LEITURA COMPARADA DE "PRIDE AND PREJUDICE" DE JANE AUSTEN NAS SEGUINTES TRADUÇÕES:
"Orgulho e Preconceito" (Nuno Castro) E "Orgulho e Preconceito" (Lúcio Cardoso)
Capítulos 6 ao 10
Estes são capítulos muito interessantes porque vemos através deles, as reacções dos Bennet e dos Lucas aos novos vizinhos. Mr. Bingley pela simpatia e Mr. Darcy pela arrogância imperam no assunto de conversação entre as famílias e, principalmente, entre as mulheres. Jane Bennet é convidada a jantar com as Bingley e acaba por permanecer alguns dias em Netherfield por contrair um grande resfriado. Tal resultou de uma artimanha de Mrs. Bennet para fazer com que a filha pernoitasse lá e pudesse mais tempo na companhia de Mr. Bingley. Elizabeth, preocupada com irmã, dirige-se a Netherfield e acaba por também ficar por lá a acompanhar a recuperação da irmã. Durante esses dias, decorrem diálogos extremamente interessantes entre os personagens. Permite-nos ver e compreender melhor a personalidade dos novos vizinhos e também ver, mais especificamente, a própria evolução dos sentimentos de Mr. Darcy por Elizabeth Bennet.
DIFERENÇAS
EN | "Had she merely dined with him, she might only have discovered whether he had a good apetite (…)" P&P, chapter 6, pg 25
PT | "Se ela tivesse simplesmente jantado com ele, talvez tivesse descoberto apenas se era umbom garfoou não" O&P, cap.6 , pg 16
BR | "Se ela tivesse apenas jantado com ele, poderia somente ter descoberto se ele tem bom apetite" O&P, cap.6 , pg 32
As expressões estão correctas mas confesso que tenho um fraco pela expressão "bom garfo". É uma expressão muito visual e sugestiva, que dá a entender alguém que usufrui um grande prazer em comer.
EN | "If I wish to think slightingly of anybody's children, it should not be of my own, however." P&P, Chapter 7, pg 32
PT | "Se eu quisesse criticar as filhas de alguém, certamente não seriam as minhas. " O&P, cap.7 , pg 20
BR | "Se eu quisessemenoscabaros filhos de alguma pessoa, decerto não escolheria os meus ." O&P, cap.7 , pg 40
Ambas as traduções reflectem a ideia da expressão "think slightingly"; contudo, apreciei imenso a tradução brasileira e a adopção da palavra "menoscabar". Eu desconhecia esta palavra. Experimentem pronunciá-la; a sua própria sonoridade indica, por si só, a ideia de desprezo.
DÚVIDAS
EN | "You make me laugh, Charlotte; but it is not sound (…)" P&P, chapter 6, pg 25
PT | "Fazes-me rir, Charlotte, mas nada disso faz sentido. " O&P, cap.6 , pg 16
BR | "Você me faz rir, Charlotte; mas a sua teoria não é sensata."O&P, cap.6 , pg 32
EN | "Mr. Darcy had at first scarcely allowed her to be pretty (…)" P&P, Chapter 6 pg 25
PT | "O senhor Darcy, a princípio, atribuíra-lhe pouca beleza." O&P, cap.6 , pg 17
BR | "A princípio, Mr. Darcy nem sequer tinha concordado com os que achavam que ela era bonita." O&P, cap.6 , pg 33
Nestas duas passagens acima transcritas, a tradução portuguesa fez mais sentido para mim.
EN | "The former was divided between admiration of the brilliancy which exercise had given to her complexion, and doubt as to the occasion's justifying her coming so far alone. The latter was thinking only of his breakfast." P&P, Chapter 7, pg 36
PT | "O primeiro estava dividido entre a admiração pela resplandecência que o exercício imprimira à sua tez e a dúvida sobre se o acontecido justificava a sua vinda de tão longe. O segundo pensava apenas no seu pequeno-almoço. " O&P, cap.7 , pg 23
BR | "O primeiro estava em dúvida sobre se devia admirar as belas cores que o exercício emprestara ao rosto da moça ou refletir que o motivo talvez não justificasse a sua vinda sozinha, de tão longe. O segundo pensava apenas no seu almoço." O&P, cap.7 , pg 44
"Breakfast" é em português de Portugal "pequeno-almoço" e em português do Brasil "café-da-manhã". Todo o parágrafo indica que seria de manhã cedo e que estariam a tomar a primeira refeição do dia. Não percebi o porquê da opção da tradução brasileira por referir esta refeição como "almoço".
