Margaret Dashwood, a Dashwood mais nova que na história conta apenas com 13 anos; e Fanny Price, também ela uma jovem de 10 anos quando chega a Mansfield, são o exemplo perfeito (creio eu) para mostrar a educação feminina da época.
Embora existissem escolas, estas estavam muito conotadas com jovens órfãs, a quem era ensinado o mínimo indispensável para se tornarem governantas de famílias ricas. A classe alta da sociedade, contava com a ajuda das governantas para educar e ensinar a sua descendência feminina nos primeiros anos de vida. Só mais tarde, já na adolescência, poderia acontecer que as filhas das famílias ricas fossem mandadas para a escola, maioritariamente em regime de internato, onde aprendiam a ser "prendadas" e onde concluiam a sua formação antes de iniciarem a busca pelo companheiro ideal.
Margaret Dashwood, diz-nos Jane Austen, não era nenhuma sumidade, pelo menos em relação às irmãs - ambas detentoras de uma considerável dose de inteligência. Com toda a tragédia que ocorre na sua família - morte do pai, abandono de Norland, início de vida em Barton Cottage - a sua educação e formação, foi um tanto ou quanto negligenciada. Em nenhum lado, Jane Austen nos informa da existência de governantas, por isso suponho que a formação de Margaret Dashwood estivesse inteiramente nas mãos de Mrs. Dashwood, mesmo no tempo de Norland.
No caso de Margaret, a sua educação passou apenas pelas mãos da mãe, pela leitura de livros (basicamente, história e religiosos - como era comum) e talvez alguma iniciação em música ou pintura, tão naturais na época. Já Fanny, recebeu instrução por via de uma governanta, contratada para ensinar as Bertram e que acabou por ensinar também Fanny, iniciando-a em História, Geografia e Línguas. Sabemos que grande parte do desenvolvimento cultural de Fanny passou pela leitura de livros recomendados pelo primo, Edmund, essenciais para complementar a base da sua educação, fornecendo-lhe os princípios correctos. Fanny não foi educada apenas para ser prendada e encontrar o melhor par possível (melhor no sentido de riqueza), Fanny foi educada para agir de acordo com a sua consciência, para pensar nas consequências das suas acções e por isso, para encontrar a felicidade verdadeira e sem vernizes, ao contrário das suas primas Bertram, cuja educação serviu apenas para envernizar e polir o seu comportamento, pois, na base, pouco ou nada tinham de consistente.
Fanny e Margaret receberam educações diferentes, todavia, podemos dizer que na época, a mulher estava limitada na sua formação. O destino natural da mulher era o casamento e a sua educação era feita em função desse objectivo. A maioria das mulheres, longe das classes altas, não tinha sequer acesso a qualquer sombra de formação, o seu papel na sociedade passava pela família a que se acumulava a exploração no trabalho - pois não se esqueçam que estávamos em plena Revolução Industrial. Portanto, apesar de gostar muito da forma como Jane Austen consegue mostrar o carácter humano - e de ser isso que move a sua popularidade hoje em dia -, gosto de ter sempre presente que ela retrata uma sociedade hoje ultrapassada e caduca, assente em discriminações e preconceitos de classe muito grandes onde a pobreza era muita e o papel da mulher claramente inferiorizado - Jane, pela sua escrita e também pela sua vida, mostra-nos o início da independência feminina e concede-nos heroínas cultas e inteligentes e que sobreviveriam facilmente sem casamento, mas que tiveram a sorte de encontrar o amor da sua vida.
Em primeiro lugar, convém distinguir, dentro do termo 'governantas', aquele que define a mulher que tratava da educação das crianças e aquele, surgido mais tarde, que tratava não só das crianças (mais o bem estar pessoal que a educação) mas também da casa. Este último termo é o que actualmente mais conhecemos, dado que as governantas na educação passaram a ser as professoras propriamente ditas e as escolas.
No entanto, na época da regência, as governantas (governess) eram mulheres que se dedicavam exclusivamente à educação dos filhos de famílias ricas e principalmente das meninas dado que só os homens frequentavam as universidades. Daí podemos afirmar que a educação das meninas dependia largamente da perspicácia e sorte com que os pais escolhiam as suas governantas.
