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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

Dentro de um "bad boy" também bate um coração | PARTE 3

Willoughby surge como um dia de sol no meio da tempestade. Num momento de dificuldade e de infortúnio, ele aparece na vida de Marianne e a resgata não somente da queda que sofreu como também da solidão dos dias de luto. E todos, até mesmo a prudente Elinor, encantam-se com ele. Exceptuando Coronel Brandon, talvez mais movido pelo desgosto de ter um rival do que pelo real conhecimento do seu carácter. Ele é jovem, alegre e encantador. Aos olhos de Marianne, a personificação da perfeição. O sentimento entre ambos parecia verdadeiro e puro. Daquele tipo de sentimento que duraria a vida toda.


A dado momento, tudo muda. 


Willoughby enreda-se numa espiral que o conduz ao declínio. Dependente da herança que iria receber de sua tia, foi colocado contra a espada e a parede: ou largas a menina Marianne Dashwood e procuras um partido apropriado ou perdes herança e sustento. Todos conhecemos a escolha dele.


Tantas coisas são questionáveis nesta situação. Mesmo que se goste ou não deste personagem, há tantas argumentos contra e a favor dele que as fãs de Willoughby debatem-se sobre a sua conduta.


Aos olhos dos dias de hoje, a escolha de Willoughby parece descabida. Renunciar um sentimento tão puro em favor do dinheiro! Isto demonstrou que ele era um verdadeiro "bad boy"? Do meu ponto de vista, não. É natural que ele dependesse do dinheiro proveniente da tia e que não quisesse abdicar de uma herança avultada. No contexto daquela época, o que ele faria se perdesse esta garantia? 


Se colocarmos de parte os seus defeitos e as suas virtudes, identificamos duas características que parecem explicar o seu lado sombrio e "bad boy": fraqueza e egoísmo. Ele foi fraco em não resistir à própria tia, em procurar maneira de persuadi-la. Não era ele próprio um grande mestre da lisonja e de palavras encantadoras? A verdade, a mais pura verdade, é que - apesar de ser um facto não poder arriscar a sua herança - ele não moveu palha para lutar por Marianne. Ele rendeu-se, fugiu sem grande explicações e deixou em aberto um possível regresso. Ao fazer isso, para além de destroçar o coração de Marianne, ele prolongou o sofrimento ao lhe deixar uma réstia de esperança.


A fraqueza é daquele tipo de característica que torno o seu possuidor apenas em alguém baixo e pequeno. O pior terá sido o seu egoísmo e falta de generosidade ao  conduzir a situação com Marianne. A forma fria e indiferente como a tratou no Baile em Londres e a ausência de resposta nos dias anteriores foram desrespeitosas. Em pouco tempo, mostrou-se mais do que fraco. Mostrou-se implacável e cruel. Não teve qualquer delicadeza e generosidade ao tratar com uma pessoa a quem ele dizia ter dedicado o seu coração.


Poderão dizer que ele não estaria preparado para lidar com a situação. Talvez. Admito que talvez isso seja verdade. Mas ele teve tempo para avaliar como haveria de lidar com tudo isto de forma a minimizar o sofrimento dela.


A machadada final ocorre aquando da revelação dele ter sido a pessoa que seduziu, engravidou e abandonou Eliza. Acho que este facto arruma de vez com o seu carácter.


Terá sido Marianne uma oportunidade de Willoughby se redimir e de se elevar da condição de "bad boy"?


Não tenho dúvidas de que Willoughby amou Marianne, mas o seu egoísmo e fraqueza suplantou o seu sentimento. O mais frustrante é que vemos no fim que ele terá lamentado o seu destino mas não terá sofrido tanto assim... Como se ele soubesse que não teria sido capaz de fazer Marianne feliz. E ela, por seu lado, entendeu que dentro de um "bad boy" pode bater um coração mas talvez ele pudesse desacelerar as batidas do seu.

Dentro de um "bad boy" também bate um coração | PARTE 2

 Deixo ao vosso critério a escolha do termo mais adequado para classificar os nossos queridos "bad boys". Digo "queridos" porque sei que nem todas amarão Henry e nem todas odiarão John como eu. Por isso, resguardo o direito inalienável de cada leitor de amar e de odiar quem bem quiser.

