Ao longo dos meses, constatei que um dos momentos emocionantes é ver o resultado da leitura efectuada pela Raquel. O mais curioso, para mim, é averiguar que duas facetas opostas tornaram-se viciantes: ver as dúvidas que tivemos em comum e, por outro lado, ver os trechos que ela destacou e que eu não me dei conta na minha leitura. O primeiro aspecto, porque as dúvidas em comum criam de certa um elo de pensamento. O segundo aspecto, faz-me pensar de imediato: "como eu não vi isto?"; e, este segundo aspecto em específico, faz-me voltar aos dois livros e acompanhar a Raquel nesta viagem das duas traduções. Esta é uma das partes construtivas de todo este processo.
Por isso, sigam o link e confiram o resultado da leitura da Raquel através dos textos:
Para quem não acompanhou este percurso desde o início, poderá fazê-lo. Deixo-vos a lista completa da programação de leitura da Raquel e os respectivos textos:
Ainda dentro do clima de comemoração, toda a próxima semana será dedicada a Sense and Sensibility no Jane Austen em Português.
A Raquel irá focar toda a atenção no lançamento da edição ilustrada de Razão e Sentimento da Editora Nova Fronteira. E, dentro deste contexto, iremos proceder a partilha da terceira e última parte da Leitura Comparada que desenvolvemos no âmbito do Bicentenário de Sensibilidade e Bom Senso.
Será uma semana marcada pela sensatez de Elinor e pela paixão de Marianne em tons de delicadeza e emoção.
Esta nova imagem surge a propósito do aniversário do seu blogue (que será dia 21 de Junho) e do lançamento da edição de luxo ilustrada de Razão e Sentimento, tradução de Ivo Barroso (Editora Nova Fronteira). Como podem constatar o Jane Austen em Português ganhou um ar minimalista, clean e elegante. Eu adorei!
A Raquel está em clima de comemoração e tem todos os motivos para isso! O trabalho que desenvolve no Jane Austen em Português, noLendo Jane Austen e no Bibllioteca Jane Austené uma referência para todos que amam a escritora Jane Austen. O lançamento de Razão e Sentimento ilustrado é um resultado concreto desta dedicação em prol da paixão por Jane Austen e pelos livros.
Por estas e por muitas mais razões, minha querida Raquel, quero dizer-te publicamente: Parabéns!!
Os mais atentos terão notado que no Desafio do Bicentenário da Leitura Comparada de "Sense and Sensibility" de Jane Austen nas traduções: “Sensibilidade e Bom Senso” (Maria Luísa Ferreira da Costa) e “Razão e Sentimento” (Ivo Barroso) - feita pela Raquel Sallaberry e por mim - ainda falta uma terceira parte para a sua conclusão.
A Leitura Comparada passou por uma pausa. A vida está submetida a um imperativo de imprevisibilidade e levou-nos a caminhar por outras paragens. Durante algum tempo, nós duas - cada uma no seu respectivo lado do oceano - envolvemo-nos em outras actividades e ocupações; mas, agora retomamos o rumo.
A nossa querida Raquel Salaberry, do Jane Austen em Português, abraçou um projecto que fará a felicidade de todas a Janeites: uma edição de luxo, de capa dura, ilustrada de Razão e Sentimento, tradução de Ivo Barroso (Editora Nova Fronteira). A própria Raquel escreve no livro "a história da composição do livro" - refere o poeta e tradutor Ivo Barroso no seu blogue.
Diante da importância deste lançamento, decidimos esperar pela sua concretização para publicarmos a terceira parte da Leitura Comparada. Temos esperança que seja em breve; por isso, estejam atentos!
Deixo-vos a imagem da capa do livro. Linda e delicada.
Lendo Sense and Sensibility no Brasil 200 anos depois – parte II
Alcançada esta Segunda Etapa da Leitura Comparada de Sense and Sensibility de Jane Austen nas traduções Sensibilidade e Bom Senso (Maria Luísa Ferreira da Costa) e Razão e Sentimento (Ivo Barroso), partilho convosco o olhar da Raquel Sallaberry sobre estes capítulos que está publicado no Lendo Jane Austen:
Leitura Comparada de Sense and Sensibility de Jane Austen nas traduções:
“Sensibilidade e Bom Senso” (Maria Luísa Ferreira da Costa) e “Razão e Sentimento” (Ivo Barroso)
S&BS| Viu - depois de um curto silêncio, continuou - mais alguma vez Mr. Willoughby desde que deixou Barton?