EN | "You have a sweet room here, Mr. Bingley, and a charming prospect over the gravel walk." P&P, Chapter 9, pg 46
PT | "Tem aqui uma sala muito agradável, senhor Bingley, e com uma vista muito agradável para a calçada. " O&P, cap.9 , pg 28
BR | "O quarto em que ela está, Mr. Bingley, é muito agradável e tem uma encantadora vista sobre a aleia principal." O&P, cap.9 , pg 55
Neste trecho ambas as traduções tem seus altos e baixos. Logo na primeira parte da frase, a tradução portuguesa parece exprimir melhor a ideia: penso que Mrs. Bennet refere-se neste fala a sala onde está a ser recebida por Mr. Bingley e não sobre o quarto onde Jane está acomodada. Contudo, a tradução brasileira mostra-se mais adequada na parte final da frase ao traduzir ""gravel walk" como "aleia principal" já que o termo "calçada" parece-me ser uma expressão moderna e urbana (por isso, aos meus olhos, não muito adequada ao contexto rural).
PREFERÊNCIAS
EN | "She has nothing, in short, to recommend her, but being an excellent walker." P&P, Chapter 8, pg 39
PT | "Ela não tem, em suma, nada que a recomende, além do facto de ser uma óptima passeante. " O&P, cap.8 , pg 24
BR | "Nada tem, em suma, que a recomende, senão ser uma excelente andarilha." O&P, cap.8 , pg 47
Este foi um momento único para mim porque não gostei de nenhuma das opções nas duas traduções para a expressão "excellent walker". Acho que ambos foram um pouco literais e empobreceram um pouco a ideia. Não seria em situações desta que se poderia ter uma certa liberdade na tradução?
EN | "'Whatever I do is done in a hurry', replied he;' and therefore if I should resolve to quit Netherfield, I should probably be off in five minutes. At present, however, I consider myself as quite fixed here'." P&P, Chapter 9, pg 46
PT | "- O que quer que eu faça é sempre de um momento para o outro. - retorquiu ele. - E, portanto, se por acaso decidisse abandonar Netherfield, provavelmente partiria em cinco minutos. Contudo, de momento, encontro-me bastante estável aqui. " O&P, cap.9 , pg 28
BR | "-Tudo o que faço - replicou ele - é às pressas e, portanto, se resolvesse deixar Netherfield, eu o faria provavelmente em cinco minutos." O&P, cap.9 , pg 55
Apenas a destacar a supressão da última frase na tradução brasileira.
CONCLUSÕES:
Ainda é cedo para tirar conclusões profundas, mas a sensação que começo a ter com esta leitura comparada é que o nível de ambas traduções estão, até ao presente momento, muito equivalentes. O mesmo não aconteceu com a leitura comparada de Sense and Sensibility em que, no geral, apreciei mais a tradução brasileira feita por Ivo Barroso. A exceptuar um caso ou outro, o que tem prevalecido aos meus olhos é um baile de preferências. Ou seja, alguns momentos gosto da forma como a tradução portuguesa a descreve. Noutras prefiro a brasileira. Então, tem sido uma experiência equilibrada.
Quero voltar a reforçar de que não tenho qualquer pretensão de qualificar (ou desqualificar) qualquer uma das traduções. A intenção é apenas transcrever as dúvidas e apreciações do ponto de vista do leitor. No meu caso, uma leitora apaixonada por Jane Austen.
Para além do prazer de reler Orgulho e Preconceito e de fazer esta Leitura Comparada, há ainda o prazer de ver o resultado da leitura.
Se há algo que me faz sorrir é ver que Raquel chamou a atenção para detalhes que eu não vi e que despertaram em mim uma imensa vontade de ir correndo alcançar as traduções e rever os trechos. Chega a ser uma alegria infantil de redescoberta.