De forma que pesquisei alguns adjectivos que servem para classificar um legítimo "bad boy" e passo a referi-los: malvado, má rês, mal comportado, matreiro, biltre, maroto, velhaco, patife, trapaceiro, melquetrefe/mequetrefe, perverso, facínora, vil, desprezível, ignóbil, reles.
A lista poderia ser maior mas acho que é suficiente. Quando penso em Henry Crawford, a expressão que mais salta à (minha) vista é "ah meu menino maroto!". Já com John Willoughby é "seu melquetrefe!". A minha escolha, apesar do esforço para não ser judiciosa, revela a minha parcialidade e pensamento. Mas esta exposição de termos e de expressões tem como foco a afirmação que um "bad boy" é bem mais intrincado do que parece.
Os nossos rapazes são seres complexos.

Dentro de um "bad boy" também bate um coração.

 

O meu maior desafio ao escrever um texto que confronte Henry Crawford a John Willoughby é o de não ser judiciosa. Não quero prender-me a juízos de valor. O interessante deste exercício de comparação é equiparar virtudes e defeitos no sentido de encontrar semelhanças e disparidades. 

Imparcialidade é uma utopia que eu não abraço quando falo de personagens de que amo. E, é facto, eu amo Henry Crawford. Na mesma medida, tenho um profundo desprezo por Willoughby. Quando falamos de personagens assim, cujo os percursos os transformam em seres sombrios, é natural que tenhamos a tendência de amar ou de odiar. 
É o que acontece com os "Bad boys". Meninos malvados. Rapazes de má rês. Velhacos! - se quisermos usar uma expressão à moda antiga. As vozes de sabedoria alertam-nos, desde cedo, para fugirmos a sete pés de rapazes assim, de carácter e conduta duvidosa com o risco de cairmos em declínio e de sucumbirmos aos encantos de alguém que pode nos conduzir à auto-destruição. Mas a verdade, em alguma altura da vida, sempre tivemos simpatia por um rapaz assim. 
Nem todos os "bad boys" são maléficos. Nem todos têm como objectivo fundamental serem vilões. E, nem todos os "bad boys", querem causar danos. Mas, certo é, que o fazem; muitos causam danos irreversíveis. Por que, essencialmente, com mais ou menos virtudes, com mais ou menos defeitos, com mais ou menos infortúnios, o que parece ser constante a todos o "bad boys" são duas características: o egoísmo e a fraqueza. Estas são as duas brechas que entorpecem-lhes o carácter, moldam-lhes as acções e conduzem, em última instância, a uma existência menor. Como se a sua própria maneira de ser fosse, em si mesma, um destino ao qual não conseguem fugir.
Tendo como base estas ideias, irei falar nos posts seguintes sobre as características que distanciam Crawford e Willoughby e também abordar um pouco sobre o papel de Fanny e de Marianne dentro desta dicotomia.

Shoulda Known

"Teria Jane Austen a crença de que um escorpião nunca nega a sua natureza? Teria ela a convicção de que uma pessoa não era capaz de viver um arrependimento transformador que causasse uma revolução comportamental?  É estranho constatar isto, ainda mais quando é evidente que ela acreditava em segundas chances."

 

 

Esta é uma das frases de Cátia Pereira no seu artigo Jane Austen, Fanny Price, o Cepticismo e o Divino. Realço esta ideia porque é com ela que me debato constantemente nesta obra "O Parque de Mansfield".

Dei este título ao meu artigo porque a comparação com o escorpião que a Cátia fez recordou-me de uma música "Shoulda Known" do álbum "Got You on My Mind" de Madeleine Peyroux e William Galison que fala precisamente de um sapo que transportou às costas um escorpião na travessia de um rio, e quando o escorpião se viu no outro lado da margem, já a salvo, deu a picada fatal ao sapo que o ajudara (história esta que se transforma depois numa metáfora com um romance frustrado). Não deixa de ser curioso que tal comparação nos faça chegar a Mansfield Park!?

 

Eu acredito que Jane Austen acreditava verdadeiramente em segundas chances. E não apenas para os "bons da fita"... afinal, ela dá a Willoughby a oportunidade de se retratar, de se arrepender... permite que Marianne saia daquele romanticismo fanático... o próprio Tom Bertram é resgatado de uma vida de vício e jogo... Julia Bertram é salva ao último minuto, evitando um desfecho como o de Maria. Porquê? Não sei... mas todas as minhas suposições apontam para uma certa genuinidade de carácter e sentimentos e um profundo arrependimento.

