Não é que goste especialmente da relação que têm no início... mas gosto da reviravolta que a relação deste pai e filho toma. Pelo menos, se Jane Austen não o escreve explicitamente, gosto de imaginar como terá sido depois de toda a tragédia que abateu em Mansfield Park.
Tenho imensa admiração por Sir Thomas e, embora o ache negligente nalguns aspectos, tendo a perdoá-lo... assim como faço com Tom.
Este pai e filho, pela relação conturbada no início e pelas "pazes" feitas no fim, eternecem-me muito.
Tom Bertram está longe de possuir o bom senso do irmão mais novo. Enquanto filho mais velho beneficiou sempre dessas prerrogativas e utilizou-as para proveito próprio, na maior das irresponsabilidades. Tom Bertram é, acima de tudo, um irresponsável.
"A freguesia seria para Edmund e, se o tio tivesse morrido uns anos mais cedo, tê-la-iam dado a algum amigo enquanto ele não chegasse à idade de receber ordens. Mas a extravagência de Tom tinha sido tão grande, antes deste acontecimento, que modificou os planos. O irmão mais novo tinha de sofrer as estroinices do mais velho. Havia outra freguesia para Edmund; e embora esse facto viesse suavizar as apreensões de consciência de Sir Thomas, não deixava, porém, de o considerar um acto de injustiça e tentou por todos os meios convencer disto o filho mais velho, na esperança de que produzisse melhor efeito do que tudo quanto até aí lhe tinha dito (...)
Tom escutava-o um tanto triste e envergonhado; mas, escapando-se logo que pôde, pensou: 1º - que não tinha metade das dívidas de alguns dos seus amigos; 2º - que o pai tinha exagerado o caso; e 3º - que o futuro padre, fosse ele qual fosse, morreria depressa.
Depois da morte de Mr. Norris, a freguesia foi para a posse do Dr. Grant, que veio residir para Mansfield. Era um homem robusto, de quarenta e cinco anos, e este facto deitou por terra os cálculos de Tom Bertram. Mas ainda arranjou consolação com a ideia de que ele era um homem muito gordo, com um aspecto apoplético e, portanto, cedo morreria"
Nas adaptações surge um pouco como o "filho rebelde", porém, não diria que essa característica seja enfatizada na obra. Na versão de 1999 há fortes discussões com Sir Thomas Bertram que aumentam essa ideia. Já no romance, vem mais ao de cima, não a sua rebeldia, mas a sua inconsciência, egoísmo, irresponsabilidade e desprendimento.
A relação com o pai está longe de ser a ideal. Enquanto leitores sentimos divergências entre ambos e uma certa desilusão por parte de Sir Thomas que, apesar de tudo, nunca desiste do filho, embora não o mostre claramente. Mais uma vez, dou os parabéns às adaptações como a de 1999 ou mesmo a de 2007 que aproveitam a doença de Tom para sanar todos os mal entendidos e nos mostram um Tom arrependido e um Sir Thomas amável. Como no romance esta parte da história é dada a conhecer ao leitor através de cartas escritas a Fanny, estamos, como ela, a imaginar toda a amargura da situação e nunca a vivê-la verdadeiramente, nas adaptações isso não acontece pois, tal como Fanny, somos transportados para a acção.
Já aqui escrevi e volto a repetir, na relação Tom/Sir Thomas, vem-me sempre à mente a história do filho pródigo e por isso, nada mais posso fazer do que perdoar a Tom todas as "estroinices".
"de Tom não tinha Fanny de que se queixar, a não ser quando se dava a brincadeiras que um rapaz de dezassete anos julga admíssiveis com uma rapariga de dez. Estava agora a entrar na vida, cheio de espírito, com todas as prerrogativas de um filho mais velho, que pensa que só nasceu para gozar e gastar dinheiro. A sua amabilidade para a primita ressentia-se disso: dava-lhe bonitas prendas, mas ria-se dela."
Hoje vou explorar a relação de Tom com Fanny. Tom Bertram aparece poucas vezes na obra e ainda menos em diálogos com Fanny o que não facilita a tarefa. Tom tem mais sete anos que a prima. Percebemos que não lhe dá grande importância, mas também não o podemos julgar severamente.
Ao contrário da obra, as adaptações de 1999 (especialmente) e a de 2007 colocam Fanny no centro da acção aquando da doença de Tom. Isto não sucede no romance, onde Fanny acompanha a doença do primo por cartas enviadas para Portsmouth. Sou favorável a essa alteração feita por ambas as adaptações porque, ao mesmo tempo que mostram a dedicação de Fanny, mostram também a gratidão de Tom para com a prima - e isso enternece-me "enormemente".
Uma cena hilariante, mas também exemplo perfeito do desprendimento de Tom e da indiferença deste para com a prima, é aquela que transcrevo abaixo. A adaptação de 1983 retrata perfeitamente esta situação e tal como no livro, somos levados a soltar umas quantas gargalhadas.
"Tom Bertram, que saíra, entrava outra vez na sala. E embora a honra de ser convidada fosse um pouco improvável, Fanny pensou que isso podia acontecer. Ele dirigiu-se, com efeito, para ela mas, em vez de a convidar para dançar, puxou uma cadeira e contou-lhe como estava o seu cavalo doente e a opinião do criado. Fanny viu logo que não ia dançar.
