A Abadia de Northanger tem como figura feminina central femimina Catherine, mas Isabella "apimenta" bem esta história.
Quando já a sua "máscara" tinha caido perante Catherine e o seu irmão, Isabella tenta "a sua sorte" para que Catherinne acredite nela e interceda junto do irmão... "Estou muito inquieta com o seu querido irmão, (...) receio que tenha havido algum equivoco. (...) indisposto, com uma constipação ou algo que lhe afectava a disposição. (...) Mas a menina pode corrigir esta situação, pois ele é o unico homem que amei e que alguma vez poderia amar, (...)" (...) ; e despeja também a sua frustação pelo abandono do Capitão Tilney " (...) tornou-se quase a minha sombra. Muits meninas podiam ter caido aos pés dele, por não estarem habituadas a tais atenções."
Isabella habituara-se a ser o centro das atenções: a amada e a amiga e nesta carta esquece que tinha já cometido erros e falhas com os irmãos Morland e demonstra-o quando tentar desvalorizar as atenções com que "brindou" o Capitão e que a fez perder o "afecto e devoção" do irmão de Catherinne, e que a fez "esquecer" a amiga.
É uma carta em que Isabella mistura moda, com "amor", saudades da "amizade delas, com a "inveja de quem tenta usar um turbante vermelho como ela, mas que não consegue ter o mesmo sucesso, com a nova "inclinação" do Capitão Tilney que não vê o que tem para lhe ter chamado a atenção. Enfim uma carta "deliciosa" em que Isabella tenta convencer que o Capitão Tilney não sgnificou nada para ela, que o amor dela é o seu irmão, que a amizade delas está igual como se nada tivesse acontecido, que ela é recatada e apaixonada, mas continua a ser a mais bonita e perfeita das mulheres...
E se em vez de ter ido ao encontro do Cap. Wentworth depois de ter lido a sua carta, Anne optasse por lhe responder também com uma carta?
Eis a resposta que poderíamos ter lido:
My dear Frederick:
Penso poder tratar-te assim novamente. E como me deixa feliz poder fazê-lo. A tua carta encheu o meu coração de felicidade e devolveu-me o teu amor que eu julgava há muito perdido. Espero que me perdoes. Conseguirás perdoar-me? Ter-te repudiado oito anos e meio atrás foi algo que me assombrou este tempo todo. Houve momentos em que julguei não ser capaz de viver com isso, com o facto de ter recusado a minha alma, o meu coração e a minha vida. Ao recusar-te, recusei também a minha razão de viver e aquilo que me impele a continuar. Mas o meu amor por Kellynch Hall, pela minha família (sim, por eles!), por Lady Russell (falaremos dela mais tarde) e por todos os meus amigos permitiram-me continuar a suportar a dor da tua ausência e da possibilidade pouco remota de não me desprezares.
Não me odeies pelos meus erros passados. Entende, por favor, a inocência e a insegurança da jovem que eu era, não obstante o amor que sentia por ti e que era puro e verdadeiro. Guardei-te sempre no meu coração. Sempre. Acompanhei a tua vida à distância e sorri com todas as tuas alegrias e vitórias, assim como chorei todas as tuas tristezas e azares. Guardar-te-ia para sempre no meu coração caso não me tivesses escrito esta tarde. Sou tua, como sempre fui e como sempre serei. Até ao meu último sopro de vida e além disso se for possível. E mesmo que não estejas comigo, eu sempre te pertencerei.
Dizes que não me apercebi dos teus sentimentos desde que estás em Bath. Como poderia? Dei-te razões para me desprezares e não consegui ver além disso apesar de continuar a amar-te. Amas-me mesmo? Então sou a mulher mais feliz de toda a terra e de todos os mares que possas conhecer.
A minha vida hoje torna-se completa. Tu completas os meus pensamentos e a minha existência e eu desejo somente completar-te da mesma forma. Para sempre.
Yours forever
Anne Elliot
P.S. Aguardo-te logo à noite na festa em casa do meu pai. E espero ansiosamente pelo calor do teu olhar e pelo toque da tua mão. Tal como eramos oito anos e meio atrás. Um só.
Não sei decifrar exactamente quando Frederick Wentworth descobriu que ainda amava Anne Elliot. Penso que o mais certo é que nunca tenha deixado de a amar e evidencie apenas um misto de revolta e ressentimento perante o facto de por ela ter sido recusado e abandonado, tendo sido persuadida pela amiga Lady Russell e ainda pela dedicação e respeito que ela achava dever à sua família.
