Jane & Julia: Estilos de Escrita e Enredos
Continuamos a falar sobre as semelhanças e diferenças entre Jane Austen e Julia Quinn. Depois de uma perspectiva mais geral, a Patricia do Chaise Longue hoje escreve sobre os enredos e a escrita das duas escritoras.
Ora, se a crítica social está presente em ambas as autoras acaba, contudo, por revelar-se mais acutilante em Austen do que em Quinn. Já as tiradas sarcásticas em forma de humor são fortemente marcantes nos livros de ambas. A subtileza com que a autora de Orgulho e Preconceito consegue ridicularizar os defeitos e virtudes das suas personagens é, sem sombra de dúvida, um dos maiores encantos das suas obras e, uma das razões do seu grande sucesso. O seu humor ímpar, no qual a ironia é tão deliciosamente usada, é algo difícil de imitar mas a autora da série Bridgerton consegue-o, senão da mesma maneira, talvez de uma forma mais divertida e descarada, onde sobressaía o seu humor negro e que abandona a subtileza mais estudada de Jane. Ambas tendem, no entanto, a não dispensar cenas divertidas e, por vezes, soberbamente ridículas, tanto para castigarem como para fazerem sobressair certas personagens.
Esta conjugação de humor e romance que podemos encontrar nos livros das duas autoras, são uma das razões porque estes se destacam e, porque leitoras em todo o mundo se sentem irresistivelmente atraídas para eles. O romance, o outro elemento dos seus livros em que ambas são mestras, demonstra que mais do que amantes de uma boa risada, tanto Jane como Julia são românticas incuráveis. As suas histórias de amor são feitas de obstáculos mas, geralmente, estes acabam por surgir por parte dos próprios protagonistas que, geralmente, fazem parte de estratos sociais diferentes ou tem opiniões contrárias sobre determinados assuntos, o que faz com que antagonizem um com o outro, sendo por isso, mais culpa deles do que dos outros os atritos na relação. Não que não haja sempre inimigos contra a relação, só que ao contrário do que acontece noutros romances do género, esta inimizade não é tão responsável como a fricção entre o par romântico. Tanto Quinn como Austen, preferem utilizar uma fórmula que acaba por nos chegar mais rapidamente ao coração, a de duas pessoas que conhecem os defeitos do amado, que tentam compreendê-los e acabam por aceitar que estes fazem parte do seu todo.
Esta aprendizagem acaba por resultar não em paixões imediatas mas em amores que crescem e fortalecem-se, resultando em relações estáveis nas quais, existe um respeito mútuo entre o par e não uma submissão da parte feminina ou uma total adulteração das personalidades pós-apaixonarem-se. Este tipo de relação que ambas privilegiam acaba por soar muito mais consonante com a realidade do que muitas outras relações literárias, pois nem todos os amores são feitos de relâmpagos intensos e, tornam os seus “felizes para sempre” um prémio merecido pelos protagonistas e não, uma garantia logo de início. Não, as suas personagens esforçam-se para os ter e nós, leitoras, saboreámos esses finais de uma forma totalmente diferente.
Se o casal principal tem de merecer o seu final feliz, também as outras personagens devem às suas personalidades, ou melhor, aos seus defeitos e qualidades, os fins que merecem. Não se pode dizer que Jane e Julia gostam de vilões a sério, ambas têm uma percepção da natureza humana demasiado real para dividirem as suas personagens em boas e más, contudo, existem nos seus livros, personagens que se podem gabar de uma moral mais elevada e, outras, que não conseguem evoluir para fora dos seus preconceitos. Estas, nunca sofrem um castigo demasiado cruel porque os protagonistas são demasiado sensatos para isso, mas recebem sempre uma lição que nunca irão esquecer e, aqueles que se portam bem, ganham sempre um prémio de alguma maneira.
No entanto, para mim, há algo de primoroso que estas autoras partilham, mais do que tudo isto: a forma como desenvolvem as relações familiares. Nos livros destas autoras, tanto podemos encontrar uma família perfeita, uma família que nos envergonha, uma família que não nos dá o devido valor, uma família que não nos aprecia ou uma que nos adora mas não nos compreende. Ambas exploram as relações entre pais e filhos, irmãos, tios e primos, de uma forma real e humana, de uma forma que diz algo a todos nós. É delicioso como elas compreendem a lealdade, a inveja, o carinho e a indiferença dentro dos núcleos familiares. É irresistível como conseguem transmitir-nos a ideia do irmão mais velho, do mais novo e o do meio. Do filho preferido e do menos preferido. Da mãe amiga e da que só dá dores de cabeça. Aqui, para mim, jaz a maior semelhança entre as duas autoras e o que as torna tão únicas. A preocupação mútua em transmitir os sentimentos que unem as várias personagens, as suas ligações familiares e a sua aprendizagem comum do que, como acontece na maior parte deste tipo de romances, apenas contarem um desenrolar de acontecimentos que se dividem por romance e mistério.
Quinn e Austen dispensam o mistério. Elas preferem tornar as suas personagens reais, com rotinas normais, ligações verdadeiras e deliciosamente comuns como todos nós.
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