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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

Shortstory – parte 53

 

Sir Walter Elliot recebeu com surpresa e indignação as notícias da morte do seu herdeiro e primo, assim como dos acontecimentos que haviam decorrido desde a partida da sua filha, Anne.

Foi o próprio Almirante e a mulher quem acharam por bem visitá-lo em Bath para o colocar a par de todos os pormenores. E assim, Sir Walter recebeu a visita de ambos, quase imediatamente após ter recebido um breve bilhete que lhe havia sido enviado, dando conta do estado de Anne. Além disso, o Almirante e a mulher pretendiam também pedir a mão de Anne, em nome de Wentworth.

 

- Custa-me a crer que tais factos que me conta tenham sido possíveis, Almirante – suspirou Sir Walter, observando melhor os seus visitantes e concluindo como as viagens marítimas que haviam feito no passado, havia contribuído certamente para tanto lhes envelhecer a pele.

 

- É tal como lhe contamos, Sir Walter – disse a mulher do Almirante – e garanto-lhe que se não fosse a atitude heroica de uma pequena jovem, Fanny Price, sobrinha de Sir Thomas Bertram, não sabemos se Anne conseguiria resistir…

 

Sir Walter interrompeu bruscamente a narrativa, perguntando animadamente:

 

- Sir Thomas Bertram a quem se refere é o mesmo da propriedade de Mansfield Park, no condado de Northampton?

 

Perante o assentimento do Almirante e da mulher, Sir Walter desfiou encantado os desejos que há tanto tempo tinha de conhecer tal senhor, de como ficaria feliz por poder estabelecer amizade com uma pessoa tão bem colocada na escala hierárquica dos títulos nobiliárquicos e como certamente a filha mais velha, Elisabeth, também gostaria de os conhecer.

 

O Almirante e a mulher sentiam-se perplexos perante tal despreocupação quanto ao assunto e à gravidade dos acontecimentos sucedidos. Então Sir Walter manifestou-se muito interessado em deslocar-se pessoalmente a Pemberley, mas não era para ver Anne ou para assegurar-se do estado em que esta se encontrava, mas tão-somente para estabelecer contacto com Sir Thomas Bertram. A esse respeito, Sir Walter tinha muitas perguntas a fazer-lhes.

 

- Digam-me qual é o aspeto de Sir Thomas Bertram… soube que tem feito algumas viagens para as Índias Ocidentais onde possui propriedades… será que se encontra envelhecido pelas exposições ao sol implacável dessas paragens, ou tem sido pessoa cuidadosa com a sua pele?

 

Os visitantes sentiam-se ultrajados perante tanta falta de juízo e preparavam-se para responder com alguma brusquidão,  sobretudo  Mrs. Croft que se sentia revoltada e nauseada, a pontos de não se conseguir calar, quando foram interrompidos pela irmã mais velha de Anne, Elisabeth Elliot. Foi então narrado com todos os pormenores, o relato das vicissitudes de Anne, com a descrição exata da falta de características morais do defunto Elliot.

 

Enquanto Elisabeth se deixava levar pela surpresa e perplexidade perante tantas revelações, Sir Walter não parava de soltar exclamações sobre a sorte que tinham tido em poder dali em diante estabelecer relações mais próximas com Sir Thomas Bertram.

 

Embora Elisabeth Elliot fosse muito vaidosa e tivesse na maior parte das vezes dado razão aos delírios do seu pai, marginalizando e até desprezando a irmã Anne, não tinha má índole e manifestou-se realmente preocupada com o que havia sucedido à irmã, maldizendo a confiança excessiva que haviam propiciado ao parente afastado e que assim tão cruamente se havia manifestado.

 

- Nunca supus que o nosso primo pudesse fazer uma coisa destas… - murmurou ela, sentindo os olhos molhados de emoção – mas garantem-me que minha irmã se encontra bem e recuperada da situação que sofreu?

 

Os visitantes asseguraram-lhe que sim. Elisabeth manifestou desejos de se deslocar quanto antes a Pemberley para estar próxima de Anne, mas Sir Walter interrompeu-a dizendo:

 

- Mas se me dizem que Sir Thomas Bertram não se encontra em Pemberley, mas sim na nossa propriedade de KellynchHall, agora arrendada aqui ao Almirante, o que vamos nós fazer a Pemberley?

