Aprecio a sua força, a sua resistência, a sua resiliência, a sua enorme coragem e o seu gigante coração. Peço desculpa a todas as outras, mas acho que Elinor é a heroína de Jane Austen que mais precisava de um final feliz, dada a tremenda solidão em que vivia. Acho que Edward é sem dúvida a melhor escolha para ela, enquanto casal, creio que se completam incrivelmente bem - à semelhança de Anne e Wentworth.
Elinor é uma "mulher de armas" que não fraqueja perante a adversidade por muito terramoto que vá dentro dela. É a mulher que sorri embora o coração esteja despedaçado. Faz-me lembrar muito aquela música "Smile" escrita por Chaplin. Mas para pessoas assim, é essencial e crucial que haja alguém com quem se possam abrir, com quem possam falar... e aí entra Edward para a vida de Elinor, e ainda bem!
Não posso deixar de me condoer com a situação de Elinor Dashwood desde o momento em que conhece Edward Ferrars até aos momentos finais da obra "Sensibilidade e Bom senso". Elinor apaixona-se por ele e vive a partir daí na esperança e ansiedade que ele a peça em casamento, o que não acontece senão no final e depois de muito sofrimento guardado em segredo. Entristece-me sobretudo aquela fase em que ele visita as Dashwood em Barton Cottage e se vai embora deixando Elinor na mesma expectativa, ou melhor, completamente destroçada e sem esperança.
"Esta falta de esperança,...trouxe maior tristeza a todos pela sua partida e deixou uma inpressão desconfortante, especialmente nos sentimentos de Elinor que precisaram de algum tempo e trabalho para serem dominados. Mas como estava determinada a vencê-los e a evitar deixar transparecer mais sofrimento do que todo aquele que a sua família sentira pela partida dele, não usou o método, tão judiciosamente empregue por Marianne, numa ocasião semelhante, para aumentar e conservar o seu desgosto, procurando o silêncio, a solidão e a desocupação. Os seus métodos eram tão diferentes como os seus objectivos e convinham igualmente ao avanço de ambos.
Elinor sentou-se à sua mesa de desenho logo que ele partiu e atarefadamente ocupou-se o dia todo, não procurando nem evitando o nome dele. Aparentou interessar-se, quase tanto como sempre, pelas preocupações gerais da família e se, por esta conduta, não diminuisse o seu próprio sofrimento, evitou pelo menos que ele aumentasse desnecessariamente, e a sua mãe e irmãs foram poupadas a muitas preocupações por sua causa."
Eu optei por comentar sobre uma heroína de cada obra de Jane Austen e construí uma escala de hierarquia para indicar as minha heroínas favoritas e a menos favorita.
1) Minha heroína favorita é Elizabeth Bennet. Eu a admiro por sua perspicácia, coragem, independência, altivez e inteligência; seu bom senso é louvável. O modo como ela analisa as pessoas, identifica as qualidades e defeitos de cada uma, apesar de ser dotado de preconceitos (principalmente no início da obra), é coerente com a forma como Jane Austen as descreve. Ao acompanharmos os pensamentos de Lizzy, vamos sendo apresentados as outras personagens e as suas personalidades. É muito rico e prazeroso seguir o seu amadurecimento no decorrer da história, a auto-análise que ela faz de seus erros e julgamentos é um exemplo de como lidar adequadamente com pré-conceitos e diversidades interpessoais. Além disso, ela é encantadora, culta, gentil, justa, ao mesmo tempo em que sabe ser irônica, “respondona”, desafiadora e intolerante. Para mim, é uma das melhores protagonistas criadas em toda a literatura mundial.
2) Em seguida, eu fico fascinada com a racionalidade e senso de realidade de Elinor Dashwood. Que mulher mais prática e perspicaz! E como sabe tomar decisões e enfrentar adversidades. Ela é capaz de abafar e esconder sentimentos intensos como nenhuma outra heroína de Jane Austen. Possui também um bom senso incrível e admirável.
3) Anne Elliot, apesar da aparente fragilidade, é uma heroína que vai atrás de seus sonhos. Arrepende-se dos erros do passado, se perdoa por sido persuadida e não permite que as oportunidades dadas pelo destino passem, ela as aproveita e retoma as redás de sua vida lutando por seu grande amor. Atitude inspiradora para todas nós!