Depois disto, ele tirou um jornal da mesa e, percorrendo-o negligentemente com a vista disse:
- Se quiseres dançar, Fanny, vou dançar contigo.
Com um pouco mais de delicadeza, o convite foi rejeitado.
- Ainda bem - disse ele mais animado, pondo de parte o jornal - porque estou cansadíssimo. Só me admiro denque haja pessoas que possam aguentar tanto tempo a dançar. É preciso que estejam todos apaixonados para se distraírem com tal disparate. E parece que estão; se olhares, verás muitos pares de namorados; todos, excepto Yates e Mrs. Grant. E esta, aqui para nós, coitada, deve precisar tanto de um namorado como qualquer das outras. Deve levar uma vida aborrecidíssima com o marido.
Tom disse isto sem reparar que o Dr. Grant estava perto; ao aperceber-se disso, mudou tão de repente de assunto, que Fanny não pôde conter o riso.
- Que acontecimentos estranhos se passam na América, Dr. Grant! (...)
- Meu caro Tom - disse-lhe a tia - como não danças, penso que não te importarás de jogar uma partida connosco pois não? (...)
- Teria muito prazer - disse ele, levantando-se - mas agora vou dançar. Anda depressa Fanny (pegando-lhe na mão), não te demores, senão acaba a música. Fanny ficou satisfeita, mas era-lhe impossível sentir-se grata com o primo, que apenas resolvera dançar com ela para se libertar da maçada do jogo."
Não podemos afirmar que Tom seja um grande amigo de Fanny. No entanto, como já aqui disse, acho simpática a solução dada pelas adaptações em relação à prévia indiferença de Tom para com Fanny. Acredito que ele se redimiu e soube dar o devido valor à prima.
"Ainda a rapariga não tinha chegado e já pensava num bom casamento para ela: Tom Bertram. (...) O casamento era o seu fim, desde que pudesse casar bem. Vira uma vez o Sr. Bertram na cidade, e não podia pôr-lhe objecções"
Lembramo-nos claramente, se não for pelo livro, pelo menos pelas adaptações que, quando os Crawford nos são apresentados, está "destinado" a que Henry fique com Julia Bertram e Mary com Tom Bertram. Porém, a história confude todos os pressupostos e chegamos a um final que todas conhecemos ou iremos conhecer!
"Ela [Mary Crawford] confessava que os dois irmãos Bertrams eram rapazes muito simpáticos (...) Tinham boas maneiras, sobretudo o mais velho. Ele estivera já muitas vezes em Londres, e era mais vivo e galanteador que Edmund. (...) Realmente, Tom Bertram agradava-lhe muito. Era um daqueles rapazes de que toda a gente gosta. Tinha maneiras finas, sempre boa disposição, e era muito conversador; tornava-se mais simpático do que os outros com qualidades mais recomendáveis; e a herança do Parque de Mansfield e o título de barão não prejudicavam nada."
Nas adaptações da obra não é dado grande enfoque à relação entre Tom Bertram e Mary Crawford, passam rapidamente para a dupla Mary/Edmund. Mas isso não se passa no livro. Inicialmente, Mary está convicta de que irá gostar mais de Tom Bertram, por ser este o indicado pela irmã - Mrs. Grant - e por ser ele o herdeiro. Os seus planos saem frustrados, Tom Bertram, embora agradável, não mostra interesse nela, vive egoisticamente para seu próprio prazer e não passa disso, de uma companhia simpática e agradável de quem, ao fim de contas, não se deve esperar nada.
"e no fim de Agosto chegou ele próprio [Tom Bertram], para se divertir, ser gentil e galante quando a ocasião o proporcionava ou Maria Crawford o exigia. Falou das corridas de cavalos em Weymouth, das reuniões e dos amigos, coisas que ela teria ouvido com algum interesse seis semanas antes, e agora apenas lhe serviam para , por comparação, marcar a sua preferência por Edmund (...) A sua ausência tão prolongada de Mansfield, sem outro objectivo que não fosse o de divertir-se e fazer o que queria, mostrou-lhe que ele não lhe ligava importância"
Não sei se Tom Bertram alguma vez teve consciência da intenção de Mary Crawford nas poucas cenas iniciais do livro em que essa porta está aberta. Acredito que não. Ele parece demasiado desprendido, até da Paixão. É certo que Tom não se apaixona por Mary (tão disposta a isso) por necessitar tanto de viver para seu bel-prazer e porque, tal como Narciso, vive apaixonado por si mesmo.
Todavia, sobe um degrau na minha consideração porque, ao contrário do irmão (tão íntegro e sensato) não se deixa influenciar por uma cara bonita - o único, ou pelo menos o mais importante atractivo em Mary, que leva Edmund a apaixonar-se, por muito que ele procure, incongruentemente, justificar a sua paixão por ela com outros predicados e que Fanny sabe tão inteligentemente dilacerar embora nunca aponte um dedo ao primo.
