Lost in Austen - versão cinematográfica
Nora Ephron ("You've Got Mail") irá dirigir uma versão para o cinema da série britânica da ITV "Lost in Austen".
Ainda não há datas nem elenco definido. Vamos esperar e ver ;)
Fonte: Rolling Stone
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Nora Ephron ("You've Got Mail") irá dirigir uma versão para o cinema da série britânica da ITV "Lost in Austen".
Ainda não há datas nem elenco definido. Vamos esperar e ver ;)
Fonte: Rolling Stone
Eram quase dez horas da noite e Júlia ajudava a Tia Augusta a deitar-se quando um barulho fora da casa lhes chamou a atenção. Era o motor de um carro que cessou o seu rufar logo que elas apuraram o ouvido.
- Quem será a esta hora da noite? - questionou a Tia Augusta na sua voz débil e arrastada, já coberta com o seu cobertor favorito que cheirava a lavanda e a lavado.
- Vou ver, Tia Augusta - disse Júlia, apagando a luz do candeeiro - Durma que deve estar cansada. ("Da Dona Rata", pensou divertida).
- Tem cuidado - balbuciou a velha senhora antes de se aconchegar para dormir - A esta hora pode ser qualquer um.
Júlia sorriu enquanto encostava a porta do quarto da tia, sabendo que esta provavelmente já dormia. A medicação punha-a logo no conforto do sono.
Desceu a escadaria, algo apreensiva, não porque tivesse medo mas porque pensou reconhecer o barulho do motor do carro; caro, topo de gama. Só podia ser ele.
Não se enganou. Quando abriu ligeiramente a porta da frente para descobrir de quem era a sombra que aguardava lá fora, ele espreitou e sorriu forçadamente, as sobrancelhas levantadas como que para surpreendê-la.
- Boa noite, minha querida Júlia - disse com voz falsamente melosa - Vim terminar a nossa conversa. Ontem não tivemos oportunidade de falar dado que estava com visitas.
Ela abriu mais a porta sem, no entanto, lhe dar espaço para entrar.
- Não vejo que mais tenhamos para falar - argumentou defensiva - Além disso, isto não são horas para visitas desse género.
- Desse género!?... - Surpreendeu-se Eduardo - Ora, cara Júlia, quem a ouvir, vai pensar outras coisas bem mais maliciosas acerca de nós os dois. Vá lá, seja simpática e deixe-me entrar.
Ela afastou-se hesitante e deixou-o finalmente entrar. Não tinha outra solução. Sabia que não tinha. Aquele homem era maquiavélico e perigoso e ela não queria mais problemas com ele; tão pouco ver o seu lado zangado ou violento. E, tendo em conta que se encontrava praticamente sozinha naquele imenso casarão, não teve outra alternativa.
- Obrigado - agradeceu ele, dirigindo-se imediatamente para a sala de estar. Ali chegado, recostou-se de imediato na melhor poltrona que encontrou, cruzou as pernas e preparou-se para acender um cigarro.
- Agradecia-lhe que não fumasse dentro desta casa - disse Júlia tentando soar altiva.
Eduardo parou os seus movimentos, sorriu sarcasticamente e guardou a cigarreira novamente no bolso do casaco de corte elegante e caro.
- Muito bem - disse calmamente - Pensou na minha proposta?
Júlia olhou-o. Já o conhecia como sendo um homem que ia directo ao assunto, que não se refugiava em subterfúgios nem em divagações para chegar ao que pretendia.
- Deixou-me pouco para pensar...
Ele riu.
- Lamento, mas já não disponho de muito tempo. E não gosto de florear as questões. As coisas são como são.
- Ou como o senhor as quer...
Ele riu novamente.
- Exacto. Como eu as quero. E como eu as vou ter... - acrescentou, desta vez sério e com os olhos levemente ameaçadores.
