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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

educação por géneros

- distinção entre rapazes e raparigas - 

 

Na época da Regência, a educação não era igualitária entre sexos.

 

Os rapazes

Eles aprendiam a ler e a escrever com os pais ou com um preceptor ou tutor.  Quando o menino fizesse dez anos, a aquisição de saber começaria a ser mais exigente e poderia continuar a ser ministrada em casa por um preceptor particular, por um professor da localidade que ensinasse a vários alunos ou  através do ingresso em uma escola pública. As áreas do saber ensinadas eram as línguas clássicas (latim e grego), literatura, matemática e história. As escolas públicas mais solicitadas na época eram a  Eton College, a Harrow School e a Winchester College. Esta etapa era, muitas vezes, a de preparação para a universidade.

 

 

Obviamente, a educação de um cavalheiro de posses poderia perfeitamente ser ministrada em casa, sem ter necessidade de recorrer a instituições de ensino. Acontece, porém, que alguns jovens desenvolveriam uma vontade de aprender e fortalecer o seu conhecimento. Noutros casos,  a ambição da família poderia ser a de que o jovem tivesse alguma relevância pública e, assim, ele teria necessariamente de ingressar em alguma escola e universidade. Das universidades saíam futuros membros do governo, do parlamento, advogados, juízes, entre outras áreas. Já quando falamos nas universidades públicas, as mais procuradas eram: Oxford e Cambridge. Mas, a universidade não seria exclusividade dos mais abastados, também cavalheiros conseguiam usufruir de uma bolsa de estudo.

 

Os que iriam seguir realmente uma profissão geralmente seriam os jovens que não recebiam um grande rendimentos ou herança e, por isso, teriam de ter uma garantia de subsistência. Eles seriam aprendizes (estagiários) após o tempo universitário, o que acontecia com aqueles que ingressavam a área do direito. Já os que estudassem num colégio militar, o caso de Eton, seriam cedo recrutados (aos 18 anos) como "captain's servants" o que correspondia ao escalão mais baixo para depois ir subindo na carreira. 

 

Com os mais abastados, mesmo que tenham ingressado numa área profissional que lhes desse prestígio público (direito e política), aconteceu durante muito tempo algo invejável. Após o tempo universitário, o jovem cavalheiro partiria numa viagem - que duraria de um a cinco anos - designada por "grand tour" onde ele viria a adquirir o conhecimento de novas línguas, novas culturas e obter objectos de arte. Durante o trajecto ele faria um género de "diário de viagem" para registar o seu "processo de aprendizagem".

 

 

As raparigas

A educação das jovens estava concentrada na aquisição e desenvolvimento das habilidades e talentos que as tornavam "prendadas" e, por isso, atractivas para o enlace matrimonial. Como foi dito no post anterior, as raparigas aprendiam línguas (no mínimo o francês), desenho, pintura, costura e bordado, dança, música; ou seja, habilidades práticas direccionadas para o lar e não para o estímulo do pensamento. Aliás toda a educação da mulher poderia ser feita em casa, em alguns casos até poderia ser que frequentasse a escola, mas nunca a universidade.

 

 

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Fontes:

A Regency Repository;

- Bolen, Cheryl; "The Education of Young Men and Women in the Regency";

- Sullivan, Margaret C.; "The Jane Austen Handbook: A Sensible Yet Elegant Guide to Her World";

- Ilustração retirada daqui;

- Imagem da série de 2009 da BBC, Emma,

 

 

dons e talentos #1

- a questão da mulher prendada -

qualidades e talentos para o casamento

 

 O objectivo fundamental da vida da mulher seria o casamento: arranjar um marido adequado, procriar e, futuramente, auxiliar os filhos e as filhas a arranjarem a noiva adequada. Tudo girava em torno disto. Certo é que nem todas conseguiriam encontrar alguém que correspondesse às expectativas, ou sequer fossem beneficiadas por uma proposta de casamento. Não sei se será exagero meu dizer que a profissão da mulher seria o matrimónio. E, como em qualquer profissão, implica um aprendizado e o desenvolvimento de certas “habilidades”. Não sei, talvez seja um pensamento cruel e triste aos nossos olhos cheios de século XXI.

 

 

 

"It is amazing to me," said Bingley, "how young ladies can have patience to be so very accomplished as they all are."

"All young ladies accomplished! My dear Charles, what do you mean?"

   "Yes, all of them, I think. They all paint tables, cover screens, and net purses. I scarcely know any one who cannot do all this, and I am sure I never heard a young lady spoken of for the first time, without being informed that she was very accomplished."