 

Mas será que Jane acreditava que o mundo se dividia em bons e maus caracteres? Será que entendia que uma vez mau, sempre mau? Ou que a natureza humana estava destinada a ser exclusivamente boa ou má? Custa-me acreditar que tal fosse o caso. Ninguém é completamente mau nem completamente bom - todos temos defeitos e virtudes, uns preponderam sobre os outros consoante certas atitudes e comportamentos que tomamos.

O que me parece é que Jane tinha dificuldade em aceitar mudanças profundas em caracteres inundados em vícios, corrompidos por uma educação negligente, desviada, sem valores. No entanto, mostrou-nos que tal era possível com Willoughby, que tais caracteres eram capazes de arrependimento. Mas e de mudança? Só vos consigo apresentar o exemplo de Tom Bertram, cuja doença como que serviu para expurgar os males e vícios da sua conduta, um pouco à semelhança de Marianne, cuja doença serviu para expurgar o amor exacerbado e histérico e portanto, inconsequente. O próprio Darcy, alterou a sua conduta, conseguiu mudar o seu comportamente impregnado de orgulho, por amor.

 

Mas Henry Crawford? Sou sincera, achei que a determinada altura ele tinha dado o "clique". Mas ele não era constante e tinha muitos passos ainda para dar e não soube esperar, não teve paciência e se calhar, o troféu Fanny Price não era assim tão importante para ele, Maria Rushworth estava mais à mão, era mais fácil e simples... não lhe exigia nada, apenas lhe alimentava prazeirosamente o ego. Henry Crawford mostrou-se um escorpião, mas Fanny nunca se colocou na posição de sapo e por isso, sabemos, que nunca foi atingida.

 

A escrita de Jane Austen assenta muito nos valores, nos principios e Mansfield atinge muitas vezes a característica de ser moralista (para mim, excessivamente, por vezes). O que penso que ela nos queria mostar era que não temos de abdicar dos nossos valores e principios fundamentais para atingir a felicidade. Que não temos de ser rebeldes, revoltados, insatisfeitos e inconformados para conseguir alcançar objetivos. Podemos mudar a nossa vida, traçar o nosso caminho e percorrê-lo pela persistência, paciência e esperança. Que a nossa fidelidade àquilo que somos e à nossa consciência, trará as devidas e desejadas recompensas.

 

John Willoughby

 

Quando pensamos em John Willoughby pensamos logo no ditado portugês "quando a esmola é demais o santo desconfia". Não passa de um lobo mascarado de cordeiro com toda a sua educação, cordialidade e simpatia. Ele fez com que não só Marianne como toda a família Dashwood se rendesse ao seu charme. Promete mundos e fundos a Marianne (não "descaradamente" mas implicitamente) e isso é o suficiente para apaixonar Marianne que sonha com o seu futuro ao lado do principe encantado. E depois, desaparece e não dá satisfações, como se nem sequer tivesse feito parte da vida de Marianne e do resto das Dashwood. No entanto eu não acredito que ele não sinta remorsos do que fez. Ele é daquelas pessoas que se deixa envolver pelo que ela própria faz e diz e depois é tarde demais. Também podemos consideram John Willoughby como um Playboy da era Regency e nada mais que isso. Marianne é bonita, determinada e inteligente. Trata-se de uma rapariga divertida e sem "papas na língua" com quem ele passou bons momentos de diversão,e nada mais... Infelizmente Marianne não teve o descernimento suficiente para avaliar correctamente Willoughby, mas se pensarmos bem não é fácil acreditar que um rapaz com tantas qualidades se vão revelar de tão má qualidade... Detesto homens como Willoughby e penso que a Jane talvez tenha escrito esta personagem a pensar nas muitas donzelas sonhadoras que sonham com o principe encantado que mais tarde se tornará num lobo mau. Podemos mesmo dizer que com John Willoughby nem tudo o que reluz é ouro...

Classificação dos Heróis em Jane Austen

Título Original: Criteria for Rating Heroes
Retirado do site: Pemberley

Autor do Artigo: Ellen Moody

Traduzido e Adaptado por Clara Ferreira

 

 

Vou aproveitar a pergunta sobre "porquê que gostamos mais de alguns heróis de Jane Austen do que de outros?". Eu penso que não é apenas uma questão de não ter nada para os perdoar, porque algumas coisas são mais fáceis de perdoar que outras, e quando decidimos o que achamos mais fácil de perdoar estamos a dizer mais sobre a nossa própria moralidade do que à de Austen.