- Sim, vi - replicou gravemente - uma vez. Um encontro era inevitável.
Elinor, espantada pelos seus modos, olho-o ansiosamente, dizendo:
- O quê? Encontrou-o para...
- Não podia encontrá-lo para outro fim. Eliza confessou-me com muita relutância o nome do seu amante; e quando ele regressou para a cidade, o que aconteceu quinze dias depois da minha vinda, marcámos um encontro, para ele se defender e para eu provar a sua conduta. Separámo-nos sem ressentimentos e portanto o encontro nunca se espalhou.
Elinor suspirou e duvidou da necessidade daquilo, mas ele era um homem e um soldado, e não se atreveu a censurá-lo.
Capítulo 31, pg. 157
R&S| O senhor voltou a ver - perguntou ela a Brandon, após um breve silêncio - o sr. Willoughby, depois que deixou Barton?
- Voltei - replicou o Coronel gravemente - Uma única vez. Um encontro era inevitável.
Elinor, espantada pelos seus modos, olhou para ele ansiosa, perguntando:
- Como? Bateram-se em duelo?
- Não havia outra solução. Eliza, embora com relutância, confessou-me o nome de seu amante; e, quando ele regressou a Londres, uns quinze dias depois de minha chegada, marcamos um encontro, ele para defender sua conduta, eu para castigá-la. Nenhum de nós saiu ferido, e o duelo nunca chegou a ter repercussão.
Elinor suspirou e duvidou da necessidade daquilo; mas presumiu que a um homem e soldado nada devia censurar.
Capítulo 31, Pg. 149
Para mim foi uma grande surpresa descobrir que existiu um duelo em Sense and Sensibility. Terei sido a única a ficar espantada com tal informação? Eu li Sensibilidade e Bom Senso nos anos 90 e só quando eu assisti - uma década depois - a série da BBC "Sensibilidade e Bom Senso | 2008" é que dei-me conta desta questão do duelo. Alías, quando eu ví a série pensei que teria sido uma liberdade de argumento e tive curiosidade de pesquisar na internet sobre isto. O meu espanto foi grande.
Na tradução portuguesa, não é identificado o encontro que Coronel Brandon relata como um duelo. Confesso, nunca chegaria a esta conclusão. A ideia que eu fiquei é que teria sido um encontro em que falaram, quando muito, discutiram. Em Razão e Sentimento, vem traduzido como tendo acontecido um duelo. Devo dizer que, eu gosto da opção da versão brasileira. Ao ser identificado o "meeting" como um duelo, a imagem do Coronel Brandon ganha outra nuance. Acho que confere-lhe um ar mais participativo e, porque não dizer, másculo. Imaginá-lo a defender a honra de Eliza, colocando Willoughby no seu devido lugar (que é o de canalha) torna-o ainda mais elevado do que ele é.
Devemos admitir que a tradução brasileira foi ousada porque, no original, Jane Austen não utiliza o termo "duel". Naquele tempo os duelos seriam um tipo de ajuste de contas ilegal. Aliás, bater-se em duelo, fazia com que muitos homens partissem do país com medo das represálias judiciais. Então, Jane Austen toca ao de leve na questão, deixa subentendido. Através da reacção de Elinor, de entender que seria algo que um homem faria, mas que ela particularmente não aprovaria, demonstra que esta prática além de ser ilegal seria também socialmente pouco aprovada. E os duelos não durariam para além do tempo da Regência.
Esta questão ultrapassa o aspecto das traduções, mas não vos impressiona que ambos tenham saído ilesos do duelo. Como, sendo o coronel um homem de armas e experiente, não tenha feito dano a Willoughby? Terá sido um acto de misericórdia do Coronel Brandon que, após ter vencido Willoughby, preferiu poupar-lhe a vida? Eu gosto de pensar nesta possibilidade: Coronel Brandon - um verdadeiro cavalheiro.