Por norma, as governantas eram mulheres de nascimento gentil, com um nível aceitável de educação, boas maneiras e um conhecimento da sociedade e seu funcionamento que lhes permitia, muitas das vezes, serem tratadas como membros da família. Não era incomum encontrar jovens senhoras amplamente instruídas a ocupar estes cargos (veja-se por exemplo o caso de Miss Taylor/Mrs Weston na obra de Jane Austen 'Emma' ou ainda Jane Eyre na obra de Charlotte Bronte). Mas encontravam-se também algumas que eram apenas competentes e dedicadas ao ensino. Não podemos, no entanto, esquecer que esta função era exercida normalmente porque estas mulheres vinham de famílias com poucos recursos e com necessidade de obterem meios para se sustentarem.
As funções das governantas na educação das crianças passavam pelo ensino da escrita e leitura, estudo de línguas (o francês por norma), bordar (caso das meninas), música, diálogos racionais e instrutivos e ainda o hábito de exercícios saudáveis. Estas actividades eram organizadas e definidas pela própria governanta, tendo em conta evidentemente os desejos dos pais. A elas cabia ainda a função de dar conselhos adequados e saudáveis.
As governantas eram normalmente tratadas como membros das famílias onde se empregavam, algumas eram bastante queridas pelos seus alunos e algumas chegavam mesmo a viver para sempre com essas famílias, isto quando não lhes era dada uma pensão para a sua aposentação. No entanto, havia também aquelas que viviam uma vida de solidão, preenchendo as suas horas de folga da melhor maneira possível e que não eram tão queridas pelos seus alunos ou familiares destes; por norma, estas eram consideradas apenas como mais uma criada apesar de o seu nível de instrução ser, muitas vezes, superior ao dos seus empregadores.
Na época da Regência, a educação não era igualitária entre sexos.
Os rapazes
Eles aprendiam a ler e a escrever com os pais ou com um preceptor ou tutor.Quando o menino fizesse dez anos, a aquisição de saber começaria a ser mais exigente e poderia continuar a ser ministrada em casa por um preceptor particular, por um professor da localidade que ensinasse a vários alunos ouatravés do ingresso em uma escola pública. As áreas do saber ensinadas eram as línguas clássicas (latim e grego), literatura, matemática e história. As escolas públicas mais solicitadas na época eram aEton College, a Harrow School e a Winchester College. Esta etapa era, muitas vezes, a de preparação para a universidade.
Obviamente, a educação de um cavalheiro de posses poderia perfeitamente ser ministrada em casa, sem ter necessidade de recorrer a instituições de ensino. Acontece, porém, que alguns jovens desenvolveriam uma vontade de aprender e fortalecer o seu conhecimento. Noutros casos,a ambição da família poderia ser a de que o jovem tivesse alguma relevância pública e, assim, ele teria necessariamente de ingressar em alguma escola e universidade. Das universidades saíam futuros membros do governo, do parlamento, advogados, juízes, entre outras áreas. Já quando falamos nas universidades públicas, as mais procuradas eram: Oxford e Cambridge. Mas, a universidade não seria exclusividade dos mais abastados, também cavalheiros conseguiam usufruir de uma bolsa de estudo.
Os que iriam seguir realmente uma profissão geralmente seriam os jovens que não recebiam um grande rendimentos ou herança e, por isso, teriam de ter uma garantia de subsistência. Eles seriam aprendizes (estagiários) após o tempo universitário, o que acontecia com aqueles que ingressavam a área do direito. Já os que estudassem num colégio militar, o caso de Eton, seriam cedo recrutados (aos 18 anos) como "captain's servants" o que correspondia ao escalão mais baixo para depois ir subindo na carreira.
Com os mais abastados, mesmo que tenham ingressado numa área profissional que lhes desse prestígio público (direito e política), aconteceu durante muito tempo algo invejável. Após o tempo universitário, o jovem cavalheiro partiria numa viagem - que duraria de um a cinco anos - designada por "grand tour" onde ele viria a adquirir o conhecimento de novas línguas, novas culturas e obter objectos de arte. Durante o trajecto ele faria um género de "diário de viagem" para registar o seu "processo de aprendizagem".
As raparigas
A educação das jovens estava concentrada na aquisição e desenvolvimento das habilidades e talentos que as tornavam "prendadas" e, por isso, atractivas para o enlace matrimonial. Como foi dito no post anterior, as raparigas aprendiam línguas (no mínimo o francês), desenho, pintura, costura e bordado, dança, música; ou seja, habilidades práticas direccionadas para o lar e não para o estímulo do pensamento. Aliás toda a educação da mulher poderia ser feita em casa, em alguns casos até poderia ser que frequentasse a escola, mas nunca a universidade.
