Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

Entre Cunhadas: Jane Bingley e Caroline Bringley

 

Jane Austen não nos dá nenhuma pista acerca do futuro da relação entre Jane e Caroline. Sabemos que no início da história de Orgulho e Preconceito, Miss Bingley tem Jane Bennet numa boa conta (não fosse o facto de ter tão más relações familiares) e até lhe presta algumas atenções, talvez por, no fundo no fundo, gostar muito do irmão e se, este considera Jane Bennet como a mulher da sua vida, há que fazer um esforço. Porém, a teia que afasta Bingley de Jane é tecida indubitavelemente por Mr. Darcy e Miss Bingley – o primeiro, por considerar que Jane não tem verdadeiro e profundo afecto por Bingley; a segunda, por sentir alívio em deixar de ter possíveis relações familiares com “gente como os Bennet” e não tanto por causa de Jane Bennet em si.

 

O distanciamento, frieza e rudeza do (re)encontro em Londres entre Miss Bingley e Miss Bennet são um balde de água fria para a bondosa Jane e demonstram uma enorme falta de educação por parte de Caroline Bingley que nem mesmo o ingénuo coração de Jane Bennet poderia deixar de notar. Quando Lizzie explica a verdadeira história sobre o que aconteceu em Londres e o porquê de Mr. Bingley nunca se ter apresentado a Jane enquanto esta lá permaneceu, quebra-se a confiança que poderia existir entre Jane e Caroline.

 

Depois do casamento com Mr. Bingley, que relação se terá criado entre ambas? Não tenho resposta certa, por isso vou tentar adivinhar! O cinismo de Caroline actuou certamente em todos os segundos de interação com Jane, passando pelo passado atribulado uma esponja.

 

Da parte de Jane, sou tentada a achar que encontrou uma justificação plausível para a atitude de Caroline Bingley, perdoando-lhe o egoísmo, a vaidade e snobismo... mas daí a tomá-la no coração como uma verdadeira irmã ou permitir que se restabelecesse e alimentasse uma forte confiança, julgo que não, nem mesmo para Jane.

 

Não quero com isto dizer que apenas se toleravam uma à outra, não, o coração de Jane não suportaria tal relação – da parte de Jane tudo é verdadeiro, simplesmente julgo que a relação entre elas nunca passou de uma ligeira amizade, pois entendo que Caroline quebrou o elo de confiança com Jane ao mostrar-lhe claramente que não a queria, a ela nem à família, como suas relações.


dons e talentos #1

- a questão da mulher prendada -

qualidades e talentos para o casamento

 

 O objectivo fundamental da vida da mulher seria o casamento: arranjar um marido adequado, procriar e, futuramente, auxiliar os filhos e as filhas a arranjarem a noiva adequada. Tudo girava em torno disto. Certo é que nem todas conseguiriam encontrar alguém que correspondesse às expectativas, ou sequer fossem beneficiadas por uma proposta de casamento. Não sei se será exagero meu dizer que a profissão da mulher seria o matrimónio. E, como em qualquer profissão, implica um aprendizado e o desenvolvimento de certas “habilidades”. Não sei, talvez seja um pensamento cruel e triste aos nossos olhos cheios de século XXI.

 

 

 

"It is amazing to me," said Bingley, "how young ladies can have patience to be so very accomplished as they all are."

"All young ladies accomplished! My dear Charles, what do you mean?"

   "Yes, all of them, I think. They all paint tables, cover screens, and net purses. I scarcely know any one who cannot do all this, and I am sure I never heard a young lady spoken of for the first time, without being informed that she was very accomplished."

   "Your list of the common extent of accomplishments," said Darcy, "has too much truth. The word is applied to many a woman who deserves it no otherwise than by netting a purse or covering a screen. But I am very far from agreeing with you in your estimation of ladies in general. I cannot boast of knowing more than half a dozen, in the whole range of my acquaintance, that are really accomplished."

"Nor I, I am sure," said Miss Bingley. "Then," observed Elizabeth, "you must comprehend a great deal in your idea of an accomplished woman."

 "Yes, I do comprehend a great deal in it."

   "Oh! certainly," cried his faithful assistant, "no one can be really esteemed accomplished who does not greatly surpass what is usually met with. A woman must have a thorough knowledge of music, singing, drawing, dancing, and the modern languages, to deserve the word; and besides all this, she must possess a certain something in her air and manner of walking, the tone of her voice, her address and expressions, or the word will be but half deserved."