LEITURA COMPARADA DE "PRIDE AND PREJUDICE" DE JANE AUSTEN NAS SEGUINTES TRADUÇÕES:
"Orgulho e Preconceito" (Nuno Castro) E "Orgulho e Preconceito" (Lúcio Cardoso)
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PRIMEIRAS PALAVRAS
Inicio com a Raquel esta nova aventura pelas páginas de Pride and Prejudice. Acredito que serão dias de imensa alegria e deslumbramento. Porque será que Jane Austen tem esta capacidade perpétua de deslumbrar? Não sei explicar. Reler Pride and Prejudice é uma sensação de lar, de me sentir em casa. De alguma maneira a sua escrita abraça-me e diz-me quase num sussurro que sou bem-vinda. Uma sensação de que todos os personagens estão à porta com sorrisos e mãos estendidas. É uma sensação extremamente boa.
Esta leitura comparada não tem pretensões académicas ou segue um método rígido. Nem sequer tem como intensão apontar erros. Não sou tradutora, nem sequer tenho formação na área de estudo de literatura inglesa. Então, gostaria de deixar claro de que esta leitura comparada resulta de um acto de amor pela obra e por Jane Austen; bem como o destacar das particularidades do português de Portugal e do português do Brasil. Em tempos de afirmação do Acordo Ortográfico (sobre o qual eu desacordo), é para mim um grande prazer ainda ter matéria de comparação entre a língua portuguesa utilizada em ambos países. Há tanta beleza nesta diferença…
Como escrevi anteriormente, o resultado da leitura será publicado por mim e pela Raquel ao fim de cada mês. Abordaremos cinco capítulos de cada vez. Ao longo desta leitura comparada também procurarei abordar alguns temas que suscitam a minha atenção através de alguns trechos preferidos.
O INÍCIO
Para começo de conversa, transcrevo o primeiro parágrafo da obra e verão que não há grandes diferenças entre as duas traduções. É seguro afirmar que o início de Orgulho e Preconceito é dos mais emblemáticos:
EN | "It's a true universally acknowledged, that a man in possession of a good fortune must be in want of a wife" Pride and Prejudice, pg 2
PT | "É uma verdade universalmente aceite que um homem na posse de uma fortuna avultada necessita de uma esposa" Orgulho e Preconceito, cap. 1, pg 5
BR | "É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, possuidor de uma boa fortuna, deve estar necessitado de uma esposa" Orgulho e Preconceito, cap. 1, pg 9
Haverá alguém que fique indiferente a este parágrafo? Tomo a liberdade de dizer que esta afirmação prende o leitor por completo. Este e o parágrafo seguinte sempre me fazem lembrar um estilo meio teatral, algo meio ao estilo Shakespeare. Imagino sempre um narrador, em cima de um palco, a declamar: "Senhoras e senhores, é uma verdade universalmente conhecida…" e, de seguida, surge o primeiro acto em que Mrs. Bennet e Mr. Bennet entram com o deliciosamente divertido diálogo sobre o novo vizinho, Mr. Bingley.
Dizer "é uma verdade universalmente conhecida" (opção de Lúcio Cardoso) é a opção mais usualmente utilizada. Mesmo no contexto de conversação é uma expressão usada correntemente. Nesta primeira frase, Jane Austen deixa bem claro um dos assuntos mais presente no livro: o casamento.
DIFERENÇAS
EN | "You take delight in vexing me. You have no compassion for my poor nerves." Pride and Prejudice, cap. 2, pg 4
PT | "O senhor tem prazer em arreliar-me. Não tem qualquer compaixão pelos meus pobres nervos." Orgulho e Preconceito, cap. 2, pg 6
BR | "Você se compraz em aborrecer-me; não tem nenhuma pena dos meus pobres nervos." Orgulho e Preconceito, cap. 2, pg 11
Ambas as traduções seguem o sentido da expressão original, mas agrada-me que cada tradutor tenha utilizado um termo tão típico da sua nacionalidade. Em Portugal, o termo "arreliar" é corrente e acho que cai como uma luva na fala de Mrs. Bennet.
