Com o pretexto da uma suposta simpatia e de um desejo de amizade, Lucy Steele aproxima-se de Elinor. O seu interesse, como sabemos seria defender o que ela entendia ser seu: Edward Ferrars. Em concreto, ela teria razão. Ele teria feito uma promessa e estabelecido um compromisso. Ela supostamente também devolveria algum tipo de afecto. Posteriormente, constatamos que o afecto residiria no facto de Edward ser o filho mais velho de Mrs. Ferrars e, portanto, o herdeiro por direito. O que Lucy Steele não contava é que Mrs. Ferrars retirasse o direito de primogenitura de Edward e transferi-lo para o irmão mais novo, após Edward assumir publicamente o seu compromisso com Lucy. Igualmente, Lucy “transfere” o seu “afecto” para Robert.
Lucy Steele de Sensibilidade e Bom Senso 2008 é interpretada por Anna Madeley. Ela cria uma Lucy sonsa e obviamente falsa. Elinor não precisaria ser muito inteligente para detectar nela uma falsa pretensão de amizade. Não posso dizer que seja uma má prestação porque não é; mas eu confesso que imagino uma Lucy mais maquiavélica do que esta.
As irmãs Steele são duas ambiciosas jovens que querem, através da falsa adulação, fazer um bom casamento. Lucy, tal como já tinha referido no post anterior, é de facto uma mulher ambiciosa, mas socialmente discreta. Embora Elinor capte desde logo a sua ignorância, falta de cultura, bem como o seu espírito calculista, admite-se que a sua presença em público é relativamente cuidada.
Já o mesmo não se pode dizer da irmã Nancy, a qual não consegue esconder a sua tolice extrema. Julgando-se uma beleza sem igual, acha que todos os homens a desejam, em especial o "doutor". E faz questão de o dizer a todos que com ela privam, causando à irmã bastantes momentos constrangedores. Às vezes tem-se a sensação que se trata de um caso patológico, de uma obsessão narcísica e egocêntrica.
O final da história destas irmãs não me surpreendeu de todo. Não pela trama em si, que está muito bem construída, mas pelo facto de Lucy ser capaz de fazer tudo aquilo a que se propôs. Vejamos: Edward "redime-se" ao casar com Elinor, um partido infinitamente superior a Miss Steel ou a qualquer outro membro da família Ferras; Robert cai na rede de Lucy, que lhe transfere o afecto paralelamente à transferência da fortuna. E no final, Robert é perdoado, Lucy é admitida por Mrs.Ferras como sua nora-amiga-confidente, e o casal Edward/Elinor é aceite com alguma relutância. Como é possível tamanha injustiça?
Penso que isso se deve a dois factores. O primeiro é que Edward nunca foi compreendido pela sua mãe, daí que ela, pelo seu temperamento mesquinho, lhe tivesse menos afecto, em comparação com os outros dois filhos. A birra pelo noivado de Edward/Lucy foi uma justificação oca e descabida para legar a herança ao filho favorito. O segundo é que Mrs.Ferras e Fanny, sempre se devem ter sentido inferiores a Elinor e Marianne, tanto em termos de beleza, como de inteligência, cultura e até de sentimentos.
E acho que nem mesmo com a adulação de Lucy se passaram a sentir melhor. É que no fundo sabem que, mesmo possuindo muito dinheiro, não podem comprar tudo. Aliás, não podem comprar o que de melhor a vida tem para dar.
Como já devem ter percebido, o filme “Sensibilidade e Bom Senso” de 1995 é para mim especial. Foi com ele que descobri a maravilhosa obra de Jane Austen, mas também é nele que me baseio para interpretar as suas personagens.
Lucy Steel, a protegida por caridade, uma espécie de Jane Eyre mas em versão “sabida”, é uma das minhas favoritas. Embora a sua instrução e cultura deixem muito a desejar, é astuta, rápida e manipuladora, uma autêntica “raposa” que actua segundo os seus interesses. Mas não serão assim grande parte das personagens de Austen? Às vezes penso que estão divididas entre dois grupos: as aproveitadoras, que tudo fazem pensando em si; as abnegadas, que olham à ética e ao coração antes de tudo e principalmente de si próprias.
Lucy pertence ao primeiro grupo. Criada por um tio, conhece nesse ambiente Edward Ferras, que seduz (e se deixa seduzir, claro!) e do qual fica noiva. Um compromisso secreto que não agrada à família do jovem, já que trataria de ligar uma rapariga sem fortuna a um homem com bons rendimentos anuais e possível herdeiro.
Edward arrepender-se-á amargamente deste ímpeto de juventude, mas Lucy rapidamente resolve a situação, transferindo os afectos para o outro irmão, Robert Ferras. Mas isto só depois de Edward ser deserdado para benefício de Robert! Mesmo sendo considerado um acto de manipulação, acho que Lucy e o marido devem ter bastantes coisas em comum, pois reparem na cena do baile, em que ambos “coscuvilham” sobre a relação de Marianne e Willougbhy. Serão felizes para sempre (?).
Uma história não é somente feita de protagonistas. Há sempre os personagens secundários, alguns até com pouca visibilidade, que fazem toda a diferença no enredo. No caso de Sensibilidade e Bom Senso (1995) encontramos excelentes personagens secundários que se tornam uma espécie de alinhava para que toda a trama ganhe um sentido. Na mesma linha de raciocínio, o filme possui interpretações de personagens secundárias de qualidade. Gostaria de destacar brevemente alguns personagens secundários. Mrs. Jennings é das minhas preferidas. Não consigo ter a mesmo reacção de irritação que Marianne sempre tinha quando a ouvia falar. É bem verdade que ela é um pouco indiscreta, faladora e – algumas vezes – até inconveniente; mas, vejo-a com um bondoso coração. Acho que Elizabeth Spriggs (que faleceu em 2008) fez uma excelente Mrs. Jennings. O casal Palmer conquistou-me algumas gargalhadas. Neste filme, o casal é interpretado por Hugh Laurie (Mr. Palmer) e Imelda Staunton (Mrs. Palmer) e acho que eles criam a dinâmica que Jane atribui ao casal no livro. Por último, tenho de falar de Lucy Steele. A detestável Lucy Steele. Uma das personagens que gera em mim uma enorme repugnância. Foi interpretada pela actriz Imogen Stubbs e acho que esteve à altura de uma Lucy Steele sonsa, rasteira, interesseira e manipuladora.
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Obs: Gostaria de destacar aqui um post que a Vera fez há algum tempo sobre Mr. Palmer|Hugh Laurie. Lembro que, na altura, voltei a ver o filme por causa do post dela: O Mr. Palmer de Sensibilidade e Bom Senso
Feitas uma para a outra ou então, feitas uma da outra.
Ambas se relacionam com homens de carácter e que provam o seu amor, mas que elas destronam por outro... mais rico!
Lucy Steele tem a sorte de conseguir casar com Robert Ferrars e bajular suficientemente a sogra para se tornar na sua preferida; já Isabella tem um final triste e do qual sinto pena por ela... achava-se madura o suficiente para galantear todos e mais algum, mas mostrou-se imatura ao achar que Frederick Tilney casaria com ela e isso lamento, porque tal como Catherine, acreditei (ingenuamente) na sua amizade.