   "All this she must possess," added Darcy, "and to all this she must yet add something more substantial, in the improvement of her mind by extensive reading."

   "I am no longer surprised at your knowing only six accomplished women. I rather wonder now at your knowing any."

   "Are you so severe upon your own sex as to doubt the possibility of all this?"

   "I never saw such a woman. I never saw such capacity, and taste, and application, and elegance, as you describe united."

 

Esta passagem de "Orgulho e Preconceito" é, provavelmente, um dos melhores exemplos desta questão da "mulher prendada".  Mr. Bingley levanta a questão ao manifestar a sua admiração pelo facto de moças tão jovens serem habilidosas em tantas actividades como a pintura, bordado, dança, canto. A irmã mostra-se escandalizada  com o comentário dele como se fosse um absurdo pensar o oposto e se isto não fosse exercido com o máximo de excelência. A irmã chega a afirmar que uma mulher para ser realmente prendada tem de ter uma postura com "algo mais" ("she must possess a certain something in her air and manner of walking"). Darcy acha que poucas serão as mulheres realmente prendadas e Elizabeth, diante da concepção deles, acha que não existirá sequer uma.

 

Todo este diálogo é extremamente interessante. Em primeiro lugar, porque demonstra que a questão das jovens terem habilidades que fossem visível aos olhos de todos seria um factor que a qualificaria como alguém a ser valorizado e ponderado ou não numa presumível união. Para além do bom nome, posses, quiçá de um título, ser "prendada" era fundamental. Principalmente, para conseguir fazer um futuro matrimónio. Principalmente quando Mr. Bingley diz que "I am sure I never heard a young lady spoken of for the first time, without being informed that she was very accomplished" ele está a afirmar que sempre que ao ser apresentado a uma jovem esta informação é logo disponibilizada.

 

Na geração das nossas mães, uma mulher prendada é aquela que administrava o lar, ou seja, fazia a economia do lar, cozinhava, lavava e passava roupa (no tanque, s.f.f), costurava,  limpava a casa, cuidava dos filhos, tinha a comida feita nas horas certas e - se fosse muito moderna - tinha um emprego. Tudo isso, com um sorriso nos lábios. Uma mulher prendada nunca reclamava do seu destino, fosse ele qual fosse. Estava casada, tinha filhos e recebia sustento (na maior parte dos casos) do marido. Esse era o seu papel. Em meios pequenos, buscava-se - antes do casamento - saber se a mulher era de boas famílias e se tinha sido preparada para ser uma boa dona de casa.

 

Na nossa geração, não tenho certeza se este conceito de "mulher prendada" continua a existir de facto.  Pelo menos, não nesta concepção de ter de ser uma mulher sobrenaturalmente dotada de todas as habilidades dentro do lar. Acho que, em concreto, somos todas prendadas: aprendemos com nossas mães a lidar com a casa, mas estudamos, trabalhamos, abraçamos uma profissão e, imaginem, procuramos tempo para nós mesmas.

 

Esta questão sobre a mulher "prendada" na obra de Austen, faz-me sempre relembrar as teorias que encaram Jane como uma escritora a preconizar o feminismo. Há momentos em que concordo. Principalmente quando leio a reacção de Elizabeth Bennet ao discurso de Darcy e de Caroline Bingley no trecho acima transcrito. Contudo, quando leio outros trechos em que é abordada a questão e o interesse nos rendimentos que ambos pretendentes poderão vir a usufruir com o matrimónio faz-me pensar duas vezes se se tratará de uma crítica social ou se ela encararia esta questão como natural e, por isso, aceitável. A certeza que nutro é que Jane Austen não era como as mulheres de sua época e, parece-me, não tinha as mesmas ambições que as outras teriam. Talvez, por isso, a escrita: onde ridicularizava o que não aceitava, diminuía o que reconhecia valor e exaltava o que achava ser importante. Tudo o que escrevi são ilações mas, talvez, algumas possibilidades.