Quando Eduardo foi embora, Júlia subiu ao seu quarto e, mesmo sem se despir, atirou-se para a sua cama e, pela primeira vez em dias, expressou livremente a sua frustração e a sua impotência perante a situação. Chorou até que o sono finalmente lhe roubou o desespero e sabendo que não tinha como fugir daquela situação.
Entretanto, em Poiares, Júlia acabava de se escapar para a biblioteca. Dona Rata tinha chegado para uma visita à Tia Augusta e ela, alegando uma súbita dor de cabeça, retirara-se para o seu refúgio no segundo andar, deixando as duas senhoras a conversar na sala de estar do primeiro andar.
- Vai para os livros, com toda a certeza, Dona Augusta - ouvia Júlia à medida que subia a escadaria para o segundo andar - Se ao menos procurasse um trabalho normal e digno como o de Cecília. Pobrezinha, não sei onde vai parar; assim, com aquela idade, sem marido ou namorado ou emprego..
Mas Júlia fez por esquecer aquelas palavras. Tinha outros assuntos bem mais importantes e bem mais graves em que pensar. Já na biblioteca, percorreu distraída as prateleiras dos livros, procurando uma resposta para aquilo que, incessantemente, lhe remexia o espírito e a mente. Por mais que pensasse, por mais que tentasse arranjar uma solução, não conseguia desfazer-se daquele tormento.
Sentiu subitamente que fixava o olhar num determinado volume arrumado numa das prateleiras mais baixas. Apurou mais a visão e leu o título do livro na lombada: "Persuasão" de Jane Austen. Retirou-o de entre os demais livros e descobriu com prazer o mesmo volume que ela e Cecília tanto tinham adorado, anos atrás. Anos longínquos, em que eram as melhores amigas e inseparáveis. Que saudade tinha desse tempo! Talvez se ainda tivessem essa confiança, nada daquilo se estaria a passar.
Folheou rapidamente o livro deixando que o seu odor lhe preenchesse as narinas; um odor que sempre gostara, a antigo, a livro. Era quase tão agradável quanto o seu estojo de escola; cheiro a lápis, a conhecimento, a descoberta, a amigos. Abriu-o totalmente quando se deparou com a sua parte favorita: a carta do Capitão Frederick Wentworth a Anne Elliot, confessando-lhe novamente o seu amor. "...Ofereço-me de novo a si com um coração que ainda é mais seu do que antes, quando o despedaçou há oito anos e meio..."
Leu-a e releu-a como fazia antigamente e lágrimas ameaçaram brotar dos seus olhos, não pela intensidade emocional da carta mas pela saudade que sentia da irmã e do tempo em que se sentavam na relva do jardim e declamavam aquelas palavras de cor, sem precisarem sequer do livro. Nessa altura, ambas ansiavam pelo amor, por um amor igual ao de Anne, por alguém que as amasse como Wentworth amava Anne.
Até que ela conhecera Luluzinho. Ou melhor, até que ele a conhecera a ela. Parte da sua inocência, parte da sua crença nos homens e no amor acabara quando ele entrara na sua vida. Ninguém sabia pois nem à irmã se atrevera a contar e, infelizmente, fora por volta dessa altura que ambas se começaram a afastar.
Como que lendo-lhe os pensamentos, o seu telemóvel tocou. Júlia olhou de imediato para o grande relógio de parede da biblioteca. Cinco horas da tarde! Era de uma precisão extrema. Meu Deus, quando acabaria aquele suplício? Estava a ficar tão cansada daquela situação. Colocou o livro novamente na prateleira e, sem grande vontade, dirigiu-se para o telemóvel que deixara na mesa de centro.
- Olá - cumprimentou sem expressão na voz.
Ouviu aquela voz nauseante no outro lado da linha e teve vontade de desligar. Contudo, não podia. Simplesmente, não podia. Estava muita coisa em jogo.
Cecília fechou os olhos e sentiu-se adormecer.