4) Emma, para mim é a heroína mais controversa criada por Jane Austen, pois ela se distancia das outras em várias características: ela é dotada de fortuna, por isso não depende financeiramente de ninguém; não quer se casar, prefere aproveitar a vida de outro modo; é meio arrogante, pois por diversas vezes gaba-se de suas qualidades e tenta torná-las superiores as das outras mulheres. Porém, apesar de sua imaturidade, ela é doce, gentil, caridosa e inteligente. É comovente o zelo que tem com seu pai! Ela administra sua vida com autonomia, reconhece seus erros (após Mr. Knightley apontá-los) e tenta ajudar seus entes queridos. Uma mulher admirável!
5) Fanny Price é muito tímida, discreta, retraída, e, na minha opinião acomodada. A vida não lhe foi favorável em vários aspectos, mas ela soube (com a ajuda e apoio de Edmund) superar muitas dificuldades e situações tristes, em silêncio e, por vezes, isolada. Quieta, em seu canto, ela luta por sua felicidade. Prestativa, boa ouvinte e companheira, ela conquista a família Bertram, inclusive ao seu amor, Edmund. É corajosa em não aceitar a proposta de Henry e se manter resoluta diante dos argumentos e ameaças de todos. Mesmo sendo tão silenciosa e discreta, Fanny soube impor-se e garantir sua felicidade.
6) Catarina Morland é a minha heroína menos preferida. Realmente, eu não me identifico com ela. Como é imatura e influenciável! Ela me remete àquelas adolescentes deslumbradas com seus ídolos, inocentes, presunçosas, sugestionáveis por qualquer estória ou “rostinho” bonito. Mas, é muito agradável acompanhar sua evolução ao longo da história. As situações que favorecem o seu amadurecimento são engraçadas e causam constrangimento (como o seu pânico ao ficar no escuro ou mesmo fantasiar sobre a morte da mãe de Henry Tilney), mas as tornam mais esperta, menos influenciável, menos impressionável, mais astuta e madura. Ao fim, é possível admirá-la e ficar satisfeita com sua evolução enquanto mulher e heroína digna da obra de Jane Austen.
Com o pretexto da uma suposta simpatia e de um desejo de amizade, Lucy Steele aproxima-se de Elinor. O seu interesse, como sabemos seria defender o que ela entendia ser seu: Edward Ferrars. Em concreto, ela teria razão. Ele teria feito uma promessa e estabelecido um compromisso. Ela supostamente também devolveria algum tipo de afecto. Posteriormente, constatamos que o afecto residiria no facto de Edward ser o filho mais velho de Mrs. Ferrars e, portanto, o herdeiro por direito. O que Lucy Steele não contava é que Mrs. Ferrars retirasse o direito de primogenitura de Edward e transferi-lo para o irmão mais novo, após Edward assumir publicamente o seu compromisso com Lucy. Igualmente, Lucy “transfere” o seu “afecto” para Robert.
Lucy Steele de Sensibilidade e Bom Senso 2008 é interpretada por Anna Madeley. Ela cria uma Lucy sonsa e obviamente falsa. Elinor não precisaria ser muito inteligente para detectar nela uma falsa pretensão de amizade. Não posso dizer que seja uma má prestação porque não é; mas eu confesso que imagino uma Lucy mais maquiavélica do que esta.
Edward procura Elinor na Biblioteca. Isto acontece quando as Dashwood estão a arrumar os seus pertences e a preparar a partida de Norland. Esta é uma das cenas que eu considero perfeita nesta mini-série. Edward procura Elinor para se despedir dela. Ele não sabe muito bem como agir; meio constrangido, meio hesitante. Lemos em seus gestos o desejo de lhe revelar e de falar livremente sobre o que sente e sobre o que o retém. Ela, por seu lado, está expectante por uma declaração de sentimentos por parte dele. Hattie/Elinor parece que respira com dificuldade na ansiedade de ouvir-lhe as palavras esperadas. Os seus olhos estão fixos e brilham. Edward olha para todos os lados, não sabe que palavras usar e, por fim, entrega-lhe um livro de presente. Ele sai da biblioteca como quem foge de si mesmo. Elinor fica estática, estupefacta e surpresa.
Dan Stevens inicialmente apresenta-nos um lado tímido aliado à um certo ar de humor. É o irmão mais velho de Fanny que mostra, desde o início, o quão diferente é desta e, por consequência, da restante família. Ele revela-se despretensioso e reservado. Tudo nele é calma e simplicidade.