EN | "(…)and already had Mrs. Bennet planned the courses that were to do credit to her housekeeping, when a answer arrived wich deferred it all" Pride and Prejudice, cap.3, pg 10
PT |"E já a senhora Bennet tinha planeado os pratos que comprovariam os seus dotes de boa dona de casa, quando chegou uma resposta que deitou por terra todos os seus planos." Orgulho e Preconceito, cap. 3, pg 9
BR| "Mrs. Bennet já tinha planejado os pratos à altura da fama da sua cozinha quando chegou uma resposta adiando tudo." Orgulho e Preconceito, cap. 3, pg 16
Neste trecho, encontro-me diante desta dúvida. Parece-me que "to do credit to her housekeeping" parece-me estar relacionado com a capacidade de governar bem uma casa, mais do que a qualidade da cozinha ou das refeições confeccionadas. O que faria com que a tradução portuguesa, neste aspecto, estivesse mais em consonância com o original. Contudo, a frase também indica que Mrs. Bennet estaria centrada em conceber os pratos a serem servidos, o que talvez explicasse o sentido ressaltado pela tradução brasileira, mais centrada na notoriedade dos jantares servidos por Mrs. Bennet. Na segunda parte da frase, destaco apenas a expressão "deitou por terra" por ser uma expressão bastante utilizada em Portugal.
EN | "Mr. Bingley was good-looking and gentlemanlike; he had a pleasant countenance, and easy, unaffected manners" Pride and Prejudice, cap. 3 pg 10
PT | "O senhor Bingley era bem parecido e tinha um ar distinto, além de um semblante agradável e modos simples e francos." Orgulho e Preconceito, cap. 3, pg 9
BR| "Mr. Bingley era simpático e fino de maneiras. A sua aparência era agradável, os gestos, sem afetação" Orgulho e Preconceito, cap. 3, pg 17
O que eu gosto mais neste trecho é o destaque entre as diferenças do uso da língua em ambos países, principalmente na sua apropriação social e coloquial. Aparentemente, se alguém ler "good-looking" dirá que a tradução portuguesa estaria mais adequada isto porque traduz "bem parecido", o que destaca o aspecto físico de Mr. Bingley. Ou seja, ele seria bonito. Enquanto que traduzir "good-looking" como "simpático" poderia parecer errado porque a simpatia tem a ver com o lado qualitativo do carácter, algo ligado mais aos sentimentos do que ao aspecto físico. Contudo, dizer "simpático" no Brasil pode estar ligado ao físico. É natural dizer que alguém é "simpático" no sentido de ser "bem parecido", alguém agradável à vista. Mais uma vez, não estou a colocar em causa nem justificar as opções dos tradutores, mas ao ler este trecho foi esta a interpretação que fiz do mesmo. Já que inúmeras vezes, lembro de aplicar o termo simpático da mesma maneira.
DÚVIDA
Reli esta frase várias vezes e confesso que fiquei extremamente confusa... Não vos parece que ambas dizem algo totalmente diferente entre si?
EN | "Lady Lucas was a very good kind of woman, not too clever to be a valuable neighbour to Mrs. Bennet." Pride and Prejudice, cap. 5, pg 19
PT |"Lady Lucas era uma mulher muito amável, mas não suficientemente inteligente para ser considerada uma vizinha preciosa para a senhora Bennet." Orgulho e Preconceito, cap. 5, pg 13
BR| "Lady Lucas era uma mulher de bons sentimentos cuja inteligência não era demasiado brilhante para impedir que fosse uma vizinha preciosa para Mrs. Bennet." Orgulho e Preconceito, cap. 5, pg 26
De tal forma causou-me dúvida, que tive curiosidade em verificar nas outras traduções que tenho de Orgulho e Preconceito como o mesmo trecho foi traduzido. Gostei muito da opção feita pela tradução de José da Natividade Gaspar, na edição da Civilização Editora:
"Lady Lucas era uma senhora amabilíssima, embora não arguta bastante para que Mrs. Bennet a considerasse vizinha de grande valia", Orgulho e Preconceito, pág. 17
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Nestes cinco capítulos, Jane Austen apresenta o núcleo da família Bennet, alguns habitantes da localidade e os novos vizinhos que vem habitar Netherfield. E nisto vemos a subtileza da escritora ao desenhar a personalidade de cada um.
Anseio por continuar (a reviver) a observação dos personagens e também o percurso do trabalho de ambos os tradutores. Mal posso esperar...
Esta é uma semana de grande alegria para todos os fãs de Jane Austen espalhados pelo mundo. "Orgulho e Preconceito", a sua obra mais aclamada e acarinha, completou 200 anos de publicação. Desde o dia 28 de Janeiro, data da primeira publicação da obra, esse amor foi visível nas redes sociais, blogues e imprensa internacional.
