Fascínio
O toque propositado e público seria algo impensado e impensável. O cumprimento social seria uma vénia e um aceno de cabeça. O convívio ocorria nos bailes e ocasiões sociais através de conversas e danças em que os pais estariam presentes e à vista de todos. Devidamente vigiado. O flirt fluía através de olhares. A revelação de sentimentos seria anunciada através de cartas e na solicitação de uma conversa na casa da jovem. Então, o toque estava destinado somente à esfera do íntimo.
A questão do toque é um assunto que tem fascinado a minha atenção. Tenho visto em alguns filmes a apresentarem algum interesse neste mesmo tema. Mesmo que de forma subtil.
Gostaria de vos chamar a atenção para dois filmes: "Orgulho e Preconceito" (filme de 2005) e "North & South" (série da BBC de 2004). O primeiro filme, como sabem, é baseado no livro de Jane Austen; já a série da BBC, é baseada na obra de Elizabeth Gaskell.
Quando eu assisti "Orgulho e Preconceito" chamou-me a atenção alguns close-ups da mão de Mr. Darcy e algumas vezes em que a mão dele tocava a mão de Elizabeth Bennet involuntariamente. Parecia-me que o filme queria nos transmitir algo com aquele toque. Seria Mr. Darcy tão frio como as suas mãos? Geraria o toque entre eles algum choque? Seria o sintoma da química que existia entre eles? Eu interpretei assim, como sendo uma espécie de química, de um clique que eles não sabiam interpretar. Quando ambos revelaram os seus sentimentos, o primeiro gesto de Lizzie foi pegar-lhe as mãos com carinho, como se assim ambos estivessem completos.
Em "North & South" acontece uma situação semelhante. Também há a questão do toque entre mãos. Enquanto em O&P a questão foi abordada de forma subtil, em N&S é um aspecto destacado dentro do enredo da história. Por um lado, penso que isto acontece para evidenciar as diferenças sociais entre Margaret Hale (filha de um reverendo do Sul) e Mr. Thornton (um industrial do Norte). Há uma cena em que Margaret escandaliza-se quando Mr. Thornton procura cumprimentá-la com um aperto de mão. Para ela isso era impensável, para ele seria um cumprimento natural e socialmente aceito. O cumprimento de mãos seria como um abismo que o separava. O processo de amadurecimento de Margaret e dos seus sentimentos conduziu-a ao entendimento do gesto. No fim, o toque entre mãos surge como um gesto de aceitação e de união.
Gosto de pensar nisto. Gosto de pensar neste gesto que parece tão simples e tão banal como um reflexo de aceitação. Não quero usar de nostalgia nem quero um regresso ao passado. Mas, por vezes, penso que esquecemo-nos de alguns passos do afecto. Apenas um toque entre mãos abre todo um universo de sentimentos. Tantos quanto guarda um olhar.
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Obs.: Penso que já se falou aqui no blogue sobre a questão das mãos em O&P 2005, mas acho que foi nos comentários. Estarei errada, Clara?