 

  • Os heróis que têm normalmente menos fãs, são aqueles que são profundamente morais; deixem-me chamá-los de tipo Ashley Wilkes (de "E Tudo o Vento Levou"): sensíveis, bons, leais, com um comportamento impecável, tacto, gentis e altruístas e muito convencionais no que toca ao sentido que têm sobre como deve ser um "gentleman"; Austen, claro, engana-nos e adiciona a estas características a reserva, utilizada para proteger o próprio (como vemos em Knightley no seu comportamento com Emma), também o ser acanhado, muito pouco alegre numa festa - características/defeitos muitas vezes apontados e aos quais os leitores não perdoam a Edmund Bertram, Edward Ferrars, Coronel Brandon e George Knightley. Tal como Rhett Butler diz, eles são cavalheiros apanhados num mundo que idolatra a beleza, suavidade e a liderança. Edward Ferrars e Coronel Brandon são fracos nessa batalha de domínio entre pessoas, o que talvez seja a essência da vida. Heróis deste género são patetas, pedantes e empertigados, epítetos comuns atirados contra alguns tipos de heróis em Jane Austen, não? Mas Austen crê que estes homens quando são também inteligentes, queridos e constantes (com devido rendimento), fazem as mulheres felizes, especialmente quando a natureza e gostos de ambos são similares, exemplo disso são Elinor Dashwood e Edward Ferrars ou Fanny Price e Edmund Bertram. Diria que Knightley não assenta bem aqui, uma vez que não é fraco na batalha da liderança, ela apenas partilha de algumas qualidades de Edward Ferrars, Edmund Bertram e Coronel Brandon, pelas quais alguns leitores tiveram muito tempo até lhes perdoar. Eu sou fã de Edward Ferrars e Edmund Bertram, embora não me quisesse casar com eles, eles aborrecem-me até às lágrimas; e para ser sincera, eu não acredito totalmente no Coronel Brandon. Ele é um evadido de uma ficção gótica, fantástica, teatral, afectiva mas não totalmente persuasiva; nem o casaco de flanela consegue esconder a origem.

 

    • Agora os heróis que são também vilões aos quais podemos chamar de tipo Rhett Butler. Para ser menos anacronista e estar mais próxima do arquétipo fundamental temos os nossos subtis libertinos: Willoughby, Wickham, Henry Crawford, Frank Churchill e talvez William Walter Elliot. Estes são homens sedutores, sedutores precisamente porque são perigosos, engraçados de estar, divertidos, bonitos. O que +e que temos para perdoar aqui? Deslealdade, ter tido sexo com outra mulher, indiferente, despreocupado, egoísmo, a habilidade de estar infinitamente inactivo e mais importante, a incapacidade de olhar para eles próprios e ver o que está mal e mudar, porque eles não podem sentir o tipo de alegria que surge com o amor intenso e tudo o que vem com ele. Parece que Austen sugere que, enquanto grupo, estes homens são pouco profundos nas suas emoções, porque a estes "libertinos" dos romances é dada uma intensidade de emoção em demasiada escala. Austen não permite isso; isso é o delicioso veneno que bebemos para a nossa própria destruição. Eu diria que muitas pessoas não teria assim tão grandes problemas em perdoar as falhas acima citadas, mas Austen considera esse tipo de homem um mau material para maridos; e eu sugiro que a única qualidade que ela seria incapaz de perdoar a estes homens é a sua insensibilidade e inconstância. No entanto, sejamos justos, são géneros divertidos, nunca um momento aborrecido com Willoughby - embora lendo com cuidado, podemos afirmar que ele pode ser visto como pouco profundo e egoísta. É o tipo de rapaz que não se arrepende de ter passado um bom bocado, mas terrivelmente arrependido de não ter conseguido o seu doce no fim. E a Henry Crawford são dadas possibilidades, somos levados a achar que ele pode ter-se transformado no 3º tipo, embora eu duvide.

