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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

Pelos Caminhos de Jane Austen

Um dos desejos que gostaria de realizar nos próximos tempos é o de fazer uma viagem seguindo os passos de Jane Austen. Creio que todos os que apreciam suficientemente a sua obra têm este desejo ou, pelo menos, a curiosidade de conhecer os lugares que inspiraram a sua magnífica obra. Apetece-me pegar nos livros e voar até Hampshire ou Bath e seguir os trilhos referenciados nos romances.

 

Se, tal como eu, tiverem curiosidade em saber como é possível fazer este percurso, sugiro que consultem o "Slow Trave England - Finding Jane Austen" e comecem a dar forma ao vosso desejo. Quem sabe se não dará para ir até lá?

 

 

Os Lugares de Jane Austen em Abadia de Northanger # 1

Bath, Pump Room

 

A acção de Northanger Abbey (NA) tem início em Fullerton, onde viviam os Morland, situado no Hampshire, perto de Andover. Para além desta são duas as outras localidades principais onde irão decorrer os acontecimentos deste romance. A saber: Bath e as suas ruas e colinas circundantes e a Abadia de Northanger, situada em Gloucestershire.   

 

 

Fullerton é uma paróquia administrativa, ou seja, uma aldeia onde antigamente a igreja detinha o poder administrativo. Nessa altura, antes da alteração da legislação, eram os padres ou vigários que tomavam a responsabilidade de regularem e organizarem estas pequenas comunidades.

 

No século XIX começam a perder importância devido ao cepticismo que se instala por razões de ineficiência e corrupção. O Poor Law Act Amendment, de 1834 vem então concretizar a retirar de soberania deste tipo de organização.

 

Bath é uma pequena estância balnear já referida neste blogue. Sabemos que Jane Austen não gostava de Bath. Aliás, na altura em que lá viveu nada produziu em termos literários. Contudo, será aqui que uma boa parte da acção de NA terá lugar. Resta-nos, pois, saber se as ruas e lugares mencionados existem mesmo ou se foram fruto da imaginação da nossa autora. Por mim, antes mesmo de investigar, estou em crer que estes serão reais. Porquê? Porque Jane Austen escreveu este livro como um esboço o que levaria a que não se desse muito ao trabalho de inventar lugares. Estarei certa? Vamos ver. Acompanhem-me então nesta pequena incursão geográfica pelos sítios de NA em Bath.

 

File:Grand Pump Room Bath.jpg

Pump Room, Bath - Fotografia retirada daqui

 

O Pump Room é um salão grande que existe há mais de dois séculos. Era considerado, ao tempo de Jane Austen, como o coração social de Bath. Trata-se de um salão termal onde também decorriam os encontros sociais tais como jogos e bailes. As pessoas bebiam água tépida que saía de um pequeno fontanário construído para o efeito. Poderá dizer-se que era um salão com alguma imponência. Ainda hoje é uma referência em Bath. Sobre este edifício vejam ainda este artigo.   

 

File:Royal Crescent in Bath, England - July 2006.jpg

O Royal Crescent, Bath - foto retirada daqui

 

O Crescent era uma residencialde trinta casas. Foi desenhado pelo arquitecto John Wood Younger e construído entre 1767 e 1774. Dele fazem hoje parte um hotel e um museu.

 

 

  Pulteney Street, Bath - fotografia retirada daqui

 

A Pulteney Street é uma rua larga que atravessa Bath. Em rigor, trata-se da avenida principal daquela cidade. Hoje é considerada uma avenida de grande importância, comparável às mais bonitas avenidas de França. Foi mandada alargar por William Pulteney, 5.º Baronete de Bath, um proeminente advogado escocês, membro do Parlamento, e um dos homens mais ricos de Inglaterra. Foi desenhada por Thomas Baldwin. Ficou completa em 1789 - ano em que rebenta a Revolução Francesa - e Jane Austen escreveria a primeira versão de AN, Susan, em 1798-9 (dez anos depois).

 

Laura Place foi construído entre 1788 e 1794 e fica situado no fim da Pulteney Street. Trata-se de um conjunto de quatro casas que constituem um quadrado irregular em torno de uma fonte. Esta, curiosamente só foi erguida no século XIX, não fazia parte do plano original e, como tal, não existia ao tempo de Jane Austen.

 

Espero que esta pequena viagem tenha sido do vosso agrado. Tivemos a oportunidade de verificar que todos os lugares em Bath, bem como a localidade de residência de Catherine, existiam mesmo à data da escrita de NA. E os restantes lugares? Vamos descobrir?

 

Os lugares imaginados de Jane Austen em Sensibilidade e Bom Senso

Toda a obra de Jane Austen está cravada de realismo, não só social e económico como também geográfico. Jane não extravasa os locais geográficos que conhecia. Se nos recordamos da sua biografia e da sua obra verificamos que, geograficamente, estas se situam, praticamente, na zona sul de Inglaterra. Tal aspecto torna, para mim, ainda mais fascinante a sua personalidade e a sua obra. Quantos escritores viajaram pelo seu país e pelo estrangeiro para poderem escrever um poema ou um romance? Jane não necessitou disso. Partindo da realidade que conhecia, criou um novo mapa para as suas obras em que locais reais se confundem com locais imaganidos; em que distâncias reais assumem novos caminhos e novas latitudes ao sabor da sua pena.