Pessoalmente, tem sido com satisfação que olho para o meu feed do facebook e do twitter porque através dele posso constatar manifestações de afecto e de amor por O&P através de textos, imagens e citações da nossa querida Jane Austen. Diante deste cenário, não consegui impedir uma íntima sensação de orgulho. Uma satisfação secreta por partilhar desta devoção. Sim, porque todas nós, com maior ou menor intensidade, vivemos momentos inesquecíveis com esta obra. Não posso deixar de emocionar-me com o facto de que esta obra tem sobrevivido e, sobretudo, tem alcançado a fama e a honra que merece.
A MINHA PRIMEIRA VEZ COM JANE AUSTEN
Esta foi a primeira obra que eu li de Jane Austen e também foi o primeiro livro que eu requisitei na Biblioteca (juntamente com "O Monte dos Vendavais" de Emily Bronte) quando fiz o meu primeiro cartão de utente de uma Biblioteca Municipal. Não a conheci através de algum filme. Antes, li um livro que citava "Orgulho e Preconceito" e Mr. Darcy e fiquei absolutamente curiosa. Decidi, naquele momento, que era absolutamente imperioso conhecer o dito "Mr. Darcy" citado. Então, esta obra tem um carácter especial e profundamente importante para mim. Como sabem, a primeira vez é sempre marcante e nunca a esquecemos.
Quantas vezes ri às gargalhadas com Mrs. Bennet e com o Mr. Collins? Quantas vezes quis dizer meia dúzia de verdades à Lady Catherine de Bourg? Quantas vezes aconselhei mentalmente Elizabeth para não confiar em Wickham? Quantas e quantas e quantas vezes quase sacudi Darcy? "Darcy, assim não irás conquistar Elizabeth!", pensei. Há tantos momentos, ao longo da leitura deste livro, que gerou em mim inúmeras emoções que torna-se difícil catalogar cada uma.
LEITURA COMPARADA
A convite da Raquel Sallaberry Brião, do blogue Jane Austen em Português, faremos em conjunto uma leitura comparada de duas traduções de "Orgulho e Preconceito" e pretendemos fazer a primeira publicação amanhã, dia 31. Pretendemos também publicar no fim de cada mês o resultado da cada leitura ( 5 capítulos de cada vez). Assim, poderemos fazer com calma, apreciar cada linha e olhar com maior atenção e carinho o percurso da obra. A minha atenção estará centrada neste desafio/parceria que, acredito, me concederá bons momentos de reflexão. Desde já, reitero o meu agradecimento à querida Raquel pelo convite que me dedicou.
Neste ano comemora-se os 200 anos de "Orgulho e Preconceito". Mais uma vez, voltei a ter o privilégio de receber o convite da Raquel Sallaberry Brião do blogue Jane Austen em Português para uma parceria. Iremos fazer em conjunto uma Leitura Comparada de "Orgulho e Preconceito" em duas traduções: uma portuguesa e outra brasileira.
Anteriormente efectuamos a mesma acção, a propósito do Bicentenário de "Sensibilidade e Bom Senso" e foi uma aventura excepcional para mim. O meu amor por Jane Austen aumentou, sem qualquer sombra de dúvida.
Começar 2013 com Jane Austen no pensamento é um prenúncio de que terei muitos momentos felizes.
A publicação dos textos sobre esta Leitura Comparada será feita em simultâneo aqui e no meu blogue pessoal. De igual forma, também colocarei aqui a indicação para os textos da Raquel. Esta acção se entenderá ao longo de 2013.
Tenho de dizer: este ano, será uma "verdade universalmente conhecida" que somente conseguirei pensar em Mr. Darcy. Indeed!
Ao longo dos meses, constatei que um dos momentos emocionantes é ver o resultado da leitura efectuada pela Raquel. O mais curioso, para mim, é averiguar que duas facetas opostas tornaram-se viciantes: ver as dúvidas que tivemos em comum e, por outro lado, ver os trechos que ela destacou e que eu não me dei conta na minha leitura. O primeiro aspecto, porque as dúvidas em comum criam de certa um elo de pensamento. O segundo aspecto, faz-me pensar de imediato: "como eu não vi isto?"; e, este segundo aspecto em específico, faz-me voltar aos dois livros e acompanhar a Raquel nesta viagem das duas traduções. Esta é uma das partes construtivas de todo este processo.