     

    • Temos agora o 3º tipo, no qual eu sugiro que Henry Tilney entra. De certa maneira, Jane Austen foi a inventora deste tipo e por isso lhe chamarei o tipo de Frederick Wentworth. O que temos para lhes perdoar é aquilo que temos de perdoar a qualquer ser humano que é fundamentalmente decente e querido e inteligente e também capaz de ter uma conversa interessante - o tempo e as circunstâncias é que não estiveram sempre do seu lado. Isso acontece com Darcy - Darcy tem sido objecto de sincopacia continuada, demasiada indulgência e possuidor de um coração frio e repleto do orgulho materialístico de todas as Ladies De Bourgh deste mundo. Ele precisa de olhar para o seu coração para poder mudar. E fá-lo. Temos de lhe desculpar as reprimendas, a arrogância, o pessimismo em relação à natureza humana, uma certa frieza (...). Este grupo inclui Wentworth o meu herói favorito (...). Henry Tilney também não tem tudo do seu lado - tenhamos como exemplo o seu pai tirano; mas a sua mãe parece ter sido muito boa pessoa (tal como a mãe de Anne Elliot) e o rapaz tem a felicidade de possuir rendimento e garantir a sua independência. Na verdade, não havendo nada para perdoar, talvez por ser ainda tão jovem e alegre e tão humano, e por isso o coloco neste 3º tipo inventado por Jane Austen, os cavalheiros que têm tudo, tudo o que encanta uma mulher e que fazem deles um partido. Deixem-me terminar com George Knightley, porque ele sofre da falha que tem Tilney - não há nada a perdoar - mas neste caso, pobre homem, não podemos perdoar-lhe a perfeição, porque ao contrário do tipo 1, ele não é fraco nem pedante, nem acanhado (embora, tal como ele diz, não saiba muito bem expressar-se no que toca aos sentimentos do coração). Mas, lembremo-nos, conhecemos Knightley apenas pelo ponto de vista de Emma e talvez seja por isso que ele nos pareça tão perfeito. Mas eu amo Knightley, de verdade. Adoro o seu tacto, a cortesia, o cavalheirismo, o seu pensamento sempre acertado, nem me importa o seu pensamento moral por vezes exagerado. (...)

    Análise de Personagem: John Willoughby

    Título Original: Character Analysis: John Willoughby
    Retirado do site: November's Autumn
    Autor do Artigo: Katherine 15.05.10
    Traduzido e Adaptado por Clara Ferreira

     


     

    O caloroso Mr. Willoughby faz uma grande entrada e põe Marianne a flutuar na nuvens, traz-lhe flores e poesia, une fraqueza com vivacidade, e, acima de tudo, é um apaixonado por música e dança e ainda assim, consegue adicionar a tudo isto, uma contínua rebeldia pelas regras da sociedade - até um certo ponto. Um verdadeiro e típico herói romântico da literatura. Mas será que isso significa necessariamente que ele seja um romântico? Quando ele é deserdado ele transforma-se, de repente, e torna-se convencional e prático. Ele não consegue seguir o seu coração e casar com Marianne, em vez disso, parte para Londres para casar com uma herdeira e depois, arrenpende-se das suas acções. Mas arrepende-se das suas acções porque Mrs. Smith lhe devolve a herança, que lhe permitiria casar com Marianne, se ele tivesse esperado? Ou porque não gosta da sua nova mulher? E era o seu amor por Marianne tão verdadeiro como ele pretende estabelecer? Ou será que agora ele idealizou Marianne e a sua ligação porque era muito melhor que o seu casamento?

     

     

    As desculpas de Willoughby

     