 

Num post anterior referi os lugares reais que constam da obra de Jane, tendo-os dividido em locais que Jane apreciava e os que ela não gostava de todo ou menos apreciava. Este post é, ao contrário, apenas dedicado aos lugares imaginados, circunscritos a "Sensibilidade e Bom Senso", que inspirados na realidade acabaram por ser fruto da imaginação de Jane.

 

Em baixo encontramos um mapa, retirado daqui, com os locais reais e fictícios devidamente assinalados.

 

Em "Sensibilidade e Bom Senso" encontramos locais reais como o condado de Sussex, onde se situa "Norland Park", a residência dos Dashwood, que mais não era do que um lugar retirado da imaginação de Jane. Havia muito que a família Dashwood se instalara no Sussex. A sua propriedade era grande e mesmo no centro situava-se Norland Park, a sua residência, onde há muitas gerações viviam tão respeitavelmente que conseguiram conquistar a consideração de quem nas redondezas os conhecia.

 

norland-park-grounds

Norland Park - retirado daqui

 

No entanto, como sabemos, a acção irá decorrer principalmente no condado de Devonshire, também no sul de Inglaterra, mais concretamente no Barton Park e em Barton Cottage, para onde se mudam as meninas Dashwood depois da morte de seu pai. Se é com tristeza que deixam o Sussex, é com alegria que irão receber nos seus corações Devonshire. Este era inicialmente imaginado como um sítio impossível de gostar, mas ao entrarem no condado verificam que este tem mais beleza do que a princípio imaginavam. Jane descreve a chegada das meninas Dashwood a Barton Valley com bastante leveza. Este lugar, parece-me, é retirado apenas da sua imaginação em harmonia e perfeito enquadramento no realismo paisagístico daquele condado.

 

cottage-exterior-1

Barton Cottage - retirado daqui.

 

A primeira parte da viagem foi realizada com um estado de espírito tão melancólico que não podia deixar de ser aborrecido e desagradável. Mas à medida que se aproximavam do fim, o seu interesse pelo aspecto de um condado onde deverima passar a habitar venceu a sua tristeza e vista de Barton Valley, quando aí entraram, trouxe-lhes alegria. Era um lugar agradável e fértil, muito arborizado e rico em pastagens.

 

Barton Cottage, a casa para onde se mudam, é descrita da seguinte forma: (...) apesar de pequena, era confortável e sólida; mas como pequena casa de campo tinha defeitos, pois a construção era simétrica, o telhado era de telhas, as portadas das janelas não estavem pintadas de verde, nem as paredes estavam cobertas de madressilva. Uma passagem estreita levava directamente, através da casa, até ao jadim de trás. De ambos os lados da entrada havia uma sala de estar, com cerca de dois metros quadrados; atrás era a zona de serviço e as escadas. Quatro quartos e dois quartos de arrumos compunham o resto da casa. Não fora construída há muito e estava bem conservada. Em comparação com Norland, era, sem dúvida, pobre e pequena!...

 

Já a zona circundante da casa é assim apresentada: Logo atrás dela elevavam-se altos montes e de ambos os lados havia outros, não muito distantes. Uns eram despidos, outros cultivados e arborizados. A aldeia de Barton localizava-se num desses montes e proporcionava uma bonita vista das janelas da casa. Da parte da frente o panorama era mais amplo, dominava o vale e atingia o distrito seguinte. Os montes que circundavam a casa delimitavam naquela direcção o vale. Sob outro nome e nouro sentido, ramificava-se de novo entre duas mais abruptas elevações.

 

Depois destas decrições, fica o desejo de ir calcorrear as pegadas de Jane Austen por entre montes e vales, cidades e casas de campo, e olhar as paisagens que outrora inspiraram Jane Austen. Quem sabe, um dia?

Blaize Castle em Northanger Abbey

 

" - Vamos ser capazes de fazer pelo menos mais umas dez coisas. Kingsweston! Claro! E o Castelo de Blaize também, e tudo aquilo que nos lembramos. Mas aqui a sua irmã diz que não vem!

- Castelo de Blaize! - exclamou Catherine - Mas o que é isso?

- É o lugar mais bonito de Inglaterra, que em qualquer ocasião merece que se façam cinquenta milhas para ser visitado.

- Mas é mesmo um castelo? Um castelo antigo?

- O mais antigo de todo o reino.

- Mas é como aqueles que lemos nos livros?

- Exactamente.

- Fale a sério... e tem mesmo torres e longas galerias?

- Às dúzias."

 

Capítulo 11, tradução de Luiza Mascarenhas

 

É assim que Jane Austen nos apresenta Blaize Castle, o cenário que serve para afastar Catherine do combinado com Miss Tilney, fortemente influenciada pela artimanha de Thorpe que a convence de que estes não irão cumprir o prometido de ir passear com ela.

