Não sei decifrar exactamente quando Frederick Wentworth descobriu que ainda amava Anne Elliot. Penso que o mais certo é que nunca tenha deixado de a amar e evidencie apenas um misto de revolta e ressentimento perante o facto de por ela ter sido recusado e abandonado, tendo sido persuadida pela amiga Lady Russell e ainda pela dedicação e respeito que ela achava dever à sua família.
Esta revolta e ressentimento que Wentworth mostra (in)conscientemente perante Anne vai diminuindo gradualmente à medida que ele convive novamente com ela, apesar de pouco falarem mutuamente, e descobre uma Anne também magoada e interiormente revoltada perante as suas decisões passadas. Penso que o facto de ter sabido que Anne recusara a proposta de casamento de Charles Musgrove e se dedicara apenas e unicamente a Kellynch Hall e à sua família, ajuda Wentworth a alimentar novamente o carinho e estima que tivera pela jovem Anne Elliot. Vê-la desenvolta, ver a sua perspicácia e delicadeza perante situações e decisões difíceis, ajudam-no a a compreender que Anne é muito mais do que a jovem mulher que o recusara. Ela é agora, aos vinte e sete anos, uma mulher madura e diferente mas também um ser extremamente generoso, delicado, consciente e justo.
A carta que Frederick dirige a Anne em Camden Place é de uma beleza e sensibilidade extremas (You pierce my soul). Sentindo-se encurralado e inseguro (I am half agony, half hope) relativamente aos sentimentos de Anne por ele (isto depois de saber da possibilidade de Anne vir a casar com Mr Elliot e depois de ela ter negado esse compromisso), Frederick decide jogar a sua última e definitiva cartada. E, incentivado pela conversa que vai ouvindo entre Anne e o Capitão Harville (I can listen no longer in silence), discretamente dirige-lhe uma missiva tocante e aberta (I must speak to you by such means as are within my reach).
Tell me not that I am not to late, that such precious feelings are gone for ever. I offer myself to you again with a heart even more your own than when you almost broke it, eight years and a half... ago.
Enquanto escreve, Frederick vai ouvindo a conversa de Anne com o Capitão Harville. E vai adequando a sua escrita a determinadas citações da sua amada. Quando ela afirma que esquecer facilmente um amor "não está na natureza de qualquer mulher que amasse verdadeiramente" e que as mulheres não esquecem tão rapidamente quanto os homens. Frederick replica escrevendo "Dare not say that man forgets sooner than woman, that his love has an earlier death. I have loved none but you".
Anne diz ainda que a mudança se deve a circunstâncias interiores e que só a natureza do homem o faz esquecer tão facilmente, denotando acreditar na inconstância do sexo oposto. Frederick responde: "Unjust I may have been, weak and resentful I have been, but never inconstant."
"You alone have brought me to Bath. For you alone, I think and plan. Have you not seen this?"
Continuando a conversa sobre a natureza dos afectos, Anne afirma acreditar que um homem não sobreviveria a todas as dificuldades, privações e perigos a que é exposto se ainda tivesse de lidar com sentimentos femininos "Can you fail to have understood my wishes? I had not waited even these ten days, could I have read your feelings, as I think you must have penetrated mine."
É aqui que o Capitão Wentworth deixa cair a pena com que escreve, sobressaltando Anne que o descobre mais perto do que imaginara e a faz desconfiar que o objecto apenas caíra porque ele estivera ocupado a ouvi-los.
I can hardly write. I am every instant hearing something which overpowers me. You sink your voice, but I can distinguish the tones of that voice when they would be lost on others. Too good, too excellent creature!"
Anne termina a discussão fazendo, apesar de tudo, alguma justiça aos homens. Afirma que o verdadeiro afecto e constância também podem ser sentidos pelos homens, seres que considera capazes de todas as coisas magnifícas e boas nas suas vidas de casados. "You do us justice, indeed. You do believe that there is true attachment and constancy among men. Believe it to be most fervent, most undeviating, in F. W.
Contudo, isto acontece apenas quando o homem tem uma finalidade que é a de saber que a mulher que amam vive apenas para ele. As mulheres, por seu lado, apresentam nesse aspecto uma ligeira diferença: amam mais longamente, quando a existência ou a esperança partiu. "I must go, uncertain of my fate; but I shall return hither, or follow your party, as soon as possible. A word, a look, will be enough to decide whether I enter your father's house this evening or never."
