A primeira vez a que assisti à adaptação de 1981 de Sensibilidade e Bom Senso, fiquei imediatamente admirada com a semelhança tão profunda e inerente de Bosco Hogan a Edward Ferrars. A estrenheza, o seu incómodo junto de estranhos, a timidez, alguma tacanhez, tudo isso Bosco Hogan passa para a tela, reproduzindo quase milimetricamente o Edward Ferrars de Jane Austen. Se bem que não seja tão destituído assim de beleza! Creio que até hoje nenhum actor que tenha representado este papel conseguiu fazê-lo tão bem quanto Bosco Hogan, embora todos os outros tenham feito um excelente trabalho, mas Hugh Grant e Dan Stevens criaram o "seu" Edward Ferrars e não o de Jane Austen.
Com o pretexto da uma suposta simpatia e de um desejo de amizade, Lucy Steele aproxima-se de Elinor. O seu interesse, como sabemos seria defender o que ela entendia ser seu: Edward Ferrars. Em concreto, ela teria razão. Ele teria feito uma promessa e estabelecido um compromisso. Ela supostamente também devolveria algum tipo de afecto. Posteriormente, constatamos que o afecto residiria no facto de Edward ser o filho mais velho de Mrs. Ferrars e, portanto, o herdeiro por direito. O que Lucy Steele não contava é que Mrs. Ferrars retirasse o direito de primogenitura de Edward e transferi-lo para o irmão mais novo, após Edward assumir publicamente o seu compromisso com Lucy. Igualmente, Lucy “transfere” o seu “afecto” para Robert.
Lucy Steele de Sensibilidade e Bom Senso 2008 é interpretada por Anna Madeley. Ela cria uma Lucy sonsa e obviamente falsa. Elinor não precisaria ser muito inteligente para detectar nela uma falsa pretensão de amizade. Não posso dizer que seja uma má prestação porque não é; mas eu confesso que imagino uma Lucy mais maquiavélica do que esta.
Podemos apreciar, ao longo de Sensibilidade e Bom Senso 2008, alguns momentos de teor melancólico. Geralmente, são cenas com Elinor. Uma melancolia longe de arroubos e de pieguices. Uma melancolia serena, madura e reflexiva. Uma melancolia à imagem de Elinor.
Este é, sem dúvida, um dos aspectos de que mais gosto nesta série. Esta sequência que coloco a seguir é linda... Elinor a relembrar Edward.
1º de tudo o Edward é uma personagem que eu gosto bastante, apesar da minha dualidade de sentimentos como já vão reparar pela minha análise. No que toca a adaptações eu acho mesmo que o Hugh Grant foi mesmo perfeito como Edward Ferrars. Apesar de gostar de Edward porque no fundo ele consegui fazer frente a todos por amor, não deixa de ser, na minha opinião um homem um pouco fraco, apenas decidido em fazer a sua mãe feliz e seguir o plano que ela tem traçado para ele. Ao mesmo tempo que se apresenta "obediente" à sua mãe e irmã, comete uma "ilegalidade" e nas costas destas fica noivo de Lucy, mesmo sabendo que a sua família está inteiramente contra esse cenário.Talvez o noivado seja uma forma de escape e revolta contra as regras ditadas pela sua família, no que diz respeito ao seu futuro pessoal e monetário.
Apesar de amar Elinor, Edward mantém a sua promessa de casamento com Lucy, o que reflecte um homem integro e com valores que pensa nos outros em deterimento dos seus sentimentos. No final talvez se terá apercebido de que ao "abafar" os seus sentimentos por Elinor, está também a ferir os sentimentos da mulher que ama. No entanto, mesmo no momento em que finalmente fala dos seus sentimentos a Elinor, eles são escassos e deixam Elinor um pouco confusa à espera de um pedido, que não vem logo... No fundo apesar de ser um homem passivo, é um homem apaixonado, sensível e com bons principios morais e como tal, merece todo o meu respeito.
Edward procura Elinor na Biblioteca. Isto acontece quando as Dashwood estão a arrumar os seus pertences e a preparar a partida de Norland. Esta é uma das cenas que eu considero perfeita nesta mini-série. Edward procura Elinor para se despedir dela. Ele não sabe muito bem como agir; meio constrangido, meio hesitante. Lemos em seus gestos o desejo de lhe revelar e de falar livremente sobre o que sente e sobre o que o retém. Ela, por seu lado, está expectante por uma declaração de sentimentos por parte dele. Hattie/Elinor parece que respira com dificuldade na ansiedade de ouvir-lhe as palavras esperadas. Os seus olhos estão fixos e brilham. Edward olha para todos os lados, não sabe que palavras usar e, por fim, entrega-lhe um livro de presente. Ele sai da biblioteca como quem foge de si mesmo. Elinor fica estática, estupefacta e surpresa.