Leitura Comparada de Sense and Sensibility de Jane Austen nas traduções:
“Sensibilidade e Bom Senso” (Maria Luísa Ferreira da Costa) e “Razão e Sentimento” (Ivo Barroso)
PT | Elinor julgou ter distinguido uma grande W no endereço; logo que o completou, Marianne, tocando a campainha, pediu ao criado que a atendeu para enviar aquela carta pelo correio, com um selo de dois pennys… Isto clarificou imediatamente o assunto.
PG. 119
BR | Elinor julgou ter distinguido um grande W no envelope. Mal acabou de escrever, Marianne tocou a campainha, pedindo ao criado que veio atender que a levasse imediatamente ao correio. Isso definiu perfeitamente o assunto.
Pg. 113
Não imaginam o quanto este trecho fez-me pensar. Nesta parte, em que Marianne escreve e envia a carta a Willoughby logo que chega a Londres, alimentei algumas dúvidas. Quando, há um mês atrás, eu escrevi este post inserido no tema "A importância das cartas na obra de Jane Austen", referi que as cartas naquele tempo eram escritas de um lado do papel, dobradas de forma a ganhar o formato envelope e seriam pagas pelo destinatário. Então, esta passagem levanta a dúvida: para quê pagar o selo? Em Sensibilidade e Bom Senso refere "um selo de dois pennys" e Razão e Sentimento apenas diz "que a levasse imediatamente ao correio". Qual seria a correcta? Afinal, a carta seria paga ou não?
Enviar e receber cartas seria quase um privilégio para aqueles que tinham posses e para os comerciantes porque implicava custos. O valor a cobrar pelo envio de uma carta baseava-se no peso e na distância a percorrer pela mesma. Quando o envio era dentro da cidade de Londres, o remetente teria de ter alguém para levar a carta ou pagar a alguém para o fazer. Isto ocasionava que algumas cartas nunca chegassem ao destino já que se podia contar com algum imprevisto. Em 1680, William Dockwra e o seu sócio Robert Murray inventaram um sistema que simplificaria todo este processo e diminuíria o custo. Na realidade, era uma necessidade já que houve um fomento acentuado da actividade comercial na cidade de Londres, acompanhado de um crescimento populacional. O fluxo de envio de cartas e o serviço que acompanhasse este processo era desigual. A ideia destes dois senhores foi o de criar um serviço de transporte de correspondência pré-pago dentro da cidade de Londres pelo valor de um penny: "The Penny Post". Foi um grande sucesso que reverteu em lucro. De tal maneira, que chamou a atenção do Duque de York (irmão do Rei) que reclamou o facto do sistema de Dockwra ameaçar o monopólio estatal. O resultado foi o Dockwra perder o seu negócio rentável e o seu sistema foi incorporado no "General Post Office". Nesta transposição de posse, o sistema que era unicamente pré-pago, passou a ter as duas opções à escolha: poderia ser pago tanto pelo destinatário quanto pelo remetente. O "selo" identificaria o caso específico. A partir de 1801, o valor de envio aumentou para dois pennys. O serviço "Two-penny post" era efectuado apenas dentro da cidade de Londres.
Pesquisar e compreender a evolução do sistema postal de Londres auxiliou-me a compreender o significado do trecho de Sense and Sensibility e as traduções feitas. Na realidade, nenhuma das duas estão incorrectas: a primeira, fez uma tradução literal; a segunda fez uma simplificação (two-penny post seria o tipo de serviço de "correio"). Mas, ao mesmo tempo, nenhumas das duas consegue traduzir a ideia que Jane Austen quer revelar.
Se repararmos, o que está em destaque é o facto de Elinor não ter a certeza se a irmã estaria a enviar uma carta para Willoughby. Somente quando ouve a indicação que Marianne fornece ao criado para enviar a carta pelo "Two-Penny Post", surge a certeza de que é para Willouhgby ("This decide the matter at once"). O valor do envio revela que seria para alguém de Londres. Marianne - para além do seu irmão e cunhada - só conheceria Willoughby a residir lá.
Este é um entendimento que surge realmente se houver um prévio conhecimento do sistema postal; de outra forma, o significado fica meio vago nas duas traduções. Então, Sensibilidade e Bom Senso e Razão e Sentimento não coincidem na tradução de "two-penny post" mas acabam por serem similares num aspecto: retiram a atenção da real questão - a dúvida e a confirmação quanto ao destinatário - e concentram-na para o acto em si de envio da carta.