- Nunca deixarei de te amar. És a mulher que sempre procurei e quis - era Henrique quem a observava com carinho e lhe dizia estas palavras - Nunca te vou deixar. Nunca me deixes - pediu.
Cecília quase gemeu, evitando um soluço. Estavam os dois em Paris, sentados numa esplanada junto aos Campos Elísios. Sorriu e pensou que estava tudo bem, que tudo estava resolvido. Já não existia Eduardo e as suas maquinações sórdidas, nem Bárbara e a sua arrogância e futilidade. Apenas eles e o seu amor que vencera aqueles obstáculos.
Sorria agora, com a cabeça apoiada no ombro de Henrique, segura nos seus braços e sentindo-o sólido e relaxado nos seus. Abriu os olhos devagar, aspirando o cheiro dele que adorava. Todavia, assustou-se com a visão à sua frente. O sorriso desvaneceu-se dos seus lábios e a tensão e melancolia voltaram ao seu rosto. Não estava nos braços de Henrique. Sonhara. Sonhara com um tempo feliz, um ano atrás, no mesmo lugar para onde se dirigia agora. Paris, a cidade do amor, que era agora para ela apenas mais uma cidade... cheia de recordações que era agora obrigada a esquecer.
Com o desgosto espelhado no olhar e tentando controlar o coração que batia descompassado, olhou à sua volta apenas para se descobrir na realidade, no ambiente fechado da cabine do avião que a levava a Paris, sem o cheiro de Henrique. Olhou através da minúscula janela para o céu imenso pontilhado por pequenos pedaços de algodão branco. O sol brilhava e ela ia para Paris. Mas não existia alegria nela; apenas amargura e tristeza. A jovem mulher que viajava ao seu lado, sentada na coxia, mexeu-se e tossicou, distraída na leitura de um livro. Cecília observou-a discretamente e a sua atenção prendeu-se no livro que ela lia.
"Frederick Wentworth usara tais palavras, ou outras semelhantes, mas sem nenhuma ideia de que elas lhe seriam transmitidas. Achara-a tristemente mudada e, no primeiro momento em que tinha sido interrogado, dissera o que sentia. Não perdoara a Anne Elliot. Ela maltratara-o, abandonara-o e decepcionara-o; e, pior ainda, ao fazê-lo demonstrara uma fraqueza de carácter que o seu temperamento decidido e confiante não podia suportar. Renunciara a ele para condescender com outros. A sua atitude fora o resultado de excessiva persuasão. Tinha sido fraqueza e timidez".
"Persuasão" de Jane Austen, reconheceu Cecília, desviando o olhar ao ver que a sua companheira de viagem notava, com um sorriso, a sua curiosidade pelo livro. O livro preferido dela e de Júlia, durante a adolescência e grande parte da sua juventude. Tinham-no lido e relido e conheciam o texto todo quase de cor, partilhando sempre a mesma cópia que acabara gasta e evidenciando anos de manuseio.
Júlia. Tinha-lhe perguntado sobre a sua relação com o irmão de Henrique, Eduardo, mas ela mostrara-se esquiva, murmurando apenas que era um conhecido da faculdade que necessitava de ajuda com uns trabalhos. Cecília não acreditara mas também não insistira. Estava demasiado cansada, demasiado triste e, agora, demasiado ocupada com o trabalho que tinha de preparar para a reunião em Paris. Quando voltasse, as coisas teriam de ser esclarecidas. Tudo mesmo. Até a sua relação com ela pois queria reaver a sua cumplicidade e amizade.