   "Your list of the common extent of accomplishments," said Darcy, "has too much truth. The word is applied to many a woman who deserves it no otherwise than by netting a purse or covering a screen. But I am very far from agreeing with you in your estimation of ladies in general. I cannot boast of knowing more than half a dozen, in the whole range of my acquaintance, that are really accomplished."

"Nor I, I am sure," said Miss Bingley. "Then," observed Elizabeth, "you must comprehend a great deal in your idea of an accomplished woman."

 "Yes, I do comprehend a great deal in it."

   "Oh! certainly," cried his faithful assistant, "no one can be really esteemed accomplished who does not greatly surpass what is usually met with. A woman must have a thorough knowledge of music, singing, drawing, dancing, and the modern languages, to deserve the word; and besides all this, she must possess a certain something in her air and manner of walking, the tone of her voice, her address and expressions, or the word will be but half deserved."

   "All this she must possess," added Darcy, "and to all this she must yet add something more substantial, in the improvement of her mind by extensive reading."

   "I am no longer surprised at your knowing only six accomplished women. I rather wonder now at your knowing any."

   "Are you so severe upon your own sex as to doubt the possibility of all this?"

   "I never saw such a woman. I never saw such capacity, and taste, and application, and elegance, as you describe united."

 

Esta passagem de "Orgulho e Preconceito" é, provavelmente, um dos melhores exemplos desta questão da "mulher prendada".  Mr. Bingley levanta a questão ao manifestar a sua admiração pelo facto de moças tão jovens serem habilidosas em tantas actividades como a pintura, bordado, dança, canto. A irmã mostra-se escandalizada  com o comentário dele como se fosse um absurdo pensar o oposto e se isto não fosse exercido com o máximo de excelência. A irmã chega a afirmar que uma mulher para ser realmente prendada tem de ter uma postura com "algo mais" ("she must possess a certain something in her air and manner of walking"). Darcy acha que poucas serão as mulheres realmente prendadas e Elizabeth, diante da concepção deles, acha que não existirá sequer uma.

 

Todo este diálogo é extremamente interessante. Em primeiro lugar, porque demonstra que a questão das jovens terem habilidades que fossem visível aos olhos de todos seria um factor que a qualificaria como alguém a ser valorizado e ponderado ou não numa presumível união. Para além do bom nome, posses, quiçá de um título, ser "prendada" era fundamental. Principalmente, para conseguir fazer um futuro matrimónio. Principalmente quando Mr. Bingley diz que "I am sure I never heard a young lady spoken of for the first time, without being informed that she was very accomplished" ele está a afirmar que sempre que ao ser apresentado a uma jovem esta informação é logo disponibilizada.

 

Na geração das nossas mães, uma mulher prendada é aquela que administrava o lar, ou seja, fazia a economia do lar, cozinhava, lavava e passava roupa (no tanque, s.f.f), costurava,  limpava a casa, cuidava dos filhos, tinha a comida feita nas horas certas e - se fosse muito moderna - tinha um emprego. Tudo isso, com um sorriso nos lábios. Uma mulher prendada nunca reclamava do seu destino, fosse ele qual fosse. Estava casada, tinha filhos e recebia sustento (na maior parte dos casos) do marido. Esse era o seu papel. Em meios pequenos, buscava-se - antes do casamento - saber se a mulher era de boas famílias e se tinha sido preparada para ser uma boa dona de casa.

 

Na nossa geração, não tenho certeza se este conceito de "mulher prendada" continua a existir de facto.  Pelo menos, não nesta concepção de ter de ser uma mulher sobrenaturalmente dotada de todas as habilidades dentro do lar. Acho que, em concreto, somos todas prendadas: aprendemos com nossas mães a lidar com a casa, mas estudamos, trabalhamos, abraçamos uma profissão e, imaginem, procuramos tempo para nós mesmas.

 

Esta questão sobre a mulher "prendada" na obra de Austen, faz-me sempre relembrar as teorias que encaram Jane como uma escritora a preconizar o feminismo. Há momentos em que concordo. Principalmente quando leio a reacção de Elizabeth Bennet ao discurso de Darcy e de Caroline Bingley no trecho acima transcrito. Contudo, quando leio outros trechos em que é abordada a questão e o interesse nos rendimentos que ambos pretendentes poderão vir a usufruir com o matrimónio faz-me pensar duas vezes se se tratará de uma crítica social ou se ela encararia esta questão como natural e, por isso, aceitável. A certeza que nutro é que Jane Austen não era como as mulheres de sua época e, parece-me, não tinha as mesmas ambições que as outras teriam. Talvez, por isso, a escrita: onde ridicularizava o que não aceitava, diminuía o que reconhecia valor e exaltava o que achava ser importante. Tudo o que escrevi são ilações mas, talvez, algumas possibilidades.