Esta revolta e ressentimento que Wentworth mostra (in)conscientemente perante Anne vai diminuindo gradualmente à medida que ele convive novamente com ela, apesar de pouco falarem mutuamente, e descobre uma Anne também magoada e interiormente revoltada perante as suas decisões passadas. Penso que o facto de ter sabido que Anne recusara a proposta de casamento de Charles Musgrove e se dedicara apenas e unicamente a Kellynch Hall e à sua família, ajuda Wentworth a alimentar novamente o carinho e estima que tivera pela jovem Anne Elliot. Vê-la desenvolta, ver a sua perspicácia e delicadeza perante situações e decisões difíceis, ajudam-no a a compreender que Anne é muito mais do que a jovem mulher que o recusara. Ela é agora, aos vinte e sete anos, uma mulher madura e diferente mas também um ser extremamente generoso, delicado, consciente e justo.
A carta que Frederick dirige a Anne em Camden Place é de uma beleza e sensibilidade extremas (You pierce my soul). Sentindo-se encurralado e inseguro (I am half agony, half hope) relativamente aos sentimentos de Anne por ele (isto depois de saber da possibilidade de Anne vir a casar com Mr Elliot e depois de ela ter negado esse compromisso), Frederick decide jogar a sua última e definitiva cartada. E, incentivado pela conversa que vai ouvindo entre Anne e o Capitão Harville (I can listen no longer in silence), discretamente dirige-lhe uma missiva tocante e aberta (I must speak to you by such means as are within my reach).
Tell me not that I am not to late, that such precious feelings are gone for ever. I offer myself to you again with a heart even more your own than when you almost broke it, eight years and a half... ago.
Enquanto escreve, Frederick vai ouvindo a conversa de Anne com o Capitão Harville. E vai adequando a sua escrita a determinadas citações da sua amada. Quando ela afirma que esquecer facilmente um amor "não está na natureza de qualquer mulher que amasse verdadeiramente" e que as mulheres não esquecem tão rapidamente quanto os homens. Frederick replica escrevendo "Dare not say that man forgets sooner than woman, that his love has an earlier death. I have loved none but you".
Anne diz ainda que a mudança se deve a circunstâncias interiores e que só a natureza do homem o faz esquecer tão facilmente, denotando acreditar na inconstância do sexo oposto. Frederick responde: "Unjust I may have been, weak and resentful I have been, but never inconstant."
"You alone have brought me to Bath. For you alone, I think and plan. Have you not seen this?"
Continuando a conversa sobre a natureza dos afectos, Anne afirma acreditar que um homem não sobreviveria a todas as dificuldades, privações e perigos a que é exposto se ainda tivesse de lidar com sentimentos femininos "Can you fail to have understood my wishes? I had not waited even these ten days, could I have read your feelings, as I think you must have penetrated mine."
É aqui que o Capitão Wentworth deixa cair a pena com que escreve, sobressaltando Anne que o descobre mais perto do que imaginara e a faz desconfiar que o objecto apenas caíra porque ele estivera ocupado a ouvi-los.
I can hardly write. I am every instant hearing something which overpowers me. You sink your voice, but I can distinguish the tones of that voice when they would be lost on others. Too good, too excellent creature!"
Anne termina a discussão fazendo, apesar de tudo, alguma justiça aos homens. Afirma que o verdadeiro afecto e constância também podem ser sentidos pelos homens, seres que considera capazes de todas as coisas magnifícas e boas nas suas vidas de casados. "You do us justice, indeed. You do believe that there is true attachment and constancy among men. Believe it to be most fervent, most undeviating, in F. W.
Contudo, isto acontece apenas quando o homem tem uma finalidade que é a de saber que a mulher que amam vive apenas para ele. As mulheres, por seu lado, apresentam nesse aspecto uma ligeira diferença: amam mais longamente, quando a existência ou a esperança partiu. "I must go, uncertain of my fate; but I shall return hither, or follow your party, as soon as possible. A word, a look, will be enough to decide whether I enter your father's house this evening or never."
Ao ouvir esta frase a ser pronunciada pela Bernadette/Katy Baker do filme "Clube de Leitura Jane Austen" dei por mim a pensar na sua veracidade. A frase surge enquanto ela conversava com Daniel/Jimmy Smits (ex-marido de Sylvia/Amy Brenneman) sobre o livro "Persuasão". Fiquei a pensar em toda a extensão desta afirmação. Talvez ela apenas estivesse a referir-se às cartas de amor. Contudo, podemos expandir o seu alcance e entender que uma carta bem escrita realmente tem muito poder de acção: diminui distâncias, atenua saudades, aproxima famílias e amizades. A letra manuscrita, o papel escolhido e o conteúdo da mensagem, conferem um significado e um valor sem preço ao recebimento de uma carta. Talvez porque em algumas situações consigamos expor melhor os nossos sentimentos e pensamentos através da escrita. Se excluirmos a hipótesde da carta ser portadora de uma má notícia, ela fará alguém em algum lado sorrir.