Ainda realço o livro "The Jane Austen Handbook: A Sensible Yet Elegant Guide to Her World" de Margaret C. Sullivan - que estou a adorar - para falar sobre as boas maneiras na escrita das cartas. Trata-se quase de um encontro entre o tema do mês anterior e o deste mês.
Ela refere que era absolutamente impróprio para pessoas solteiras e sem ter qualquer parentesco trocarem correspondência. Ao contrário desta regra, Margaret Sullivan destaca que podemos verificar ao longo da obra de Jane Austen inúmeros dos seus heróis e heroínas trocarem cartas e, algumas, intensas. O que esta escritora explica, de uma maneira muito simples, é que as cartas foram introduzidas com um pressuposto ou de compromisso ou foram entregues em privado no enredo de cada livro de Jane Austen:
- Marianne Dashwood escreveu para Willougby mas Elinor acreditava existir um compromisso entre eles; - Catherine Morland e Mr. Tilney trocaram correspondência e os pais de Catherine relevavam porque eles tinham um compromisso; - Mr. Martin escreveu a Harriet Smith a propôr casamento; - Mr. Darcy entregou a carta para Elizabeth Bennet a explicar suas acções em privado; - Wentworth escreveu à Anne Elliot mas sem ninguém dar conta de tal, a não ser ela;
No livro "The Jane Austen Handbook: A Sensible Yet Elegant Guide to Her World",Margaret C. Sullivan fornece uma visão panorâmica sobre a sociedade, as maneiras e os costumes da época de Jane Austen - a Regência.Um dos capítulos intitula-se"Become an acomplished Lady" cujo o conteúdo dá uma visão resumida, mas esclarecedora, dos predicados que uma jovem deveria ter e desenvolver para se tornar aos olhos dos pretendentes e de suas famílias uma atractiva possibilidade.
Os requisitos eram elevados e, portanto, mesmo possuindo um talento natural a jovem deveria trabalhar arduamente para alcançar a excelência. Possuir dons e talentos inatos não bastava. Era indispensável o empenho e a dedicação.
As áreas a serem" trabalhadas" seriam:
-Aprender e estudar várias línguas;
-Ter conhecimento fundamentado de história e geografia;
-Ser exímia em canto e a tocar instrumentos musicais: pianoforte e, melhor ainda, harpa. Relembrem Mary Crawford a encantar todos de Mansfield Park (inclusive Fanny) a tocar harpa, bem como Marianne Dashwood a transbordar de talento no pianoforte. O curioso, neste aspecto, é que Margaret Sullivan refere que ter excelência em canto e a tocar um instrumento seria um factor positivo para entreter os convidados do marido em futuras reuniões…
-Saber desenhar e pintar;
-Dominar a arte de bordar;
-Saber dançar com graciosidade.
Mr. Darcy acrescentaria que também seria fundamental que a jovem cultivasse a leitura e tivesse um vasto conhecimento de literatura.
Ser mulher, jovem , solteira e atractiva na época da Regência não era tarefa fácil.
(Ilustração retirada do livro, da autoria de Kathryn Rathke)
O objectivo fundamental da vida da mulher seria o casamento: arranjar um marido adequado, procriar e, futuramente, auxiliar os filhos e as filhas a arranjarem a noiva adequada. Tudo girava em torno disto. Certo é que nem todas conseguiriam encontrar alguém que correspondesse às expectativas, ou sequer fossem beneficiadas por uma proposta de casamento. Não sei se será exagero meu dizer que a profissão da mulher seria o matrimónio. E, como em qualquer profissão, implica um aprendizado e o desenvolvimento de certas “habilidades”. Não sei, talvez seja um pensamento cruel e triste aos nossos olhos cheios de século XXI.
"It is amazing to me," said Bingley, "how young ladies can have patience to be so very accomplished as they all are."
"All young ladies accomplished! My dear Charles, what do you mean?"
"Yes, all of them, I think. They all paint tables, cover screens, and net purses. I scarcely know any one who cannot do all this, and I am sure I never heard a young lady spoken of for the first time, without being informed that she was very accomplished."
"Your list of the common extent of accomplishments," said Darcy, "has too much truth. The word is applied to many a woman who deserves it no otherwise than by netting a purse or covering a screen. But I am very far from agreeing with you in your estimation of ladies in general. I cannot boast of knowing more than half a dozen, in the whole range of my acquaintance, that are really accomplished."