 

Na realidade este castelo existiu e existe nos dias de hoje. É uma construção moderna em formato triangular, que foi mandada construir por Thomas Farr em 1766; situada em Henbury, muito para lá de Bristol, nos terrenos de uma mansão neoclássica, foi acabada de construir em 1790 por William Petty.

 

 

Como vêem, Blaise Caslte não passa de um castelo "a fingir", Thorpe estava, mais uma vez, a ludibriar a nossa ingénua heroína e a fazer-lhe passar uma imagem totalmente falsa daquilo que Blaise Castle era na realidade.

 

Os lugares de Jane Austen

 

 

 

 

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Fotografia retirada daqui.

 

Este artigo resultaria extenso se tentasse abarcar todos os lugares reais e fictícios que fazem parte da vida e da obra de Jane Austen. Trata-se de uma matéria interessante para ser analisada com mais cuidado. Assim, a análise incidirá a apenas sobre os locais reais mais importantes da vida de Jane e os principais contidos na sua obra.

 

Jane Austen nasceu em Steventon, no condado de Hampshire, em 1775. Anos mais tarde, por força de obrigações de seu pai, mudou-se para Bath, lugar que detestava e que teve grande impacto na sua produção literária na medida em que esta esteve praticamente parada no período que lá esteve. Mas é Hampshire que passará os últimos anos da sua vida e onde viria a falecer em 1817.

 

 

Igreja de Steventon, retirada daqui.                   Fotografia retirada daqui.

 

Da sua obra fazem parte lugares como Bath, Porthsmouth, Lyme, Gretna Green, Londres, Sussex, Kent que podemos facilmente encontrar no mapa de Inglaterra. Já os lugares específicos de cada obra são, na sua grande maioria, inventados ou apenas inspirados nalgum lugar que tivesse conhecido.

 

 

Fotografia retirada daqui.

 

Podemos dividir os lugares reais em dois grupos: os que Jane gostava e os que ela não gostava. Entre os primeiros encontramos o Sussex, Hampshire, Derbyshire. Entre os outros encontram-se Bath, Porthsmouth, Lyme e Londres.

 

É muito interessante discorrer sobre a sua obra e verificar que Jane transpõe para ela o seu desagrado pelos lugares indicados. Umas vezes fá-lo de forma directa, outras de forma súbtil.

  

Bath é mencionado várias vezes na sua obra. Encontramo-lo em "Emma" e em "Persuasão". No primeiro, o seu desagrado é manifestamente mostrado através da sua heroína, Emma, que quando Mrs Elton lhe sugere que leve seu pai para Bath, aquela argumenta que já lá estiveram e que o pai não se tinha dado bem e que, para além disso, eram pessoas muito caseiras. Já em "Persuasão" encontramos a resistência de Anne em querer ir para Bath, preferindo ficar no campo. É nesta estância que Anne reencontrará a sua amiga de escola, Mrs Smith e que descobrirá toda verdade acerca de seu primo. É também aqui que Anne presencia toda a disparatada posição da sua família.

 Porthsmouth

Bath - Fotografia retirada daqui.                        Porthsmouth - fotografia retirada daqui.

 

Lyme, é também visto como um lugar pouco aptecível e simpático. É em Lyme que o acidente de Louisa acontece. Jane parace conferir a estes lugares uma natural antipatia direccionando para estes os acontecimentos trágicos ou negativamente marcantes da sua história. Veja-se Londres. Esta cidade é mencionada em vários livros de Jane. Em "Orgulho e Preconceito", é em Londres que Lydia e Wickham se escondem, o que confere ao lugar uma ideia de antro de maus comportamentos. Em "Sensibilidade e Bom Senso", é em Londres que Marianne toma conhecimento do verdadeiro caracter e posição de Wiloughby dando início a uma espiral de sofrimento que quase lhe causa a morte. Já em "O Parque de Mansfield", Londres aparace como palco para a cena da fuga de Mary com Henry. Nesta obra, Porthsmouth é descrito como um lugar sujo, que cheira mal e em que o sol não brilha, o que mostra a grande aversão de Jane pelos lugares citadinos.

 

Lyme - fotografia retirada daqui.

 

 

 Londres - fotografia retirada daqui.

 

Derbyshire, faz parte de "Orgulho e Preconceito", onde ficará a residência de Darcy, Pemberley. É apresentado como um lugar cheio de maravilhas naturais e é aqui que a opinião de Lizzie sobre Darcy sofre uma grande viragem. O Sussex é o condado em que a acção de "Sensibilidade e Bom Senso" tem início, sendo que Derbyshire será a nova casa (Norland) da família Dashwood, onde encontrarão novamente a harmonia e a felicidade. Highbury, é a região onde fica Hartfield, a propriedade de Emma. São zonas rurais, ligadas ao campo e à natureza, mais do agrado de Jane Austen.

 

Pode concluir-se que o realismo que caracteriza a obra de Jane Austen é tão marcante ao ponto de esta transpor para o papel, através das suas heroínas, o seu gosto pessoal pelo campo em detrimento das cidades ou dos locais mais urbanizados. O campo é o espelho da alma de Jane Austen.