Por isso, sigam o link e confiram o resultado da leitura da Raquel através dos textos:
Para quem não acompanhou este percurso desde o início, poderá fazê-lo. Deixo-vos a lista completa da programação de leitura da Raquel e os respectivos textos:
Leitura Comparada de Sense and Sensibility de Jane Austen nas traduções:
“Sensibilidade e Bom Senso” (Maria Luísa Ferreira da Costa) e “Razão e Sentimento” (Ivo Barroso)
1 | Uma mesma língua: significantes diferentes, significados iguais
Seleccionei dois exemplos em conformidade com esta ideia. No primeiro exemplo, constatamos que as opções das duas traduções estão adequadas e revelam o uso de cada país.
"Edward made no answer; but when she had turned away her head, gave her a look so serious, so earnest, so uncheerful, as seemed to say, that he might hereafter wish the distance between the parsonage and the mansion-house much greater." | Sense and Sensibility, Chapter 40, page 369
“Edward não respondeu; mas quando ela voltou a cabeça, lançou-lhe um olhar tão sério, tão fervoroso, tão triste, que parecia dizer que desejaria que a distância entre aparóquia e a mansão fosse muito maior,” | Sensibilidade e Bom Senso, Cap. 40, pg 215
“Edward não respondeu; mas quando ela voltou a cabeça, ele lançou-lhe um olhar tão sério, tão fervoroso, tão triste, que parecia desejar que a distância entre o padroado e a mansão fosse muito maior.” | Razão e Sentimento, Cap. 40, pg 196
Já neste segundo exemplo a seguir, temos duas situações:
“I am monstrous glad of it. Good gracious! I have had such a time of it! I never saw Lucy in such a rage in my life. She vowed at first she would never trim me up a new bonnet, nor do any thing else for me again, so long as she lived;(…)” | Sense and Sensibility, Chapter 38, page 344
“Fico muitíssimo contente com isso. Santo Deus! Passei uns tempos! Nunca na minha vida vi Lucy com tal fúria. Declarou solenemente a princípio que nunca me cortaria o meu chapéu novo e nunca mais faria nada por mim enquanto vivesse (…).” | Sensibilidade e Bom Senso, Cap. 38, pg 201
“Estou terrivelmente satisfeita com isso. Santo Deus! Passei maus pedaços! Nunca vi Lucy tão furiosa em minha vida. Ela jurou a princípio que nunca mais adornaria os meus chapéus nem faria mais nada para mim enquanto vivesse; (…).” | Razão e Sentimento, Cap. 38, pg 190
A primeira situação deriva da expressão "I have had such a time of it!". Confesso que nunca ouvi a expressão "Passei uns tempos!"; embora admita que possa existir, surge como uma tradução literal. Na tradução brasileira, "passei maus pedaços!" também não me soa como uma frase comum. É mais correntemente utilizada a expressão "passei um mau bocado".
A segunda parte da frase chamou-me mais a atenção: "she would never trim me up a new bonnet". A tradução portuguesa continuou numa linha literal enquanto a versão brasileira incindiu mais sobre o significado da expressão. Parece-me que a opção de Ivo Barroso está melhor conseguida e transmitiu a ideia da frase.
2 | Opções e Dúvidas
“Lucy does not want sense, and that is the foundation on which every thing good may be built.” | Sense and Sensibility, Chapter 37, page 333
“Lucy não tem falta de senso, e isto é a base na qual todas as qualidades se devem apoiar… “ | Sensibilidade e Bom Senso, Cap. 37, pg 194
“Lucy não é destituída de bom senso, e isso é fundamental para a construção de alguma coisa permanente...” | Razão e Sentimento, Cap. 37, pg 183
Tenho de admitir que sou um pouco exigente no uso dos termos "senso" e "bom senso". Não sendo distintas, também não são totalmente semelhantes. Porque "Senso" é a capacidade de sentir, pensar e perceber; mas "Bom senso" implica um uso equilibrado "nas decisões ou nos julgamentos em cada situação que se apresenta". O bom senso apresenta-se como algo activo, que se concretiza de facto e que tem uma forte carga positiva. E Lucy Steele não é propriamente uma figura que seja conhecida pelo seu bom senso. Encontrei-me numa situação em que se tornou necessária a pesquisa da própria palavra em inglês. A palavra "Sense" é abrangente e implica "senso, sentido, sensação, acepção, percepção, consciência, juízo, compreensão, sensibilidade, inteligência, apreensão". Será que Jane Austen queria significar que Lucy Steele tinha "sense" no sentido da percepção e da compreensão?