"Nor I, I am sure," said Miss Bingley. "Then," observed Elizabeth, "you must comprehend a great deal in your idea of an accomplished woman."
"Yes, I do comprehend a great deal in it."
"Oh! certainly," cried his faithful assistant, "no one can be really esteemed accomplished who does not greatly surpass what is usually met with. A woman must have a thorough knowledge of music, singing, drawing, dancing, and the modern languages, to deserve the word; and besides all this, she must possess a certain something in her air and manner of walking, the tone of her voice, her address and expressions, or the word will be but half deserved."
"All this she must possess," added Darcy, "and to all this she must yet add something more substantial, in the improvement of her mind by extensive reading."
"I am no longer surprised at your knowing only six accomplished women. I rather wonder now at your knowing any."
"Are you so severe upon your own sex as to doubt the possibility of all this?"
"I never saw such a woman. I never saw such capacity, and taste, and application, and elegance, as you describe united."
Esta passagem de "Orgulho e Preconceito" é, provavelmente, um dos melhores exemplos desta questão da "mulher prendada".Mr. Bingley levanta a questão ao manifestar a sua admiração pelo facto de moças tão jovens serem habilidosas em tantas actividades como a pintura, bordado, dança, canto. A irmã mostra-se escandalizadacom o comentário dele como se fosse um absurdo pensar o oposto e se isto não fosse exercido com o máximo de excelência. A irmã chega a afirmar que uma mulher para ser realmente prendada tem de ter uma postura com "algo mais" ("she must possess a certain something in her air and manner of walking"). Darcy acha que poucas serão as mulheres realmente prendadas e Elizabeth, diante da concepção deles, acha que não existirá sequer uma.
Todo este diálogo é extremamente interessante. Em primeiro lugar, porque demonstra que a questão das jovens terem habilidades que fossem visível aos olhos de todos seria um factor que a qualificaria como alguém a ser valorizado e ponderado ou não numa presumível união. Para além do bom nome, posses, quiçá de um título, ser "prendada" era fundamental. Principalmente, para conseguir fazer um futuro matrimónio. Principalmente quando Mr. Bingley diz que "I am sure I never heard a young lady spoken of for the first time, without being informed that she was very accomplished" ele está a afirmar que sempre que ao ser apresentado a uma jovem esta informação é logo disponibilizada.
Na geração das nossas mães, uma mulher prendada é aquela que administrava o lar, ou seja, fazia a economia do lar, cozinhava, lavava e passava roupa (no tanque, s.f.f), costurava,limpava a casa, cuidava dos filhos, tinha a comida feita nas horas certas e - se fosse muito moderna - tinha um emprego. Tudo isso, com um sorriso nos lábios. Uma mulher prendada nunca reclamava do seu destino, fosse ele qual fosse. Estava casada, tinha filhos e recebia sustento (na maior parte dos casos) do marido. Esse era o seu papel. Em meios pequenos, buscava-se - antes do casamento - saber se a mulher era de boas famílias e se tinha sido preparada para ser uma boa dona de casa.
Na nossa geração, não tenho certeza se este conceito de "mulher prendada" continua a existir de facto.Pelo menos, não nesta concepção de ter de ser uma mulher sobrenaturalmente dotada de todas as habilidades dentro do lar. Acho que, em concreto, somos todas prendadas: aprendemos com nossas mães a lidar com a casa, mas estudamos, trabalhamos, abraçamos uma profissão e, imaginem, procuramos tempo para nós mesmas.
Esta questão sobre a mulher "prendada" na obra de Austen, faz-me sempre relembrar as teorias que encaram Jane como uma escritora a preconizar o feminismo. Há momentos em que concordo. Principalmente quando leio a reacção de Elizabeth Bennet ao discurso de Darcy e de Caroline Bingley no trecho acima transcrito. Contudo, quando leio outros trechos em que é abordada a questão e o interesse nos rendimentos que ambos pretendentes poderão vir a usufruir com o matrimónio faz-me pensar duas vezes se se tratará de uma crítica social ou se ela encararia esta questão como natural e, por isso, aceitável. A certeza que nutro é que Jane Austen não era como as mulheres de sua época e, parece-me, não tinha as mesmas ambições que as outras teriam. Talvez, por isso, a escrita: onde ridicularizava o que não aceitava, diminuía o que reconhecia valor e exaltava o que achava ser importante. Tudo o que escrevi são ilações mas, talvez, algumas possibilidades.