“(…)deixo que seja decidido por quem o pretender fazer se a tendência deste livro é a de fazer a apologia da tirania parental ou premiar a desobediência filial”
Jane Austen termina a Abadia de Northanger com esta frase. Dá a entender que o motor desta história prende-se à esta dinâmica entre “tirania parental” e “desobediência filial”. Ao longo de todas as obras de Jane Austen podemos ver que esta dinâmica relacional é uma marca presente e constante. Mas, em nenhuma de suas obras, encontramos um pai tão sem coração. Terá a vida tornado o General Tilney frio e insensível? Terá sido a perda da sua mulher? A única desobediência filial que podemos apontar é a de Mr. Tilney, de ter ido ao encontro de Catherine após ela ter sido banida da Abadia. Nem a tirania do pai nem a desobediência do filho parecem-me ser o motor deste livro.
A alma deste livro se divide em duas partes. Por um lado, é o coração puro e a imaginação infindável de Catherine. Por outro lado, somos todos nós, leitores do romance que vivemos e criamos as nossas próprias expectativas e conclusões. Vejo a Abadia de Northanger como uma grande interrogação sobre o papel do leitor e a sua interacção com a obra.
General Tilney é o patriarca da família Tilney. É um senhor de posses e de posição social. É uma pessoa obscura, antipática e perfeccionista. Exigente na pontualidade. Exigente também na aplicação de regras e leis por ele impostas no seio do seu lar. É evidente, aos olhos dos leitores, que os seus filhos dedicam-lhe mais receio do que respeito. E ele, cultiva a solidão e os dias sombrios em cada passo que dá.
A impressão geral que eu tive sobre o General Tilney, ao longo do livro, era de que ele seria um libertino reprimido. Mais concretamente, eu passei quase toda a leitura do livro a pensar que o General Tilney estaria interessado em conquistar Catherine. Eu não conseguia perceber o porquê da sua imprevista simpatia para com ela, já que ele era absolutamente amargo no pouco que dizia às outras pessoas. Não pude deixar de rir de mim própria quando descobri que afinal o seu interesse centrava-se numa pretensa herança de que Catherine viria a herdar dos Allen. Nunca passou pela minha mente que pudesse ser esta a razão do interesse dele simplesmente porque Catherine nunca deu esta impressão a ninguém. Este enredo de enganos criado por John Thorpe, que terá dito isto ao General Tilney, criou uma dinâmica à história muito interessante. E, gerou também a cena fulcral na Abadia de Northanger, que acontece quando Eleanor diz à Catherine que o pai dela exigia que ela partisse de imediato a meio da noite. Que tipo de pessoa é que põe um convidado para fora de casa a meio da madrugada? Ainda por cima, uma pessoa tão adorável e tão frágil quanto Catherine? Atitude vil e cobarde, a meu ver. E, é de destacar, ela não tinha qualquer culpa do engano criado.
Se eu ainda tinha alguma solidariedade pelo facto dele ter perdido a mulher perdia-a totalmente com esta atitude cruel. Preferia que ele fosse realmente um libertino reprimido, sempre seria mais interessante do que um homem desprovido de sentimentos.
General Tilney é o pai de Eleanor, Frederick e Henry Tilney no romance "Abadia de Northanger". É o protótipo do "pai tirano" presente neste romance para enfatizar a paródia ao gótico que Austen pretende fazer - todo o romance gótico precisa de um bom vilão.
Dentro dos romances de Jane Austen, em que a autora faz, maioritariamente dos pais bons carácteres, este é a excepção.
Li no blogue Jane Austen's Today que a personagem do General Tilney foi baseado num familiar de Jane Austen na realidade - o General Edward Mathew, o sogro do irmão mais velho de Jane Austen, James Austen.
Este General (verdadeiro) serviu no Exército com a Guarda Coldstream na Europa, na Guerra da Independência Americana e foi Governador de Grenada nos seus últimos dez anos de serviço. Reformou-se e foi viver para o campo onde residiu numa Mansão em Laverstoke, perto de Steventon onde a família Austen residiu. As semelhanças com o General Tilney levam-nos a acreditar que ele foi a inspiração para a criação desta personagem.
No romance, Catherine Morland, faz de General Tilney um assassino. E por momentos, leva-nos a acreditar nisso também. Vemos nele tudo o que um bom vilão deve ser: despótico, arrogante, irrascível e tirano!
A última passagem do livro aponta-nos para General Tilney: "Eu deixo ao critério, para aqueles que desejarem, se a tendência deste romance é, no seu todo, para recomendar tirania parental ou para recompensar desobediência filial".