Hoje dei conta de um pormenor que partilho aqui convosco. Na adaptação de 1996 de Emma, com Gwyneth Paltrow, sempre me perguntei onde teriam ido buscar a ideia de colocar Emma a lançar o arco - numa cena em que ela e M. Knightley discutem a propósito da recusa de Miss Smith à proposta de casamento de Mr. Martin. Julguei, desde então, que seria provável que fosse uma atividade comum na época - mas hoje encontrei outra possível inspiração, refiro-me à cena de Orgulho e Preconceito 1940 que é bastante semelhante. Vejam por vocês!
Regressamos a um tema muito querido, precisamente um ano depois. Nestes dois meses que temos pela frente, Novembro e Dezembro iremos retomar a nossa análise sobre a Vida e Obra de Jane Austen, colocando ao dispor das leitoras alguns pormenores da vida da escritora que todas adoramos.
Durante dois meses iremos centrar a nossa análise em dois personagens masculinos: Crawford e Willoughby, procurar parecenças, vasculhar diferenças! Será o primeiro confronto de muitos mais entre os "bad boys" de Jane Austen.
"Teria Jane Austen a crença de que um escorpião nunca nega a sua natureza? Teria ela a convicção de que uma pessoa não era capaz de viver um arrependimento transformador que causasse uma revolução comportamental? É estranho constatar isto, ainda mais quando é evidente que ela acreditava em segundas chances."
Dei este título ao meu artigo porque a comparação com o escorpião que a Cátia fez recordou-me de uma música "Shoulda Known" do álbum "Got You on My Mind" de Madeleine Peyroux e William Galison que fala precisamente de um sapo que transportou às costas um escorpião na travessia de um rio, e quando o escorpião se viu no outro lado da margem, já a salvo, deu a picada fatal ao sapo que o ajudara (história esta que se transforma depois numa metáfora com um romance frustrado). Não deixa de ser curioso que tal comparação nos faça chegar a Mansfield Park!?
Eu acredito que Jane Austen acreditava verdadeiramente em segundas chances. E não apenas para os "bons da fita"... afinal, ela dá a Willoughby a oportunidade de se retratar, de se arrepender... permite que Marianne saia daquele romanticismo fanático... o próprio Tom Bertram é resgatado de uma vida de vício e jogo... Julia Bertram é salva ao último minuto, evitando um desfecho como o de Maria. Porquê? Não sei... mas todas as minhas suposições apontam para uma certa genuinidade de carácter e sentimentos e um profundo arrependimento.
Mas será que Jane acreditava que o mundo se dividia em bons e maus caracteres? Será que entendia que uma vez mau, sempre mau? Ou que a natureza humana estava destinada a ser exclusivamente boa ou má? Custa-me acreditar que tal fosse o caso. Ninguém é completamente mau nem completamente bom - todos temos defeitos e virtudes, uns preponderam sobre os outros consoante certas atitudes e comportamentos que tomamos.
O que me parece é que Jane tinha dificuldade em aceitar mudanças profundas em caracteres inundados em vícios, corrompidos por uma educação negligente, desviada, sem valores. No entanto, mostrou-nos que tal era possível com Willoughby, que tais caracteres eram capazes de arrependimento. Mas e de mudança? Só vos consigo apresentar o exemplo de Tom Bertram, cuja doença como que serviu para expurgar os males e vícios da sua conduta, um pouco à semelhança de Marianne, cuja doença serviu para expurgar o amor exacerbado e histérico e portanto, inconsequente. O próprio Darcy, alterou a sua conduta, conseguiu mudar o seu comportamente impregnado de orgulho, por amor.
Mas Henry Crawford? Sou sincera, achei que a determinada altura ele tinha dado o "clique". Mas ele não era constante e tinha muitos passos ainda para dar e não soube esperar, não teve paciência e se calhar, o troféu Fanny Price não era assim tão importante para ele, Maria Rushworth estava mais à mão, era mais fácil e simples... não lhe exigia nada, apenas lhe alimentava prazeirosamente o ego. Henry Crawford mostrou-se um escorpião, mas Fanny nunca se colocou na posição de sapo e por isso, sabemos, que nunca foi atingida.
A escrita de Jane Austen assenta muito nos valores, nos principios e Mansfield atinge muitas vezes a característica de ser moralista (para mim, excessivamente, por vezes). O que penso que ela nos queria mostar era que não temos de abdicar dos nossos valores e principios fundamentais para atingir a felicidade. Que não temos de ser rebeldes, revoltados, insatisfeitos e inconformados para conseguir alcançar objetivos. Podemos mudar a nossa vida, traçar o nosso caminho e percorrê-lo pela persistência, paciência e esperança. Que a nossa fidelidade àquilo que somos e à nossa consciência, trará as devidas e desejadas recompensas.