    "Quanto me tornei intimo da sua família, eu não tinha outra intenção, nenhuma outra ideia no nosso conhecimento para além dele me proporcionar um tempo agradável enquanto era obrigado a permanecer em Devonshire, mais agradável do que eu já fizera antes. A pessoa adorável que a sua irmã é e as suas maneiras tão interessante não podiam fazer nada mais para além de me agradar; e o seu comportamento para comigo desde a primeira vez foi sempre de gentileza - é incrível, quando reflicto sobre o que passei, e o que ela era, que o meu coração fosse tão insensível! - Mas primeiro, tenho de confessar, que a minha vaidade apenas se elevou por isso. Indeferente da sua felicidade, pensando apenas no meu divertimento, deixando-me levar por sentimentos que há muito estava habituado, eu tentei, por todos os meios ao meu dispor, tornar-me agradável para ela, sem qualquer desejo de devolver o seu afecto (...) A minha fortuna nunca foi muita, e eu sempre gastei mais do que devia, sempre com o hábito de me associar a pessoas com maiores rendimentos que eu. Todos os anos, desde que me tornei adulto, ou ainda antes, juntei dívidas; e embora a morte da minha prima Mrs. Smith me libertasse de tudo isso, sendo esse evento incerto e possivelmente distante, foi quase sempre minha intenção restabelecer a minha situação casando com uma mulher de fortuna. Comprometer-me com a sua irmã na altura, era algo impensável - e com maldade, egoismo, crueldade - que nenhum olhar indignado, insolente, mesmo de si, Miss Dashwood, pode reprovar o suficiente - eu agia desta forma , tentando captar a sua (Marianne) atenção, sem qualquer intenção de a devolver. Mas uma coisa pode ser dita em meu favor, mesmo nesse estado horrível de vaidade egoista, eu desconhecia a extensão do sofrimento que provocaria, porque, eu não sabia até à altura o que era amar. Mas alguma vez soube? - Bem, pode ser duvidável; porque se amei verdadeiramente, podia sacrificar os meus sentimentos por vaidade e avareza? Ou mais ainda, poderia sacrificar os sentimentos dela? Mas fi-lo. Para evitar uma pobreza comparável, que o seu afecto e sociedade privariam de todos os seus horrores, eu, através do aumento da minha afluência, perdi tudo o que faria disso uma dádiva."

     

    Aqui percebemos que a sedução de Willoughby a Eliza foi apenas para seu gozo e divertimento; nunca teve intenções honradas para com Eliza, uma vez que sempre foi sua intenção casar com uma mulher de fortuna. O seu amor por Marianne pode também ser duvidável, tanto que ele próprio o admite. Não posso deixar de pensar se ele não casaria com Miss Grey, que ele detesta, mas antes uma mulher de fortuna por quem nem sentisse amor ou ódio, se esta cena não tivesse acontecido.

    "Acreditou na altura - disse Elinor calmamente - que sentia algo por ela. - Sim, dei por mim a gostar muito dela; e as horas mais felizes da minha vida foram passadas com ela, na altura em que as minhas intenções era estritamente honradas e os meus sentimentos verdadeiros". Ele declara que as suas intenções com Marianne eram estritamente honradas, no entanto, continua a arriscar a reputação dela quebrando determinadas convenções. Um homem honrado faria isso à mulher que ama? (...)

     

    O seu medo da pobreza e falta de autodisciplina poderiam, caso ele tivesse casado com Marianne, torná-lo impaciente e agitado. E talvez o seu amor por Marianne se tornasse também num arrependimento.(...)

     

    "Não me fale da minha mulher! Ela não merce a sua compaixão. Ela sabia bem que eu não sentia nada por ela quando nos casámos." Esta é talvez uma das frases mais interessantes em todo o seu discurso de desculpas. Ele diz que a sua mulher não merecia qualquer tipo de compaixão pois já sabia que ele não sentia nada por ela aquando do casamento. Contudo, podemos imaginar que ela tenha caído na mesma espécie de "feitiço" por Willoughby, tal como Eliza ou Marianne. Pois é ele próprio que afirma, a propósito de Marianne que fez tudo ao seu alcance para se tornar agradável para com ela - é possível que tenha feito o mesmo com Miss Grey, ou mais ainda, dadas as circuntâncias. Ela sentiu-se tão atraída por ele que acreditou que conseguiria fazer com que ele a amasse. Mas o que será pior, ele casar-se com ela por dinheiro, ou ela deixá-lo?

     

    Pobre Mr. Willoughby, fui muito dura com ele. "Existe nele uma expressão de bondade, e as suas maneiras tão agradáveis e abertas!", todos querem gostar dele e talvez se a sua educação tivesse sido mais firme, e ele menos indulgente em dar de barato a sua vaidade e prazeres, e tivesse ele tido o bom senso, a moral e honra, poderia certamente ter-se tornado num personagem interessante. Tal como é, é o vilão de Sensibilidade e Bom Senso, sendo os seus crimes o egoísmo e a vaidade.

     

    Em Defesa de Edward Ferrars

    É um artigo longo, mas peço-vos que o leiam. Para muitas não será uma surpresa o que aqui está escrito, mas garanto que, para outras, ajudará a compreender melhor Edward Ferrars - como aconteceu comigo. E talvez Willoughby perca um pouco do encanto que deixou em nós.