E Jane Austen?! E Anne Elliot?! Não conseguia deixar de pensar no pouco que lera, momentos atrás. Oh, Meu Deus, e se estivesse a cometer um erro tal como Anne? E se estivesse a dar ouvidos a outros em vez de ouvir o seu próprio coração e as palavras de Henrique? Eles tinham tudo para ser felizes. Tudo neles podia dar certo desde que não se perdessem pelo caminho. E, toda aquela situação era uma perdição para eles. Perder-se-iam um do outro e perderiam sobretudo um amor cuja essência e força dificilmente reencontrariam novamente. Tinha de agir. Tinha de lutar. Há evidentemente angústias profundas demais para serem vividas. E esta era uma delas. A angústia da separação, do amor perdido, da sensação de impotência. Escutou por momentos o coração dele e soube, como deveria ter sabido há já mais tempo, que ele preferiria o amor dela, a presença dela ao seu lado, do que uma vida de riqueza e desafogo financeiro.
Sentiu uma força desconhecida até então dentro se si. Eduardo e Bárbara que se cuidassem. Ela ia lutar por aquilo que era seu. E Henrique era seu. De corpo e alma. Assim como ela só a ele pertencia. De corpo e alma.
Júlia sentia-se esmagada. A sua objectividade e racionalidade tinham sucumbido perante a malvadez intrépida daquele homem odioso. Eduardo... o seu nome causava-lhe náuseas. Por mais que pensasse não conseguia descortinar um plano para proteger a irmã e para se soltar da manipulação a que estava a ser sujeita. E se contasse tudo a Cecília? Será que ela acreditaria? Talvez Henrique a pudesse ajudar pois percebera imediatemente que este era bem diferente do irmão e conseguira ler nos seus olhos o amor verdadeiro que sentia pela irmã.
Foi arrancada destes pensamentos pelo toque do telefone. O seu coração deu um pulo e as suas mãos começavam a suar. Tinha quase a certeza de que era ele. Júlia atendeu com a voz quase apagada mas do outro lado soou uma voz feminina que pedia para falar urgentemente com a senhora dra. Cecília. Júlia ficou aliviada e correu a chamar a irmã.
Um cliente francês com quem deveriam fechar um negócio na semana seguinte estava renitente em celebrar o contrato. Necessitavam agora da sua perícia enquanto economista e grande conhecedora daquela vertente da empresa para reavaliar a proposta. O melhor, diziam, era que a equipa reponsável por aquele projecto se deslocasse à sede da empresa do cliente, em Paris, por se tratar de um cliente importante que não poderiam perder. Ficou então combinado que saíria no dia seguinte, no voo das 10h30. A reunião teria lugar às 16h00, no escritório principal da empresa, nos Campos Elísios. Isto dar-lhe-ia margem para se instalar no hotel e rever alguma nota que achasse mais importante debater. Este telefonema veio retirar-lhe um pouco da angústia causada pelos acontecimentos anteriores. A cabeça estava agora ocupada com estratégias e planos para debater no dia seguinte.
Às vinte horas desceu para jantar e informou a tia e a irmã que se iria ausentar por dois ou três dias. No entanto, como a semana a que se dispusera ali passar ainda não tinha terminado, voltaria para ficar mais uns dias. Esta notícia alegrou a tia e acalmou o coração de Júlia. É sempre um tormento ver uma irmã sofrer mesmo quando a ligação de infância parecer ter-se desvanecido. Quando esta existe na infância, raramente se quebra para sempre.
Sozinha no seu quarto, Cecília era agora um rosto de angústia e tristeza. O seu reflexo na janela devolvia-lhe a figura de uma mulher arrasada pelo sofrimento. Tinha dificuldade em reconhecer-se. A lembrança de que há exactamente um ano tinha estado em Paris, para onde seguiria no dia seguinte, vincavam ainda mais a sua tristeza. Não conseguia adormercer. Os seus pensamentos oscilavam entre a vivência dos acontecimentos daquela tarde e os dias passados em Paris, no Verão passado, com Henrique.