Melhor "vilão/vilã"

Quando a cidade dorme, o vilão ainda está acordado, ele planeia o seu próximo golpe. O vilão, num livro ou filme é aquele que fará tudo para no fim triunfar, que não olha a meios para atingir os seus fins. Ele planeia separar o casal apaixonado mas muitas vezes não o faz porque tem interesse na rapariga, mas porque isso lhe dá prazer. Ficar rico ás custas das suas acções também é muitas vezes o seu objectivo. De uma forma geral pudemos dizer que é alguém que pratica um sem fim de actos para no fim da trama triunfar.

 

Jane Austen criou uma série de personagens que são desprezíveis, mas na maioria dos casos, elas não cometem actos deliberados para infernizar a vida dos nossos heróis e heroínas, apenas incomodam quando falam ou com algum acto de indelicadeza, falta de educação...

Contudo, há sempre alguém que está mais próximo da definição clássica de vilão, para mim esse é George Wickham.

Sedutor como convém a um bom vilão, ao chegar logo tenta conquistar simpatias, não se inibindo de contar mentiras que mais tarde são descobertas. Mas isso, não lhe diria o estatuto de vilão, porque quantos não são aqueles que contam estórias para atrair pessoas à sua causa? Se fosse só isto Wickham, era apenas um mentiroso, mas ter fugido com Lydia, embora saibamos que ela era suficientemente tola para se deixar ir, e ter antes tentado fazê-lo com Georgiana, com o único objectivo de apossar-se da sua fortuna e vingar-se do Mr. Darcy, são motivos mais do que suficientes para lhe dar o titulo, sem dúvida, merecido, do melhor vilão.

 

E quem é no universo de Austen é a mais má das mulheres? Para mim, a Miss Bingley, ela não se inibe de tratar mal a Elizabeth,simplesmente porque ela atraiu o afecto de Darcy. Ela não arquitecta nada para os separar, mas não se inibe de diminuir Elizabeth aos olhos de Darcy em diversas ocasiões, estes actos são para mim maldade pura.

 

Não existem vilões no sentido clássico do termo em Austen. Mas estes dois bem que podiam ser considerados aprendizes de feiticeiro!

 

 

 

 

 

semelhanças e meras coincidências

Embora eu tenha um misto de compaixão/simpatia por Caroline Bingley, eu reconheço que se ela não domasse a sua arrogância e elitismo, ela poderia vir a ser um futura substituta de Lady Catherine de Bourgh.

Para já, ela não é tão arrogante quanto Lady Catherine, mas a continuar assim, talvez iria ser pior. Ambas são as que depositavam esperanças em Darcy. Ambas antipatizavam com Lizzy. Ambas saíram frustradas. Muitas semelhanças e coincidências. 

Caroline, a incompreendida

Caroline Bingley é irmã de Mr. Bingley. Ao contrário do irmão que é uma pessoa amável e simpática; ela é elitista, pedante, irónica, arrogante e superficial. A sua amabilidade resulta quase sempre de uma pretensão de civilidade socialmente exigida. Ao longo do livro, vemo-la constantemente a manifestar comentários menos simpáticos, alguns até desagradáveis, relativamente à família Bennet. Ela, de certa forma, contribuiu para que acontecesse a partida do irmão de Netherfield e consequente separação entre o irmão e Jane Bennet. Mas apesar disto tudo, eu gosto de Caroline Bingley. Eu compreendo-a e sou solidária. Acho que ela é um pouco injustiçada e incompreendida. 

Eu explico. Coloquem-se no lugar dela: surgem duas irmãs, uma que quer conquistar o seu irmão e a outra que quer roubar provavelmente o homem dos seus sonhos. Assim, de uma assentada só, vê diante dos seu olhos o risco de perder os dois homens da sua vida. Sendo que estas duas irmãs inserem-se numa família esquisita: mãe histérica, pai anti-social e as irmãs tolinhas. 

Digam: quem é que gostaria de perder o Mr. Darcy para uma "fulana de tal" de uma terrinha qualquer quando a situação parecia dominada? Ou alguém tem alguma dúvida que a Caroline Bingley já devia ter o vestido de noiva e toda a cerimónia de casamento com Mr. Darcy delineada na cabeça? Inclusive, ainda tinha o facto de que tendo Jane Bennet com cunhada, ganharia um parentesco indesejado.

Eu, se fosse a Caroline, também não perderia a oportunidade de minimizar a beleza dos olhos castanhos de Lizzie. 

E vocês, não fariam o mesmo?