Para concluir, gosto de acreditar que Tom teve o seu final feliz. Se algum dia escrevesse um livro baseado na obra de Jane Austen, seria certamente sobre Tom Bertram, é um personagem pelo qual tenho uma forte empatia. Embora no início tudo indique uma versão mais elaborada de John Willoughby, no final, regenera-se e acorda para a realidade. Chamem-me romântica, mas acredito que Tom, naquelas páginas em branco que Jane Austen não escreveu, encontrou o amor da sua vida.
Tom Bertram é o herdeiro, o filho mais velho da família Bertram. Creio que é através dele que o não abordado tema da escravatura, ganha feição. Ele sofre dos mesmo defeitos que as irmãs, mimado, teimoso, orgulhoso... no entanto, ele também é um rebelde. Leva uma vida boémia, de luxo e de gastos exurbitantes, enquanto avançamos na obra estamos quase sempre, frente a frente com a sua constante ausência enquanto explora os prazeres da vida. Esta sua conduta é condenável. Assim como a insistência em fazer uma peça de teatro em casa, uma história repleta de adultério e maus costumes, falamos de Lover's Vows. Tom Bertram rebela-se contra o pai aquando da ida de ambos para Antigua, regressa e volta doente e abandonado pelos companheiros, é Yates que o trás de volta a casa. Como já aqui escrevi, é este facto que o vai transformar. Pela sua doença, Tom aprende a lição e ganha sensatez!Imagino-o sempre como o "filho pródigo" que esbanja todo o dinheiro do pai, vive uma vida de luxo e extravagância, regressa depois a casa, arrependido, abandonado por todos os que julgou seus amigos, de volta aos braços do pai que o recebe e recolhe como se ele sempre lá estivesse estado. A relação de Sir Thomas e Tom Bertram fez-me sempre lembrar este exemplo, daí que eu tenha Sir Thomas em tão alta conta, também porque Sir Thomas me faz lembrar muitas vezes o meu pai e Tom Bertram, o meu irmão.
Tom Bertram é também um personagem que nos faz soltar umas quantas gargalhadas. Raquel, do Jane Austen em Português traduziu uma passagem deliciosa (aquando do aniversário de Fanny) que é exemplo disso mesmo, passo a citar:
— Teria muito prazer, respondeu ele alto e pulando da cadeira todo animado, gostaria muitíssimo; mas é que neste momento vou dançar. Venha /fanny, disse puxando-a pela mão, não perca mais tempo senão a dança acaba. [...]
— Um pedido bastante modesto, palavra de honra! exclamou ele indignado, quando se afastavam. Pretender que eu fique preso numa mesa de jogo durante duas horas com ela e o Dr. Grant, que estão sempre brigando, e com aquela velha sorumbática, que entende tanto de cartas quanto de álgebra. Era melhor que minha boa tia não fosse tão solícita! E ainda por cima, me convidar de tal maneira! Sem a menor cerimónia, à vista de todos, para que eu não tivesse jeito de recusar. É o que mais detesto. Não há nada que me contrarie mais do que me convidarem por fingimento, e ao mesmo tempo ser abordado de tal maneira que não possa deixar de aceitar, seja lá para o que for! Se eu não tivesse tido a feliz idéia de ficar a seu lado, não poderia podido escapar desta. É muita perversidade. Mas quando minha tia mete uma idéia na cabeça não há quem possa com ela. | cap. 12, trad. Rachel de Queiroz |
(...) Tom parece estar pouco tempo em casa, ele era superficialmente agradável mas egoísta e extravagante - neste ponto ele parece encorajado pela sua posição enquanto filho mais velho e herdeiro de Mansfield Park - no entanto, ele também caiu em más companhias, companhias essas de homens igualmente egoístas, e que o pai tentou que ele se "escapasse" levando-o consigo para as Índias do Oeste (América). Ele precisava de um choque para aprender a lição (...).
Quanto a Maria e Julia, foram excessivamente mimadas pela indulgência e elogios da sua tia Norris (...) Com todos os seus talentos promisores e uma educação formal, é de estranhar que elas fossem tão deficientes nos conhecimentos básicos como o conhecimento do seu carácter, generosidade e humildade. Elas estavam admiravelmente bem ensinadas em tudo, menos no carácter. Sir Thomas não sabia o que era desejado porque, embora sendo um pai ansioso, não era completamente afectuoso, e as suas maneiras reservadas reprimiram o espírito dos filhos em frente do pai.
Depressa começou a compreender como pode ser desfavorável ao carácter dos jovens o contraste entre os dois diversos tratamentos que Maria e Julia haviam recebido em casa: a excessiva indulgência e lisonja da tia em oposição constante à severidade paterna. Viu quão mal ele raciocinara, supondo vencer o que havia de errado no sistema de Mrs. Norris pelo seu sistema oposto; viu claramente que não fizera senão aumentar o mal, ensinando-as a reprimirem-se na sua presença, mantendo-lhe desconhecidas as suas tendências reais, e entregando-as à indulgência de uma criatura que só seria capaz de as prender graças à cegueira de sua afeição e aos excessos de adulação.
A fuga de Julia era mais perdoável pois não envolvia adultério.