Júlia abriu a porta e à sua frente econtrava-se um homem bonito e bem apresentado. Rapidamente percebeu, pelo rosto preocupado e pela leve agitação que deixava transparecer, que se devia tratar de Henrique. Este, impaciente, informou-a que desejava falar com Cecília. Júlia hesitou por um instante mas, desviando-se, escancarou a porta para o deixar entrar. Levou-o até à sala de estar, em cuja decoração sobressaía a cadeira de baloiço da Tia Augusta, e pediu que aguardasse um instante enquanto ia chamar Cecília, dizendo-lhe que ficasse à vontade.
Enquanto subia as escadas até ao segundo piso, reflectia sobre aquele homem que parecia tão diferente do irmão. Ficou a conhecer Eduardo no dia em que ele veio conversar com Cecília e logo ali o detestou. Algo naquele homem a tinha deixado inquieta. Um arrepio atravessou-lhe o corpo quando passou junta da sala em direcção ao terraço e o viu conversar com a irmã. Não percebeu o que conversavam, mas aquela estranha inqueitação não mais a largou até ao dia em que se voltaram a encontrar. Aquele fatídico encontro.
Ao passar pelo quarto da Tia Augusta, esta chamou-a para se informar de quem as visitava. Júlia apressou-se a dizer-lhe que se tratava de Henrique e pediu-lhe que voltasse a descansar. Preocupava-a a aparência cada vez mais débil da Tia. Parecia-lhe que naquela semana a sua saúde se tinha debilitado súbitamente. Só quando via Cecília é que a sua tez se iluminava. Naqueles momentos podia ver-se a felicidade bailar-lhe nos olhos.
Bateu à porta e logo ouviu os passos de Cecília. Informou-a de que Henrique se encontrava na sala e que lhe queria falar. Júlia reparou como Cecília estremecera. Olhou-a com um ar apreensivo mas a irmã tentou recompor-se e nada mais disse do que um agradecimento.
- Cecília... se... se precisares de alguma coisa, estou aqui... desculpa...
- Obrigada, Júlia! Não vou precisar de nada. - informou prontamente Cecília. Aquele não era o momento para conversarem. Todavia, ficou feliz pela abordagem da irmã. Seria um primeiro passo para uma longa conversa. Ambas estavam a precisar de reencontrarem. Afinal, se a Tia Augusta morresse, elas só se tinham uma à outra.
Quando desciam as escadas, a campainha voltou a tocar.
- Deixe-se estar, minha tia. - disse Júlia no tom mais doce que encontrou ao passar novamente pelo seu quarto, verificando que esta fazia um gesto para se levantar. Pediu licença para encostar a porta e desceu.
À porta estava Eduardo. Cecília estava pálida e Júlia pressentiu que a irmã ia desmaiar. Ela própria gelou quando viu a figura do homem que nos últimos dias a perseguia.
- Ora ainda bem que a encontro, Cecília! Venho saber como tem passado, foi avançando Eduardo num tom firme e seguro. No entanto, é com a sua irmã que quero mesmo falar, se não se importa. Perdoe-me a indelicadeza de não lhe prestar atenção, mas, como sabe, sou um homem muito ocupado.
- Claro!... foi a resposta de Cecília
- Não me convida para entrar, Júlia?
Júlia não respondeu, limitando-se a fazer um aceno com a cabeça o que, Cecília, no meio os turbilhão de sentimentos que a assaltavam naquele instante, pôde contudo perceber. Estava atordoada. Henrique estava na sala ao lado e ela não sabia o que fazer.
Sem dar tempo às irmãs, Eduardo dirigiu-se para a sala confiante. Esta confiança deu lugar à surpresa. Não estava à espera de encontrar Henrique naquela casa. O nervosismo que o invadiu foi imediatamente percepcionado pelo irmão.
- O que fazes aqui? - perguntou Henrique tentando esconder a fúria que tomava agora conta do seu espírito. Havia algo que não estava a fazer sentido naquela história toda. Mas não teve sequer hipótese de perguntar mais nada. Cecília dirigiu-se-lhe com uma voz fria e calma e pediu-lhe que saísse e que nunca mais voltasse àquela casa onde já não era bem vindo. Informou-o que apenas tinha descido para que a irmã não fosse a mensageira de algo que só ela lhe podia dizer.
