Esta é uma semana de grande alegria para todos os fãs de Jane Austen espalhados pelo mundo. "Orgulho e Preconceito", a sua obra mais aclamada e acarinha, completou 200 anos de publicação. Desde o dia 28 de Janeiro, data da primeira publicação da obra, esse amor foi visível nas redes sociais, blogues e imprensa internacional.
Pessoalmente, tem sido com satisfação que olho para o meu feed do facebook e do twitter porque através dele posso constatar manifestações de afecto e de amor por O&P através de textos, imagens e citações da nossa querida Jane Austen. Diante deste cenário, não consegui impedir uma íntima sensação de orgulho. Uma satisfação secreta por partilhar desta devoção. Sim, porque todas nós, com maior ou menor intensidade, vivemos momentos inesquecíveis com esta obra. Não posso deixar de emocionar-me com o facto de que esta obra tem sobrevivido e, sobretudo, tem alcançado a fama e a honra que merece.
A MINHA PRIMEIRA VEZ COM JANE AUSTEN
Esta foi a primeira obra que eu li de Jane Austen e também foi o primeiro livro que eu requisitei na Biblioteca (juntamente com "O Monte dos Vendavais" de Emily Bronte) quando fiz o meu primeiro cartão de utente de uma Biblioteca Municipal. Não a conheci através de algum filme. Antes, li um livro que citava "Orgulho e Preconceito" e Mr. Darcy e fiquei absolutamente curiosa. Decidi, naquele momento, que era absolutamente imperioso conhecer o dito "Mr. Darcy" citado. Então, esta obra tem um carácter especial e profundamente importante para mim. Como sabem, a primeira vez é sempre marcante e nunca a esquecemos.
Quantas vezes ri às gargalhadas com Mrs. Bennet e com o Mr. Collins? Quantas vezes quis dizer meia dúzia de verdades à Lady Catherine de Bourg? Quantas vezes aconselhei mentalmente Elizabeth para não confiar em Wickham? Quantas e quantas e quantas vezes quase sacudi Darcy? "Darcy, assim não irás conquistar Elizabeth!", pensei. Há tantos momentos, ao longo da leitura deste livro, que gerou em mim inúmeras emoções que torna-se difícil catalogar cada uma.
LEITURA COMPARADA
A convite da Raquel Sallaberry Brião, do blogue Jane Austen em Português, faremos em conjunto uma leitura comparada de duas traduções de "Orgulho e Preconceito" e pretendemos fazer a primeira publicação amanhã, dia 31. Pretendemos também publicar no fim de cada mês o resultado da cada leitura ( 5 capítulos de cada vez). Assim, poderemos fazer com calma, apreciar cada linha e olhar com maior atenção e carinho o percurso da obra. A minha atenção estará centrada neste desafio/parceria que, acredito, me concederá bons momentos de reflexão. Desde já, reitero o meu agradecimento à querida Raquel pelo convite que me dedicou.
O objectivo fundamental da vida da mulher seria o casamento: arranjar um marido adequado, procriar e, futuramente, auxiliar os filhos e as filhas a arranjarem a noiva adequada. Tudo girava em torno disto. Certo é que nem todas conseguiriam encontrar alguém que correspondesse às expectativas, ou sequer fossem beneficiadas por uma proposta de casamento. Não sei se será exagero meu dizer que a profissão da mulher seria o matrimónio. E, como em qualquer profissão, implica um aprendizado e o desenvolvimento de certas “habilidades”. Não sei, talvez seja um pensamento cruel e triste aos nossos olhos cheios de século XXI.
"It is amazing to me," said Bingley, "how young ladies can have patience to be so very accomplished as they all are."
"All young ladies accomplished! My dear Charles, what do you mean?"
"Yes, all of them, I think. They all paint tables, cover screens, and net purses. I scarcely know any one who cannot do all this, and I am sure I never heard a young lady spoken of for the first time, without being informed that she was very accomplished."