Por outro lado, os meus pensamentos ficam mais confusos quando dou conta de que o que Jane Austen escreveu foi que Lucy Steele "does not want" que significa "não quer", ao invés do "não tem falta" (versão portuguesa) ou do "não é destituída".
Já na segunda parte da frase quando Jane Austen escreve "foundation" e "may be built" está a recorrer a um sentido figurativo em que usa a imagem de que a fundação sobre a qual uma casa é construída é o garante da solidez e da longevidade da mesma. Neste caso, a tradução brasileira transmite melhor a ideia expressa.
"(…) and how forlorn we shall be, when I come back!—Lord! we shall sit and gape at one another as dull as two cats." | Sense and Sensibility, Chapter 39, page 356
“Como nos sentiremos tristes, quando eu voltar para casa!... Meu Deus! Sentar-nos-emos e bocejaremos, olhando um para o outro, tão aborrecidos como dois patos ” | Sensibilidade e Bom Senso, Cap. 39, pg 208
“Como ficaremos desolados, quando eu voltar! Meu Deus! Vamos sentar-nos aqui e bocejar como dois gatos melancólicos. ” | Razão e Sentimento, Cap. 39, pg 196
Mrs. Jennings, personagem tão querida ao meu coração, proporciona-nos momentos de grande hilaridade. A frase acima transcrita é um comentário, meio em forma de desgosto, que ela dirige ao Cor. Brandon. Sempre que leio as suas exclamações, mesmo num momento de uma certa tristeza para ela, não consigo deixar de esboçar um sorriso.
Quando li os dois textos e os comparei com a versão original qual não foi o meu espanto de ver que na versão portuguesa "as dull as two cats" foi traduzido para "tão aborrecidos como dois patos".
Não encontrei explicação possível para isto.
“In such moments of precious, invaluable misery, she rejoiced in tears of agony to be at Cleveland;” | Sense and Sensibility, Chapter 42, page 385
“Em tais momentos de desgosto precioso e incalculável, confortavam-na as lágrimas de agonia que vertia por estar em Cleveland (…)" | Sensibilidade e Bom Senso, Cap. 42, pg 224
“Tais momentos preciosos e inestimáveis confortavam-na das lágrimas da angústia por estar em Cleveland (… )” | Razão e Sentimento, Cap. 42, pg 212
Esta é uma das minhas frases preferidas em "Sense and Sensibility". Insere-se num momento marcante do livro. Marianne parte de Londres com o coração destroçado e, no regresso a casa, terá de fazer uma estadia em Cleveland, residência dos Palmer. Cleveland é próxima de Combe Magna, propriedade de Willoughby. Esta coincidência cria toda uma amálgama de emoções em Marianne.
Esta frase ( e todo o texto deste capítulo 42) no seu original tem uma carga emocional tão grande e tão profunda que é comovente. Podemos sentir toda a paixão com a qual Marianne vive os seus sentimentos, seja felicidade seja infelicidade.
O termo "rejoice" (usada pela autora nesta frase) ultrapassa a comum alegria. "Rejoice" é júbilo, é alegria em êxtase. Jane Austen diz que ela "rejubilou em lágrimas de agonia". A intensidade das suas emoções são transmitidas por contradição: ela estava destroçada e deprimida, mas a proximidade de Combe Magna e, consequentemente, a lembrança de Willoughby, gerou uma diferente forma de alegria. As frases de ambas traduções destacam a força e a intensidade do momento?
Para além disso, eu não compreendi porque os tradutores optaram por afirmar que as lágrimas "confortaram". Seria "conforto" no sentido de "consolo"? Um "consolo" no sentido de prémio de consolação?
Admitindo que a estranha alegria e a sensação de liberdade que Marianne estava a sentir, que Jane Austen descreve, fossem uma forma de consolação; ainda assim, há discrepância entre ambas frases. Na versão portuguesa, o conforto era proveniente "das lágrimas de agonia"; enquanto que na tradução brasileira, o conforto resultava de "tais momentos preciosos e inestimáveis".