Henrique saiu magoado, ferido e, acima de tudo, furioso. Percebeu a palidez e o nervosismo nas duas irmãs e em Eduardo. Era evidente que ele tinha alguma coisa a ver com tudo isto. Haveria de saber o que era e resolveria tudo. Nesse mesmo instante uma luz de esperança voltou a aquecer o seu coração. Ficava com a certeza de que nada tinha feito para afastar Cecília. Algo a tinha afastado dele. E tinha a ver com o seu irmão. Estava certo disso.
A resolução de tirar uns dias de refúgio era agora mais firme. Iria para Paris e não diria nada a ninguém. Em vez de seguir para casa, seguiu para o escritório e no caminho telefonou para Ana, a sua secretária, que há muitos anos trabalhava consigo, e pediu-lhe que fizesse alguns telefonemas. Quando chegou, já uma grande parte dos assuntos daquela semana e da seguinte se encontravam reagendados. O facto de não ter encontrado quaisquer obstáculos por parte dos clientes tinham-no animado. Era profissional e exigente consigo e com os seus colaboradores e não gostava de faltar com a sua palavra. Entretanto, Ana, já lhe havia reservado o hotel e conseguira um bilhete numa companhia de low cost. Partiria no dia seguinte.
A perspectiva de estar longe do irmão e destes últimos acontecimentos ajudaram a que se acalmasse. Já em casa reflectia em tudo o que tinha presenciado e não conseguia perceber exactamente o que se passava. Sabia que o irmão não era boa rês e conhecia bem Cecília. Pecebera a sua inquietação quando a vira entrar na sala, embora esta não combinasse com o tom de voz com que lhe falara. Estes dias em Paris serviriam para se concentrar apenas e só na forma de agir. Não iria ficar muito tempo. Estava certo de que reconquistaria Cecília e de que casaria com ela. Esta era a sua maior determinação. Não por teimosia, mas por amor. Cecília encantara-o com a sua sensibilidade e com a sua intelegência e ele sabia que ela era a mulher da sua vida.
Entrou no avião e o seu pensamento viajou até ao passado. Estava em Paris com Cecília, a jantar no Sena, junto à Torre Eiffel... Naquele Verão apenas a melodia do amor e a confiança dos seus afectos os inundavam.
A tia de Cecília tinha uma autêntica adoração por Luluzinho, um aristocrata meio falido que frequentava os meios mais reputados da região. Lucrécio José Marinho de Sousa Alves e Telles de Mendonça ostentava o brasão de família no seu dedo anelar, enquanto enrolava o bigode com a outra mão. Isto se não tivesse na sua frente comida, pois aí esquecia todos os pergaminhos, embora fosse melhor que assim estivesse, pois qualquer tipo de conversa acabava sempre com a intelectual piada “… mas ele não tem personalidade jurídica”. Isto sem contar com a falta de cultura geral, com as discussões completamente ignorantes. Demasiado mau para ser verdade! A tia queria que Cecília o conhecesse melhor, pois dizia que “dois jovens como vocês não devem estar privados de uma certa intimidade”. Às vezes pensava se seria melhor ir pelo caminho mais fácil...
Fora há uns anos pretendente de Júlia, mas alguma coisa se tinha passado. Algo muito grave. A tia e D.Rata bem tinham indagado, mas nada conseguiram descobrir. Tanto que se cansaram e desviaram os seus alvos de coscuvilhice noutras direcções. Diga-se grave porque era algo que destabilizava completamente Luluzinho, ao ponto deste fugir a meio de uma refeição, só porque soube que Júlia iria entrar na sala. Cecília notara na irmã algo estranho, um secretismo que as afastava, que as deixava constrangidas na mesma casa.
Haveria alguma relação com o telefonema misteriosos que ela recebia, impreterivelmente, às 17:00?