Dan Stevens inicialmente apresenta-nos um lado tímido aliado à um certo ar de humor. É o irmão mais velho de Fanny que mostra, desde o início, o quão diferente é desta e, por consequência, da restante família. Ele revela-se despretensioso e reservado. Tudo nele é calma e simplicidade.
Conforme a história se desenvolve também verificamos a evolução que Dan Stevens confere ao personagem: a tranquilidade o abandona. Quando Mrs. Dashwood anuncia que ela e as filhas irão partir de Norland, a serenidade de gestos é substituída por frustração e também – à semelhança de Hattie/Elinor – uma postura de contenção. Frustração, contenção e hesitação. Parece que lemos em seus olhos: “o que vou fazer agora?”. Ele quer revelar o seu sentimento mas, ao mesmo tempo, tem que manter a sua palavra e o segredo. Há sofrimento e alguma revolta em todo este processo de contenção e de frustração.
Em tudo isto, Dan Stevens transporta-nos para dentro do coração de Edward. Revela-nos a sua angústia. Revela-nos a sua integridade. Revela-nos, inclusive, o quão semelhante ele é de Elinor: ambos sabem guardar um sentimento, respeitar um segredo e cumprir a palavra dada. Ambos têm capacidade de contenção, de sofrimento e de sacrifício.
Eu afirmei, no post anterior, que Dan Stevens selou o meu processo de reconciliação com Edward Ferrars. Para além de tudo o que tenho deduzido sobre Edward, ao longo dos anos e de muitas releituras, esta interpretação deu voz activa ao personagem e fez-me entender a dimensão de sofrimento de Edward. O resultado do trabalho feito em Sensibilidade e Bom Senso 2008 é, no fundo, resultado de uma dupla interpretação: do argumentista e do actor. Agradou-me esta dupla leitura. Agradou-me este Edward profundamente angustiado e em conflito com as suas próprias convicções. Sobretudo, agradou-me ver um Edward com um ar indiscutivelmente apaixonado.
Por tudo isto, acho que Dan Stevens – com a sua interpretação de Edward Ferrars – é o grande homem desta mini-série.
Em Sensibilidade e Bom Senso, Jane Austen escreve que Edward Ferrars:
“Não era bonito e os seus modos necessitavam de intimidade para se tornarem agradáveis. Era muito inseguro para fazer justiça a si próprio, mas quando vencia a timidez natural todo o seu comportamento mostrava que possuía um coração terno e bom. A educação dera solidez à sua inteligência.”
Em Sensibilidade e Bom Senso 2008, Edward Ferrars surge na história de maneira inusitada: ele chega no momento em Elinor está a bater os tapetes que Fanny teria mandado as empregadas limparem. Ele a cumprimenta com um tom brincalhão e bem-humorado. Sobre a chegada deste personagem o livro não revela muito e apenas diz o seguinte:“um jovem simpático e de boa aparência que lhes foi apresentado pouco depois da vinda de sua irmã para Norland”. Ao ver esta cena, fica-se com uma primeira impressão totalmente oposta àquela concebida por Jane já que ele não demonstra muita timidez. Por outro lado, também - temos que admitir - que o Edward Ferrars desta versão afasta-se do livro relativamente à aparência, já que é extremamente belo.
Apesar de tudo isto, eu adoro esta cena e também toda a interpretação de Dan Stevens. Esta cena cria de imediato uma química entre o casal Edward/Elinor. Embora pareça inicialmente que este Edward possa vir a ser alguém distante do original, acabo por pensar justamente o oposto. A timidez e a insegurança que são características da personalidade de Edward revelam-se gradualmente. O tom de voz, a sua postura corporal, os seus gestos, tudo isto denota uma maneira de ser pausada, tranquila e recatada. Um Edward Ferrars que não gosta de ser o centro das atenções, ou como diria Jane: “não tinha queda para grandes homens nem para grandes carruagens. Todos os seus desejos se centralizam no conforto doméstico e na calma da vida familiar”.
Edward/Dan passa-nos uma serenidade que adivinhamos na personagem criada por Jane Austen. O que me impressiona é que ele consegue conjugar todo este lado da timidez com um certo humor.
Devo dizer que Dan Stevens é outro actor que eu não conhecia até ver esta mini-série, e surpreendeu-me. Devo dizer que, junto com Hattie Morahan, é uma das interpretações de que eu mais gosto nesta produção. Aliás, ambos (Dan Stevens e Hattie Morahan) fizeram um casal extremamente convincente e apaixonante.
A prestação de Dan Stevens impressiou-me e veio selar o meu processo de reconciliação com Edward Ferrars.