Estreito mais o olhar e vejo que, em Sensibilidade e Bom Senso, as lágrimas são de "agonia"; enquanto que, em Razão e Sentimento, as lágrimas são de "angústia". Ambos substantivos têm significados aproximados, mas é interessante ver a diferença:
Agonia:s. f. - 1. Última luta contra a morte; 2. [Figurado] Ânsia, aflição; 3. Desfecho próximo (precedido de grande perturbação).
Angústia: (latim angustia, -ae, estreiteza, contrariedade, aflição) - s. f. - 1. Estreiteza;2. Grande aflição acompanhada de opressão e tristeza.
Inclino-me para a utilização do substântivo "agonia" e, por isso, para a opção feita pela tradução portuguesa.
Agonia ou angústia, qual parece ser a mais adequada?
“Marianne gave a violent start, fixed her eyes upon Elinor, saw her turning pale, and fell back in her chair in hysterics.” | Sense and Sensibility, Chapter 47, page 450
“Marianne endireitou-se abruptamente, fixou os seus olhos em Elinor, viu-a tornar-se pálida e caiu da sua cadeira, histérica.” | Sensibilidade e Bom Senso, Cap. 47, pg 263
“Marianne estremeceu violentamente. Voltando os olhos para Elinor, viu que ela empalidecia, e se reclinava na cadeira como se estivesse se sentindo mal. ” | Razão e Sentimento, Cap. 47, pg 248
A questão, nesta frase, é muito simples: quem é que se sentou na cadeira, numa crise nervosa, Marianne ou Elinor? Diria que Maria Luísa Ferreira da Costa traduziu a ideia de forma adequada, porque parece-me que é Marianne quem tem um episódio nervoso e é ela quem volta a a endireitar-se na cadeira . Embora, dizer "histérica" parece-me ser um termo demasiado forte; e, "sentindo mal" parece-me demasiado leve para o episódio em causa.
3. Uma espécie de colete de flanela.
Janeites e caríssimos leitores/as, não resisto terminar a minha selecção de trechos desta leitura comparada sem referir o meu querido Cor. Brandon e o seu famoso colete de flanela. A dita peça de vestuário associada, por Marianne, à velhice. Quer me parecer que este seria mais um exagero pretensioso de uma adolescente inexperiente. Contudo, ele existiu no contexto da história.
“a man who had suffered no less than herself under the event of a former attachment, whom, two years before, she had considered too old to be married,—and who still sought the constitutional safeguard of a flannel waistcoat!” | Sense and Sensibility, Chapter 50, page 484
“E esse outro era um homem que não sofrera menos que ela por causa de uma afeição anterior , que dois anos antes ela considerara velho de mais para casar… e que ainda procurava a tradicional protecção num colete de flanela.” | Sensibilidade e Bom Senso, Cap. 50, pg 283
“(…) e este outro era um homem que havia sofrido não menos que ela por causa de uma afeição anterior, e a quem, dois anos antes, ela havia considerado velho demais para casar-se...” | Razão e Sentimento, Cap. 50, pg 266
O que não consigo perceber é porque o colete de flanela foi retirado, em Razão e Sentimento, neste final. Terá sido uma forma de o assumir como um símbolo/sinónimo de velhice e somente reforçar o factor idade, suprimindo o símbolo em si? Faz-me lembrar o episódio do duelo, também suprimido, só que na versão portuguesa. Pequenos detalhes e episódios fazem-nos perceber melhor a história, os sentimentos, pensamentos e personalidades dos personagens. Eles fazem a diferença.
Comparar as duas traduções fez-me ver que a partilha de uma mesma língua não invalida um uso e uma significação diversificada e distinta em ambos países. Do meu ponto de vista, isto constitui uma grande riqueza. Temos particularidades, tanto no Brasil como em Portugal, e isto evidencia-se na tradução. O meu amor por Jane Austen saiu reforçado e, porque não dizê-lo, por "Sensibilidade e Bom Senso".
Ter vivido, com a Raquel Sallaberry Brião, esta parceria e desafio foi uma honra e uma grande alegria. Quero manifestar aqui a gratidão pelo convite e pela confiança que ela me dedicou.