Li há uns dias um artigo muito curioso que falava da possibilidade de Fanny, para o modelo de mulher da época, representar um certo estilo feminista, ou pelo menos de emancipação da mulher. Confesso que fiquei incrédula com o título "Fanny Price, Feminist" de Vera Nazarian no site Austen Authors - mas assim que iniciei a leitura, verifiquei que concordava e para surpresa minha, terminei o artigo com a convicção que sim, para a época, Fanny teve comportamentos que, com um pouco mais de rebeldia, seriam encarados como representantes da emancipação feminina. Mas a forma suave, coerente e consciente com que os faz, retira-lhes aquele brilhantismo da recusa de Lizzie a Mr. Collins - mas Fanny faz o mesmo, recusa Mr. Crawford. E mesmo com receio do Tio, faz-lhe frente e diz "NÃO!". A Fanny que muitas vezes encontramos em alguns comentários, que fazem dela uma sombra no universo austeniano, não seria capaz de tamanho feito.
Contudo, embora tenha grande apreço por Fanny porque ela possui todas as virtudes que gostaria de ter e representa a constância que muitas vezes me falha, sinto-me inconformada com o final que Jane Austen lhe deu... um pouco à semelhança com o final que deu a Marianne Dashwood, mas que de dia para dia me parece o mais correto. Porém, com Fanny tal não acontece.
Edmund Bertram é para mim um carácter inferior, muito inferior a Fanny. Para mim Edmund representa aquela figura muito correta, aparentemente muito íntegra e com elevados padrões de retidão, mas que, colocado em face das circunstâncias da vida que lhe dão oportunidade para pôr em prática o que o intelecto lhe ordena, faz tudo ao lado! Apaixona-se cegamente por uma mulher apenas pela sua beleza, deixando para trás todas as incongruências do seu caráter. Edmund Bertram tem falhas, como todos nós. Mas Fanny não tem e isso é que a separa dos outros e para mim, merecia um herói do mesmo nível.
Nem Edmund nem Henry eram indicados. Confesso, eu quase que me converti a Henry Crawford... mas no fundo no fundo, a conquista por Fanny era apenas mais um jogo para ele, se a cativasse, ela seria um estupendo troféu e a prova de que ele conseguia o apreço de todas as mulheres que desejava.
Edmund não tem a solidez que aparenta. A sua retidão não tem bases fortes... como facilmente verificamos no seu romance com Mary Crawford. A paixão por Fanny surge no último capítulo, sem grandes especificações pela autora - talvez porque nem ela soubesse bem como o fazer - surge como uma alternativa ao ideal de mulher que ele ficcionara em Mary Crawford.
Tenho a certeza que Fanny teve um casamento feliz. Sem sombra para dúvidas. Mas, um pouco no seguimento da ideia da emancipação da mulher seguida pelo artigo acima citado, se Fanny tivesse ficado sozinha? O que teria sido dela se Edmund nunca abrisse os olhos?
Julgo que uma eterna devotada a Lady Bertram... e no geral, à família. Talvez tenha sido esta a conclusão a que Jane chegou, e juntá-la com o primo fosse o final mais feliz que se lhe podia arranjar.
A meu ver era impossível juntá-la com Henry, tal casamento estava destinado ao fracasso... um pouco à semelhança de Marianne com Willoughby. Os primeiros anos de casados seriam, eventualmente, envernizados de felicidade. a dedicação de Fanny seria, creio, inabalável... mas a dele?
Mansfield mostra-nos os perigos da educação, ou melhor, da má condução da educação... e é extremamente difícil corrigir valores base errados. Henry cresceu numa casa em que o casamento era desrespeitado continuamente, era aquele o exemplo. Mais tarde, levou uma vida boémia que lhe deu vícios e vaidades complicadas de substituir. Não digo que fosse impossível mudar... mas implicava uma profunda necessidade de alterar o carácter, uma consciência concreta dos seus erros e vícios e julgo que Henry nunca conseguiu deixar de lado a sua vaidade.
Chego então à conclusão que Jane Austen viu-se em trabalhos (quiçá!) para trazer felicidade plena à nossa heroína. Mas de uma outra coisa tenho certeza, Edmund foi a escolha de Fanny, sempre. Porém, gostava que Fanny encontrasse na sua vida um Edward Ferrars pois sempre considerei o seu carácter muito próximo do de Fanny. Que vos parece?
Como já reparam, o blogue sofreu uma mudança de visual. O trabalho ficou a cargo da Cátia e confesso que fiquei a gostar tanto do novo template que tentei fazer algo parecido ao nosso site, alterando também o seu visual.
Assim, apresento-vos a nova cara do site do Jane Austen Portugal, ao qual alterei também um pouco dos conteúdos. Para aceder ao arquivo e realizar os downloads da Revista JAPT basta aceder no menu a "Revista".
Para participar na próxima edição, basta enviar um mail com o artigo para o nosso email: janeaustenpt@sapo.pt, o único requisito é cingir-se ao tema. No próximo número, o tema será FANNY, A HEROÍNA MAL AMADA. Quem desejar pode enviar os textos até dia 31 de Agosto. Para mais informações visite o nosso site.
Caríssimas leitoras que visitem neste instante o blogue! No passado mês falámos dos lugares de Emma, sendo um deles Box Hill. Precisamente passa agora na televisão, na RTP2 uma prova de ciclismo dos jogos olímpicos que decorre no parque de Box Hill. Quem quiser dar uma espreitadela à paisagem, tem agora uma oportunidade!