"Your list of the common extent of accomplishments," said Darcy, "has too much truth. The word is applied to many a woman who deserves it no otherwise than by netting a purse or covering a screen. But I am very far from agreeing with you in your estimation of ladies in general. I cannot boast of knowing more than half a dozen, in the whole range of my acquaintance, that are really accomplished."
"Nor I, I am sure," said Miss Bingley. "Then," observed Elizabeth, "you must comprehend a great deal in your idea of an accomplished woman."
"Yes, I do comprehend a great deal in it."
"Oh! certainly," cried his faithful assistant, "no one can be really esteemed accomplished who does not greatly surpass what is usually met with. A woman must have a thorough knowledge of music, singing, drawing, dancing, and the modern languages, to deserve the word; and besides all this, she must possess a certain something in her air and manner of walking, the tone of her voice, her address and expressions, or the word will be but half deserved."
"All this she must possess," added Darcy, "and to all this she must yet add something more substantial, in the improvement of her mind by extensive reading."
"I am no longer surprised at your knowing only six accomplished women. I rather wonder now at your knowing any."
"Are you so severe upon your own sex as to doubt the possibility of all this?"
"I never saw such a woman. I never saw such capacity, and taste, and application, and elegance, as you describe united."
Esta passagem de "Orgulho e Preconceito" é, provavelmente, um dos melhores exemplos desta questão da "mulher prendada".Mr. Bingley levanta a questão ao manifestar a sua admiração pelo facto de moças tão jovens serem habilidosas em tantas actividades como a pintura, bordado, dança, canto. A irmã mostra-se escandalizadacom o comentário dele como se fosse um absurdo pensar o oposto e se isto não fosse exercido com o máximo de excelência. A irmã chega a afirmar que uma mulher para ser realmente prendada tem de ter uma postura com "algo mais" ("she must possess a certain something in her air and manner of walking"). Darcy acha que poucas serão as mulheres realmente prendadas e Elizabeth, diante da concepção deles, acha que não existirá sequer uma.
Todo este diálogo é extremamente interessante. Em primeiro lugar, porque demonstra que a questão das jovens terem habilidades que fossem visível aos olhos de todos seria um factor que a qualificaria como alguém a ser valorizado e ponderado ou não numa presumível união. Para além do bom nome, posses, quiçá de um título, ser "prendada" era fundamental. Principalmente, para conseguir fazer um futuro matrimónio. Principalmente quando Mr. Bingley diz que "I am sure I never heard a young lady spoken of for the first time, without being informed that she was very accomplished" ele está a afirmar que sempre que ao ser apresentado a uma jovem esta informação é logo disponibilizada.
Na geração das nossas mães, uma mulher prendada é aquela que administrava o lar, ou seja, fazia a economia do lar, cozinhava, lavava e passava roupa (no tanque, s.f.f), costurava,limpava a casa, cuidava dos filhos, tinha a comida feita nas horas certas e - se fosse muito moderna - tinha um emprego. Tudo isso, com um sorriso nos lábios. Uma mulher prendada nunca reclamava do seu destino, fosse ele qual fosse. Estava casada, tinha filhos e recebia sustento (na maior parte dos casos) do marido. Esse era o seu papel. Em meios pequenos, buscava-se - antes do casamento - saber se a mulher era de boas famílias e se tinha sido preparada para ser uma boa dona de casa.
Na nossa geração, não tenho certeza se este conceito de "mulher prendada" continua a existir de facto.Pelo menos, não nesta concepção de ter de ser uma mulher sobrenaturalmente dotada de todas as habilidades dentro do lar. Acho que, em concreto, somos todas prendadas: aprendemos com nossas mães a lidar com a casa, mas estudamos, trabalhamos, abraçamos uma profissão e, imaginem, procuramos tempo para nós mesmas.