A carta, na época de Jane Austen (e provavelmente até ao séc. XX) era a forma fundamental de comunicação entre as pessoas separadas pela distância. Desta forma, é natural encontrarmos em abundância referências à escrita, ao envio e ao recebimento de missivas. Na obra de Jane Austen, encontramos muitos personagens a protagonizarem a escrita de cartas; algumas delas fundamentais para o rumo da própria trama. Homens e mulheres surgem a escreverem cartas, mas a verdade é que a liderança parece ser masculina. O que quer dizer que Jane Austen colocou com maior frequência os seus heróis a escreverem cartas. Acho interessante a exclamação de Bernadette, em um dos encontros do Clube de Leitura, sobre este facto; ela diz: "Eu gosto da forma como Austen faz com que os homens se expliquem a si próprios". Assim é. Se repararmos bem, a voz dos heróis não são muito audíveis na sua obra. Vemos o que dizem, os seus gestos e acções; mas raramente aquilo que realmente pensam e sentem. A história parte sempre da voz da heroína. Por isso, é interessante ver os homens exporem-se através das cartas. Por vezes, questiono-me se Jane Austen terá feito assim porque ela própria gostaria que os homens escrevessem cartas com o mesmo nível que ela as imaginava ou se realmente assim usualmente acontecia. Será que os homens expunham tanto assim os seus sentimentos? Será que podemos abraçar a afirmação de Bernadette e acreditar que os homens do tempo de Jane Austen desciam do seu orgulho e da sua posição privilegiada para explicarem-se, sentimentos e pensamentos? Talvez não fossem a maioria. Provavelmente escreveriam cartas, já que era algo usual na sociedade letrada, mas talvez fossem poucos os que o fizessem para revelar afecto.
Eu acredito que, ainda hoje, há "Wentworths", "Darcys", "Tilneys" que se expõem e que são capazes de amar através de linhas e de entrelinhas. Eles andam por aí...tenho certeza.
Guardo comigo a frase de Bernadette e acredito profundamente nela: nunca devemos subestimar o poder de uma carta bem escrita. É um formidável combustível para a alma.
Design, artesanato, ilustração, trabalhos manuais - estas são áreas que despertam a minha atenção e gosto. Tem sido um tendência, nos últimos anos, um reviver do estilo vintage e de trabalhos inspirados em outros séculos; mas com uma roupagem contemporânea. É do conhecimento geral que o lacre tem sido bastante utilizado para fechar convites de casamento, com as iniciais dos noivos. Mas tive curiosidade de ver se encontrava uma carta bem austeniana: escrita numa folha, dobrada e lacrada.
Foi num dos meus blogues preferidos de design - o Design Sponge - que eu encontrei um post inspirado na troca de cartas no estilo Jane Austen. Não é linda?
Por uma carta assim, eu não me importaria nada de pagar para receber :)
No meu imaginário cinematográfico relembro cenas em que visualizo personagens a escreverem cartas utilizando aparos e penas embebidas em tinta, em folhas rugosas e a lacrarem-nas com uma espécie de cera amolecida à chama de uma vela. Mas, a realidade, é que eu nunca apreciei o pormenor deste processo.
No The Jane Austen Centre encontramos uma breve abordagem sobre o estilo de vida da época de Jane Austen e lá tem um artigo "Regency Letter Writing" que explica a forma como uma carta era feita na época da Regência. A carta era redigida em um dos lados da folha de papel. Depois a folha era dobrada de forma a que o texto ficasse virado para dentro e o lado em branco ficasse para fora para ser preenchido pelo selo e pelos dados do destinatário. Sendo adicionada mais alguma folha de papel, a ser dobrada junto com a outra, isto aumentaria o peso total da carta e elevaria o valor a ser pago pela mesma. Na realidade, o custo seria duplicado. Este custo também variava conforme a distância do envio. Por isso que, neste vídeo, vemos que Jane Austen aproveitava cada espaço da folha e inclusive escrevia nas entrelinhas com a folha virada ao contrário, para não ter que adicionar outra página.
"The letter itself differed from its modern form. The letter usually comprised a single sheet (sometimes folded once in the middle to make a booklet-like page). This was folded in thirds, then the ends were folded together, with one end tucked inside another. Hot wax dripped onto the joining ends sealed the letter. The address or direction would be written on the front and rarely went beyond Name, Town (or house name), County– occasionally, in London, a street might be indicated.
To save money, correspondents often wrote down the page, then turned it and wrote across their previous writing– thrifty souls would turn it yet again and write diagonally across everything else, producing a nearly illegible mess. This was called crossing and recrossing one’s lines. The postmaster receiving the letter would write on the envelope the postage due by whoever received the letter."
Achei interessante o facto de que a despesa da carta ficava por conta do destinatário e não do remetente. Ou seja, quem recebesse a carta teria de pagar por ela e não a pessoa que a enviou.