado em amor de Emma. Ele completa-a. Neste sentido, este amor revela o que todos procuramos na vida: ser completos e sentirmo-nos verdadeiros no nosso elemento.
Eu devo confessar: eu gosto muito de Miss Bates. Não sei explicar bem o porquê. Será da sua condição socialmente frágil? Será da sua amabilidade? Será da sua solidão? Não sei... Esta é uma das personagens em que nas três versões foi desenvolvida de formas diferentes. Contrariamente ao que se poderia esperar de uma personagem aparentemente tão simples. Eu gosto muito dos desempenhos de ambas actrizes das versões de 1996 e de 2009. A primeira apostou no lado cômico e simples de Miss Bates, já a segunda actriz apostou numa leitura mais contida e séria. Acreditem, eu dou gargalhadas sonoras quando vejo a versão miramax, mas há algo que me fascina na Miss Bates da versão 2009. Tamsin Greig torna Miss Bates alguém que tem um sorriso mas sempre uma sombra. Enxergo-lhe muita solidão. Um dos momentos altos, na versão 2009, é protagonizado por ela: quando em Box Hill Emma ridiculariza-a à frente de todos. O olhar de mágoa e espanto dela é fabuloso. E, quando Emma procura-a o mesmo olhar de mágoa e espanto ganha o brilho do perdão. Ela é a minha preferida.