     

    Título Original: In Defense of Edward Ferrars
    Retirado do site: JASA
    Autor do Artigo: Bertha McKenzie, 21 Junho 2001
    Traduzido e Adaptado por Clara Ferreira

     

     

    Robin Ellis - 1971; Bosco Hogan - 1981

    Hugh Grant - 1995; Dan Stevens - 2008



    Edward é-nos apresentado pela autora como "ele não aparentava imediata simpatia por nenhuma graça peculiar da sua pessoa ou presença." Ele "não era bonito", e era desconfiado e tímido, embora a "sua compreensão fosse boa". Para Mrs. Dashwood, uma romântica, "a sua forma de estar tranquila... ia contra todas as suas ideias de como as maneiras de um jovem devem ser", embore tivesse a maior opinião sobre o seu bom carácter. Na linguagem da sensibilidade, isso significa que ele tinha benevolência e preocupação pelo outro e o bom julgamento que deve saltar do coração. Richardson utilizou adjectivos como amigável, inocente, digno e sensivel para descrever o bom coração de uma pessoa. Mas isto dificilmente é a descrição de um herói romântico, assim, é preciso perguntar porque é que Edward é descrito de forma tão sóbria e maçadora.

    Rousseau, em "Confessions", desenvolveu uma doutrina a que se chamou "A Fantasia da Idade", que explica o seguinte, que uma sensibilidade delicada era acompanhada por uma superiodade de moral ou excelência. Esta ideia surge frequentemente em personagens de romances sentimentais da época, e foi profunda e brulescamente utilizada pela Jane Austen de 14 anos em Amor e Amizade de 1790, caracterizado por Brissenden como:

    "um trabalho surpreendentemente bem conseguido, e apesar de ser breve, o melhor e mais aprofundado de todos o burlescos de ficção sentimental. Os heróis e as heroínas... são todos criaturas possuidoras da mais requintada sensibilidade e do egoísmo mais rude e sem escrúpulos... Uma indulgência excessiva na sensibilidade, ou uma fé cega na capacidade do homem seguir os dictâmes do seu coração, para agir de acordo com os seus melhores sentimentos, é insensato e digno de ser ridicularizado."

    Por volta de 1810, quando Austen terminou Sensibilidade e Bom Senso, ela desenvolveu um subtil e convincente argumento contra esta doutrina, nas personagens de Edward e Willoughby. Para o leitor moderno, Edward, é um herói maçador. Porque é que ele, perguntamos nós, não diz, simplesmente, a Lucy, que mudou de opinião e que já não quer casar com ela. A resposta é a de que, na sociedade de Jane Austen, um cavalheiro de honra nunca falha à sua palavra.

    Em Sir Charles Grandison de Samuel Richardson, um livro que Jane Austen conhecia bem, o herói tem um compromisso anterior com uma Senhora italiana. Quando, mais tarde, Grandison se apaixona por Harriet Byron, quem ele salvou de ser raptada, ela não pode, na sua honra de cavalheiro, quebrar o seu compromisso com Signorina Clementina. Jane Austen aproveitou a ideia de anterior compromisso de Richardson para Edward, de forma a demonstrar a sua superioridade moral. Este dilema seria bem apreciado pelos leitores e ambos, Grandison e Edward seriam, imediatamente reconhecidos como cavalheiros de honra.

    Marianne "embora tendo a mais alta opinião quando à sua capacidade de julgamento e bom senso" decide que Edward não tem sensibilidade. (...) Ele não possui gosto verdadeiro porque não se sente atraido pela música e parece entender muito pouco de pintura. Ele lê frase de Cowper "que muitas vezes me deixaram sem fôlego" num tom sem qualquer emoção. Este julgamento diz muito mais sobre Marianne, e a permanência do conceito de sensibilidade, como era suposto, do que diz sobre Edward.

    É por Elinor que temos uma verdadeira imagem do carácter de Edward. Ele tem "bom senso e bondade", uma excelente compreensão, bons princípios e valores sólidos. Possui uma mente bem informada, disfruta dos livros, tem uma imaginação viva e um gosto "delicado e puro". É um homem de honra que se comporta com reserva e circunspecção para com Elinor enquanto se encontra limitado pelo compromisso com Lucy Steele que só ela pode, honoravelmente, romper.

    O comportamento de Edward e Willoughby é continuamente contrastante durante o decorrer do romance. A visita de Edward a Barton ocorre pouco depois da partida de Willoughby, para que possamos comparar o comportamento de Willoughby para com Marianne com o comportamento de Edward para com Elinor, depois de ela descobrir do compromisso com Lucy Steele (...).