Conforme a história se desenvolve também verificamos a evolução que Dan Stevens confere ao personagem: a tranquilidade o abandona. Quando Mrs. Dashwood anuncia que ela e as filhas irão partir de Norland, a serenidade de gestos é substituída por frustração e também – à semelhança de Hattie/Elinor – uma postura de contenção. Frustração, contenção e hesitação. Parece que lemos em seus olhos: “o que vou fazer agora?”. Ele quer revelar o seu sentimento mas, ao mesmo tempo, tem que manter a sua palavra e o segredo. Há sofrimento e alguma revolta em todo este processo de contenção e de frustração.
Em tudo isto, Dan Stevens transporta-nos para dentro do coração de Edward. Revela-nos a sua angústia. Revela-nos a sua integridade. Revela-nos, inclusive, o quão semelhante ele é de Elinor: ambos sabem guardar um sentimento, respeitar um segredo e cumprir a palavra dada. Ambos têm capacidade de contenção, de sofrimento e de sacrifício.
Eu afirmei, no post anterior, que Dan Stevens selou o meu processo de reconciliação com Edward Ferrars. Para além de tudo o que tenho deduzido sobre Edward, ao longo dos anos e de muitas releituras, esta interpretação deu voz activa ao personagem e fez-me entender a dimensão de sofrimento de Edward. O resultado do trabalho feito em Sensibilidade e Bom Senso 2008 é, no fundo, resultado de uma dupla interpretação: do argumentista e do actor. Agradou-me esta dupla leitura. Agradou-me este Edward profundamente angustiado e em conflito com as suas próprias convicções. Sobretudo, agradou-me ver um Edward com um ar indiscutivelmente apaixonado.
Por tudo isto, acho que Dan Stevens – com a sua interpretação de Edward Ferrars – é o grande homem desta mini-série.
Em Sensibilidade e Bom Senso, Jane Austen escreve que Edward Ferrars:
“Não era bonito e os seus modos necessitavam de intimidade para se tornarem agradáveis. Era muito inseguro para fazer justiça a si próprio, mas quando vencia a timidez natural todo o seu comportamento mostrava que possuía um coração terno e bom. A educação dera solidez à sua inteligência.”
Em Sensibilidade e Bom Senso 2008, Edward Ferrars surge na história de maneira inusitada: ele chega no momento em Elinor está a bater os tapetes que Fanny teria mandado as empregadas limparem. Ele a cumprimenta com um tom brincalhão e bem-humorado. Sobre a chegada deste personagem o livro não revela muito e apenas diz o seguinte:“um jovem simpático e de boa aparência que lhes foi apresentado pouco depois da vinda de sua irmã para Norland”. Ao ver esta cena, fica-se com uma primeira impressão totalmente oposta àquela concebida por Jane já que ele não demonstra muita timidez. Por outro lado, também - temos que admitir - que o Edward Ferrars desta versão afasta-se do livro relativamente à aparência, já que é extremamente belo.
Apesar de tudo isto, eu adoro esta cena e também toda a interpretação de Dan Stevens. Esta cena cria de imediato uma química entre o casal Edward/Elinor. Embora pareça inicialmente que este Edward possa vir a ser alguém distante do original, acabo por pensar justamente o oposto. A timidez e a insegurança que são características da personalidade de Edward revelam-se gradualmente. O tom de voz, a sua postura corporal, os seus gestos, tudo isto denota uma maneira de ser pausada, tranquila e recatada. Um Edward Ferrars que não gosta de ser o centro das atenções, ou como diria Jane: “não tinha queda para grandes homens nem para grandes carruagens. Todos os seus desejos se centralizam no conforto doméstico e na calma da vida familiar”.
Edward/Dan passa-nos uma serenidade que adivinhamos na personagem criada por Jane Austen. O que me impressiona é que ele consegue conjugar todo este lado da timidez com um certo humor.
Devo dizer que Dan Stevens é outro actor que eu não conhecia até ver esta mini-série, e surpreendeu-me. Devo dizer que, junto com Hattie Morahan, é uma das interpretações de que eu mais gosto nesta produção. Aliás, ambos (Dan Stevens e Hattie Morahan) fizeram um casal extremamente convincente e apaixonante.
A prestação de Dan Stevens impressiou-me e veio selar o meu processo de reconciliação com Edward Ferrars.