"nobody hears Anne, nobody sees her, but it is she who is ever at the center"
A futilidade e a vaidade do pai de Anne, Sir Walter Elliot, só se iguala à da sua irmã mais velha, Elisabeth. Anne Elliot é a única das três irmãs que não herdou algo do feitio do seu pai, mas antes da sua mãe, e é uma mulher justa, amorosa e extremamente caridosa, mas que o "desgosto amoroso que teve aos 19 lhe fizera perder, precocemente, o viço, permanecendo, ainda que não tanto como o fora, bela".
Essa vaidade de Sir Walter influencia a forma como ele trata as suas próprias filhas; favorece Elizabeth fortemente porque ela herdou a boa aparência da mãe e o seu orgulho e vaidade. Ele vê-se a si próprio nela e apresenta-a orgulhosamente como uma Elliot, considerando que o mesmo não se pode dizer de Anne e Mary.
Mary, por seu lado, ao fazer um casamento rico com um homem das melhores famílias da região, satisfez um pouco o seu pai, enquanto que Anne continuou, por ele, a ser tratada quase como uma criada, uma pessoa que não parece pertencer aquela família. Nem Sir Thomas Bertram tratou assim Fanny Price, com este desprezo, indiferença e depreciação.
Eu fiquei muito triste com a descrição que Jane Austen fez da vida de Anne Elliot no início de “Persuasão”. A vida de Anne nos é apresentada como sem esperanças, pacata demais e ela é meio esquecida e deixada de lado por sua família. É tão triste e melancólico! Até mesmo sua aparência física é desfavorável, pois é descrita como magra e envelhecida. Eu fiquei muito sensibilizada.
Toda a família Elliot me dá a volta à cabeça... mas a relação Elizabeth e Anne é a que mais me causa frustração. Que frieza, que insensibilidade, que idiota sensação de superioridade, que snobismo ridículo, que falta de bom senso, que falta de inteligência... que falta de tudo!
A forma como Elizabeth trata a irmã afronta-me, chego até a desejar que Elizabeth seja infeliz para o resto da vida, e normalmente não tenho este tipo de sensações para com uma personagem (à excepção de Juliana de "O Primo Basílio" de Eça de Queiroz).
Em vão lutei, mas de nada serviu. Os meus sentimentos não podem ser reprimidos e permitam-me dizer-lhes que....
.... não posso mudar aquilo que sinto. Tentei pensar em muitos outros momentos que aprecio bastante nos livros da Jane Austen mas nenhum deles consegue suplantar o momento em que a carta do Cap. Wenthwort nos é dada a ler. Sei que não sou muito original mas realmente não posso ir contra a minha grande paixão por essa parte do livro 'Persuasão'.
Caío até na mimice de transcrever a dita carta, em inglês, porque nada como o original; soa melhor e mais romântica:
"I can listen no longer in silence. I must speak to you by such means as are within my reach. You pierce my soul. I am half agony, half hope. Tell me not that I am too late, that such precious feelings are gone for ever. I offer myself to you again with a heart even more your own than when you almost broke it, eight years and a half...ago. Dare not say that man forgets sooner than woman, that his love has an earlier death. I have loved none but you. Unjust I may have been, weak and resentful I have been, but never inconstant. You alone have brought me to Bath. For you alone, I think and plan. Have you not seen this? Can you fail to have understood my wishes? I had not waited even these ten days, could I have read your feelings, as I think you must have penetrated mine. I can hardly write. I am every instant hearing something which overpowers me. You sink your voice, but I can distinguish the tones of that voice when they would be lost on others. Too good, too excellent creature! You do us justice, indeed. You do believe that there is true attachment and constancy among men. Believe it to be most fervent, most undeviating, in
F. W.
"I must go, uncertain of my fate; but I shall return hither, or follow your party, as soon as possible. A word, a look, will be enough to decide whether I enter your father's house this evening or never."
Quem pode resistir à melhor carta de amor jamais escrita?!
Confesso ter um fraquinho pela Elizabeth Bennet de 'Orgulho e Preconceito'. Noto nela uma grande força de carácter e uma forma de encarar a vida com leveza mas simultaneamente com seriedade e responsabilidade.