Esta questão sobre a mulher "prendada" na obra de Austen, faz-me sempre relembrar as teorias que encaram Jane como uma escritora a preconizar o feminismo. Há momentos em que concordo. Principalmente quando leio a reacção de Elizabeth Bennet ao discurso de Darcy e de Caroline Bingley no trecho acima transcrito. Contudo, quando leio outros trechos em que é abordada a questão e o interesse nos rendimentos que ambos pretendentes poderão vir a usufruir com o matrimónio faz-me pensar duas vezes se se tratará de uma crítica social ou se ela encararia esta questão como natural e, por isso, aceitável. A certeza que nutro é que Jane Austen não era como as mulheres de sua época e, parece-me, não tinha as mesmas ambições que as outras teriam. Talvez, por isso, a escrita: onde ridicularizava o que não aceitava, diminuía o que reconhecia valor e exaltava o que achava ser importante. Tudo o que escrevi são ilações mas, talvez, algumas possibilidades.
Joe Fox: Oh right, yeah, a snap to find the one single person in the world who fills your heart with joy.
Nelson Fox: Well, don't be ridiculous. Have I ever been with anyone who fit that description? Have you?
[ You’ve got mail ]
Há muitos filmes que são adaptações, alguns são inspirados e outros fazem alguma referência à obra literária de Jane Austen. You’ve got mail, do meu ponto de vista, não faz apenas referência, é inspirado em Orgulho e Preconceito de Jane Austen. Em Joe Fox/Tom Hanks e Kathleen Kelly/Meg Ryan podemos identificar Mr. Darcy e Elizabeth Bennet. Mas esta identificação não é imediata. Não se trata daqueles filmes que pensamos “Ok, a tua base é O&P” e andamos à caça de todos os personagens do livro. Não. Este filme foca a questão subjacente que Jane Austen sempre quis destacar em O&P: o erro que caímos quando nos fiamos nas primeiras impressões. Falamos de duas pessoas que se conhecem antes de se conhecerem de facto. Joe e Kathleen correspondem-se por emails, sem se conhecerem, e fazem-no sem se identificarem com os seus verdadeiros nomes. Apenas identificam-se através de um nickname. Falam sobre as coisas aparentemente pequenas do quotidiano, mas sem revelarem dados concretos de suas vidas privadas. Acabam por se conhecer em concreto, contudo, sem saberem que se correspondem. A primeira impressão é horrível. Detestam-se, espicaçam-se e evitam-se. A antipatia é latente. Ele, porque a vê como um obstáculo a ser ultrapassado profissionalmente; ela, porque o vê como a causa do infortúnio do seu negócio. Há todo este pano de fundo do sector livreiro: ele, um grande empresário e dono de uma cadeia de livrarias de grande alcance; ela, dona de uma pequena livraria de literatura infantil. O facto de serem concorrentes no ramo das livrarias é o tempero que dá sabor a esta história. Há este duelo de vontades, de olhares e de palavras. Um “duelo” bem ao estilo “Darcy/Elizabeth” que fascina a cada momento do filme.
Joe Fox é quem primeiro descobre a verdade sobre a identidade de ambos enquanto correspondentes. Ele descobre e ela ignora a verdade. A cena em que eles vão se encontrar num café para se conhecerem faz-me sempre lembrar a cena em que Darcy declara-se pela primeira vez a Elizabeth. Não pela semelhança de acções mas por tratar-se do momento de viragem da história. Ele, tal como Darcy, quer demonstrar a Kathleen que a primeira impressão que ela tem dele não é a verdadeira. Ele quer conquistá-la. Ele tenta, sem se revelar, fazer com que ela goste tanto dele – Joe Fox – como do “NY152” (seu nickname). Ao baixar as defesas também Kathleen mostra-se como ela realmente é, tal e qual a sua “Shopgirl”.
A dinâmica entre eles faz lembrar aquela máxima que defende que odiamos na mesma intensidade em que amamos. Há intensidade, sobretudo. A verdade é que se eu ouvisse Joe Fox a dizer “You must allow me to tell you how ardently I admire and love you” para a Kathleen Kelly, não acharia estranho.