Tenho uma enorme admiração por Sirt Thomas. Concedo perdão a todas as suas falhas. Ele é um grande homem que teve a infelicidade de não ter uma grande mulher ao lado. Sir Thomas não pode ser o "bode expiatório" para todo o melodrama da família Bertram. Tem culpas, tem, sem dúvida. Mas Lady Bertram também tem a sua dose equivalente.
É o carácter forte e decidido deste personagem que fazem comq ue goste tanto dele e também a crença que tenho, de que ele sempre julgou estar a fazer o melhor para os filhos, sem ter ninguém ao lado que complementasse, sem ter ninguém ao lado que lhe abrisse os olhos que o chamasse à terra.
Não é que goste especialmente da relação que têm no início... mas gosto da reviravolta que a relação deste pai e filho toma. Pelo menos, se Jane Austen não o escreve explicitamente, gosto de imaginar como terá sido depois de toda a tragédia que abateu em Mansfield Park.
Tenho imensa admiração por Sir Thomas e, embora o ache negligente nalguns aspectos, tendo a perdoá-lo... assim como faço com Tom.
Este pai e filho, pela relação conturbada no início e pelas "pazes" feitas no fim, eternecem-me muito.
Não, nada de coincidências! Estava eu a rever a adaptação de 1996 de Emma da BBC e começo a pensar que já vi este "Mr. Woodhouse" nalgum lado... pois claro! Bernard Hepton interpretou Sir Thomas Bertram na adaptação de 1983 de Mansfield Park, se bem que na altura era um pouco mais novo. Pessoalmente, considero a sua interpretação de Sir Thomas Bertram a melhor, muitos níveis acima da de Mr. Woodhouse, que ensta versão me pareceu mais "activo" do que seria de supor.
Tom Bertram está longe de possuir o bom senso do irmão mais novo. Enquanto filho mais velho beneficiou sempre dessas prerrogativas e utilizou-as para proveito próprio, na maior das irresponsabilidades. Tom Bertram é, acima de tudo, um irresponsável.
"A freguesia seria para Edmund e, se o tio tivesse morrido uns anos mais cedo, tê-la-iam dado a algum amigo enquanto ele não chegasse à idade de receber ordens. Mas a extravagência de Tom tinha sido tão grande, antes deste acontecimento, que modificou os planos. O irmão mais novo tinha de sofrer as estroinices do mais velho. Havia outra freguesia para Edmund; e embora esse facto viesse suavizar as apreensões de consciência de Sir Thomas, não deixava, porém, de o considerar um acto de injustiça e tentou por todos os meios convencer disto o filho mais velho, na esperança de que produzisse melhor efeito do que tudo quanto até aí lhe tinha dito (...)
Tom escutava-o um tanto triste e envergonhado; mas, escapando-se logo que pôde, pensou: 1º - que não tinha metade das dívidas de alguns dos seus amigos; 2º - que o pai tinha exagerado o caso; e 3º - que o futuro padre, fosse ele qual fosse, morreria depressa.
Depois da morte de Mr. Norris, a freguesia foi para a posse do Dr. Grant, que veio residir para Mansfield. Era um homem robusto, de quarenta e cinco anos, e este facto deitou por terra os cálculos de Tom Bertram. Mas ainda arranjou consolação com a ideia de que ele era um homem muito gordo, com um aspecto apoplético e, portanto, cedo morreria"
Nas adaptações surge um pouco como o "filho rebelde", porém, não diria que essa característica seja enfatizada na obra. Na versão de 1999 há fortes discussões com Sir Thomas Bertram que aumentam essa ideia. Já no romance, vem mais ao de cima, não a sua rebeldia, mas a sua inconsciência, egoísmo, irresponsabilidade e desprendimento.
A relação com o pai está longe de ser a ideal. Enquanto leitores sentimos divergências entre ambos e uma certa desilusão por parte de Sir Thomas que, apesar de tudo, nunca desiste do filho, embora não o mostre claramente. Mais uma vez, dou os parabéns às adaptações como a de 1999 ou mesmo a de 2007 que aproveitam a doença de Tom para sanar todos os mal entendidos e nos mostram um Tom arrependido e um Sir Thomas amável. Como no romance esta parte da história é dada a conhecer ao leitor através de cartas escritas a Fanny, estamos, como ela, a imaginar toda a amargura da situação e nunca a vivê-la verdadeiramente, nas adaptações isso não acontece pois, tal como Fanny, somos transportados para a acção.
Já aqui escrevi e volto a repetir, na relação Tom/Sir Thomas, vem-me sempre à mente a história do filho pródigo e por isso, nada mais posso fazer do que perdoar a Tom todas as "estroinices".
Tom Bertram é o herdeiro, o filho mais velho da família Bertram. Creio que é através dele que o não abordado tema da escravatura, ganha feição. Ele sofre dos mesmo defeitos que as irmãs, mimado, teimoso, orgulhoso... no entanto, ele também é um rebelde. Leva uma vida boémia, de luxo e de gastos exurbitantes, enquanto avançamos na obra estamos quase sempre, frente a frente com a sua constante ausência enquanto explora os prazeres da vida. Esta sua conduta é condenável. Assim como a insistência em fazer uma peça de teatro em casa, uma história repleta de adultério e maus costumes, falamos de Lover's Vows. Tom Bertram rebela-se contra o pai aquando da ida de ambos para Antigua, regressa e volta doente e abandonado pelos companheiros, é Yates que o trás de volta a casa. Como já aqui escrevi, é este facto que o vai transformar. Pela sua doença, Tom aprende a lição e ganha sensatez!Imagino-o sempre como o "filho pródigo" que esbanja todo o dinheiro do pai, vive uma vida de luxo e extravagância, regressa depois a casa, arrependido, abandonado por todos os que julgou seus amigos, de volta aos braços do pai que o recebe e recolhe como se ele sempre lá estivesse estado. A relação de Sir Thomas e Tom Bertram fez-me sempre lembrar este exemplo, daí que eu tenha Sir Thomas em tão alta conta, também porque Sir Thomas me faz lembrar muitas vezes o meu pai e Tom Bertram, o meu irmão.
Tom Bertram é também um personagem que nos faz soltar umas quantas gargalhadas. Raquel, do Jane Austen em Português traduziu uma passagem deliciosa (aquando do aniversário de Fanny) que é exemplo disso mesmo, passo a citar:
— Teria muito prazer, respondeu ele alto e pulando da cadeira todo animado, gostaria muitíssimo; mas é que neste momento vou dançar. Venha /fanny, disse puxando-a pela mão, não perca mais tempo senão a dança acaba. [...]
— Um pedido bastante modesto, palavra de honra! exclamou ele indignado, quando se afastavam. Pretender que eu fique preso numa mesa de jogo durante duas horas com ela e o Dr. Grant, que estão sempre brigando, e com aquela velha sorumbática, que entende tanto de cartas quanto de álgebra. Era melhor que minha boa tia não fosse tão solícita! E ainda por cima, me convidar de tal maneira! Sem a menor cerimónia, à vista de todos, para que eu não tivesse jeito de recusar. É o que mais detesto. Não há nada que me contrarie mais do que me convidarem por fingimento, e ao mesmo tempo ser abordado de tal maneira que não possa deixar de aceitar, seja lá para o que for! Se eu não tivesse tido a feliz idéia de ficar a seu lado, não poderia podido escapar desta. É muita perversidade. Mas quando minha tia mete uma idéia na cabeça não há quem possa com ela. | cap. 12, trad. Rachel de Queiroz |