No entanto, no meu top de heroínas favoritas, no número um, terei de colocar a Anne Elliot de 'Persuasão'. É que a Anne é constante; apaixonou-se, amou e ama o seu capitão. E, apesar de lhe criticar a falta de vontade própria e o facto de não ter lutado mais arduamente por aquilo que desejava, dou comigo a gostar do jeito dela, das atitudes dela, da maneira tranquila e empática com que encara tudo e todos. Será uma grande mãe seguramente e acima de tudo uma boa esposa. Amar assim, mesmo depois de perdidas todas as esperanças, não é para todos.
Eu optei por comentar sobre uma heroína de cada obra de Jane Austen e construí uma escala de hierarquia para indicar as minha heroínas favoritas e a menos favorita.
1) Minha heroína favorita é Elizabeth Bennet. Eu a admiro por sua perspicácia, coragem, independência, altivez e inteligência; seu bom senso é louvável. O modo como ela analisa as pessoas, identifica as qualidades e defeitos de cada uma, apesar de ser dotado de preconceitos (principalmente no início da obra), é coerente com a forma como Jane Austen as descreve. Ao acompanharmos os pensamentos de Lizzy, vamos sendo apresentados as outras personagens e as suas personalidades. É muito rico e prazeroso seguir o seu amadurecimento no decorrer da história, a auto-análise que ela faz de seus erros e julgamentos é um exemplo de como lidar adequadamente com pré-conceitos e diversidades interpessoais. Além disso, ela é encantadora, culta, gentil, justa, ao mesmo tempo em que sabe ser irônica, “respondona”, desafiadora e intolerante. Para mim, é uma das melhores protagonistas criadas em toda a literatura mundial.
2) Em seguida, eu fico fascinada com a racionalidade e senso de realidade de Elinor Dashwood. Que mulher mais prática e perspicaz! E como sabe tomar decisões e enfrentar adversidades. Ela é capaz de abafar e esconder sentimentos intensos como nenhuma outra heroína de Jane Austen. Possui também um bom senso incrível e admirável.
3) Anne Elliot, apesar da aparente fragilidade, é uma heroína que vai atrás de seus sonhos. Arrepende-se dos erros do passado, se perdoa por sido persuadida e não permite que as oportunidades dadas pelo destino passem, ela as aproveita e retoma as redás de sua vida lutando por seu grande amor. Atitude inspiradora para todas nós!
4) Emma, para mim é a heroína mais controversa criada por Jane Austen, pois ela se distancia das outras em várias características: ela é dotada de fortuna, por isso não depende financeiramente de ninguém; não quer se casar, prefere aproveitar a vida de outro modo; é meio arrogante, pois por diversas vezes gaba-se de suas qualidades e tenta torná-las superiores as das outras mulheres. Porém, apesar de sua imaturidade, ela é doce, gentil, caridosa e inteligente. É comovente o zelo que tem com seu pai! Ela administra sua vida com autonomia, reconhece seus erros (após Mr. Knightley apontá-los) e tenta ajudar seus entes queridos. Uma mulher admirável!
5) Fanny Price é muito tímida, discreta, retraída, e, na minha opinião acomodada. A vida não lhe foi favorável em vários aspectos, mas ela soube (com a ajuda e apoio de Edmund) superar muitas dificuldades e situações tristes, em silêncio e, por vezes, isolada. Quieta, em seu canto, ela luta por sua felicidade. Prestativa, boa ouvinte e companheira, ela conquista a família Bertram, inclusive ao seu amor, Edmund. É corajosa em não aceitar a proposta de Henry e se manter resoluta diante dos argumentos e ameaças de todos. Mesmo sendo tão silenciosa e discreta, Fanny soube impor-se e garantir sua felicidade.
6) Catarina Morland é a minha heroína menos preferida. Realmente, eu não me identifico com ela. Como é imatura e influenciável! Ela me remete àquelas adolescentes deslumbradas com seus ídolos, inocentes, presunçosas, sugestionáveis por qualquer estória ou “rostinho” bonito. Mas, é muito agradável acompanhar sua evolução ao longo da história. As situações que favorecem o seu amadurecimento são engraçadas e causam constrangimento (como o seu pânico ao ficar no escuro ou mesmo fantasiar sobre a morte da mãe de Henry Tilney), mas as tornam mais esperta, menos influenciável, menos impressionável, mais astuta e madura. Ao fim, é possível admirá-la e ficar satisfeita com sua evolução enquanto mulher e heroína digna da obra de Jane Austen.