    As circuntâncias dos dois homens, no que toca ao pensamento sobre casamento, são igualmente contrastantes. Willoughby é independente, com uma propriedade em Somersetshire avaliada em £600-£700 ao ano, uma soma adequada para um casal se poder casar naquele tempo, embora, caso Mrs. Smith cortasse a sua renda, isso não teria impedido Willoughby de continuar a viver de forma gastadora. Ele teria de desistir da caça e criação de cavalos, e provavelmente, não poderia manter nem uma carruagem. Embora Willoughby diga, mais tarde, que tinha intenção de pedir Marianne em casamento, ele prefere, ainda assim, despodar uma herdeira com £50,000.

    Edward, por sua vez, está totalmente dependente da sua mãe. Quando ela o deserda, ele tem uma renda de apenas £100 ao ano, escasso o suficente para o manter a ele mesmo, e para mais, a sua mãe ameaça-o de que fará os possíveis para que ele não consiga um adiantamento seja qual for a profissão que escolha. Jane Austen mostra claramente o comportamento de Edward como completamente honorável nas suas circunstâncias, em contraste com o de Willoughby, que está adequadamente fornecido para fazer livre escolhas.

    o resgate de Marianne é deliberadamente romântico, embora num romance romântico da época o resgate seria, provavelmente, consequência de uma tentativa de rapto. Ele é primeiramente apresentado como "incomumente bonito", com "maneiras graciosas e francas" e com "uma juventude e elegância". Para Marianne "a sua pessoa e ar eram iguais aos heróis que ela imaginara na sua história preferida". Tudo o que Marianne ouve de Willoughby, que é, de facto, muito pouco, alimenta a sua imaginação romântica enquanto o seu comportamento dele faz o resto. A linguagem cuidadosa de Jane Austen deixa claro que Willoughby se adapta rapidamente a todos os românticos amores e estusiasmos de Marianne, e serve-se do seu charme natural e vivacidade para conquistar o seu amor sem ter sérias intenções de se casar com ela.

    O autor diz-nos que "nada poderia ser mais expresso do que a existência de um compromisso entre eles do que o comportamento de Willoughby. Para Marianne tinha toda a ternura e distinção que um coração apaixonado poderia dar, e para com o resto da família, ela a atenção afectuosa de um filho e de um irmão". Mrs. Dashwood diz a Elinor "Não tem o seu comportamento para com Marianne e todas nós, nos últimos quinze dias, declarado de que ele a ama e a considera como sua futura mulher?". Marianne, ela própria diz, depois da carta de rejeição de Willoughby, "Eu senti-me solenemente comprometida com ele, como se uma convenção legal nos tivesse ligado". O mesmo sucede com o Capitão Wentworth, com muito menos razão, quando se encontra numa situação parecida com Louisa, ele sentiu-se obrigado, por via da honra, a pedir-lhe a mão se ela assim o desejasse.

    Willoughby é o herói romântico da imaginação de Marianne, bonito, prestável, e com uma aparente sensibilidade. Pelo menos ele tem, ou finge que tem, os atributos que servem para indicar sensibilidade: fogo, ânsia, vivacidade, entusiasmo, amor pela música e poesia romântica, rapidez de pensamento...e por aí em diante. Mas ele não tem sentido de honra ou de obrigação perante os outros pelo seu comportamento egoísta. A opinião de Elinor sobre ele é a de que ela não poderia acreditar que ele era capaz "de estar tão afastado da aparência de todo o sentimento honorável e delicado - pelo menos tão afastado do comum decoro de um cavalheiro. (...)

    Edward não tem nada da aparência ou charme romântico de Willoughby, para mais, é tímido e estranho quando vai a Barton para pedir a mão de Elinor. Mas ainda assim, ele tem gosto e imaginação, possui bom senso e compreensão. Ele é um homem da maior integridade e um cavalheiro de honra. (...)

    Sensibilidade e Bom Senso não é apenas sobre o bom senso de Elinor e a sensibilidade de Marianne, é também sobre a absurda associação da moral com sensibilidade ou a falta dela, e enquanto o leitor moderno, estando longe da sociedade de Jane Austen, pode não conseguir ver Edward como um herói romântico, temos de admitir que ele é um homem íntegro e honorável e que está em contraste directo com Willoughby, que não possui uma coisa nem outra.