 

Elisabeth sentiu-se repentinamente incomodada com aqueles despropósitos do seu pai. Havia algum tempo que sentia assim um mal-estar que não sabia como definir, quando o pai ou Mrs. Clay se manifestavam. Alguns meses atrás surpreendera Mrs. Clay e o primo Elliot, então noivo de Anne, em atitudes que lhe pareceram menos próprias e nem as explicações atabalhoadas de Mrs. Clay a convenceram. Apesar disso, Elisabeth Elliot continuou como dantes, aparentemente tendo esquecido o que se passara. Mas isso de facto não sucedera e aquela familiaridade mal explicada dava-lhe que pensar. Como se sonhasse que ela estava a pensar em Mrs. Clay, Sir Walter mencionou o seu nome.

 

- Temos de contar tudo o que se passou a Mrs. Clay – disse ele – pois também ela vai gostar de conhecer Sir Thomas Bertram e os seus familiares…

 

Mas Elisabeth cortou-lhe abruptamente as palavras, dizendo:

 

- Não me parece, meu pai. Eu acho que está na altura de Mrs. Clay voltar para a casa dos seus familiares. Ainda hoje de manhã ela comentou como tinha saudades dos filhos! Parece-me que já se encontra connosco há demasiado tempo! – e Elisabeth Elliot sorriu da forma encantadora como só ela o sabia fazer, acentuando ainda mais a extraordinária beleza e simetria do seu rosto.

 

 

Shortstory – parte 52

Fanny sentia que todos estavam suspensos pelas suas palavras e pelo que delas poderia resultar. E assim respirou fundo e começou a relatar como havia chegado até aos penhascos e à propriedade que só mais tarde soube que se chamava BlackThunder, angustiada pelos seus próprios receios porque se sentia perdida e tudo era assustador e gigantesco.

 

- Não havia ali vivalma – contou ela – Desci do cavalo e percorri a mansão de um lado ao outro, parecia estar desabitada e sem sinais de qualquer tipo de ocupação… mas quando ia já desistir de encontrar alguém, ouvi um ruído… no rés do chão havia uma janela entreaberta, uma fresta, pareceu-me ouvir um gemido…

 

Anne suspirou. Todas aquelas memórias lhe eram muito dolorosas ainda. Mas tinha de ser, tudo tinha de ser contado agora para não voltar a pensar mais nisso. E agora tinha Wentworth e todos sabiam, esse era um grande consolo e uma enorme alegria. Anne tinha-se arrependido tanto por não ter contado sobre Wentworth a toda a gente, por não ter falado acerca do que se passava antes de ter acontecido o rapto! Mas o seu temperamento, por norma tão tímido, após toda uma vida a pensar primeiro nos outros e só depois em si própria, tudo isso tinha possibilitado a situação vivida.

 

- Não tinham um caseiro em BlackThunder? – perguntou então Darcy, interrompendo-lhe os pensamentos.

 

- Não conseguimos localizá-lo até agora – respondeu Coronel Tilney – Dá a impressão que se eclipsou mesmo antes de o rapto ter sido realizado.

 

- Nunca dei conta de lá estar outra pessoa que não fosse… - sussurrou Anne – que não fosse aquele maldito primo.

 

- Depois foi tudo muito rápido – continuou Fanny, desejosa de se desenvencilhar dos pormenores – consegui chegar à janela entreaberta, através da qual estava Anne em condições deploráveis, amarrada, com uma mordaça meio colocada no rosto…

 

- E foi para mim um sonho quando a vi – confessou Anne – eu até duvidava que fosse verdade, parecia mais um sonho no meio de um pesadelo tão tremendo…

 

- Não consegui entrar pela janela porque estava perra e eu não tinha forças suficientes para a abrir – disse Fanny – Enquanto isso, Anne debatia-se e tentava comunicar comigo, porque a mordaça estava quase solta e era possível entender algumas palavras…

 

- Contei-lhe o que pude, falei em Elliot que me retinha ali contra a minha vontade, que ele devia estar quase a chegar – disse Anne – e pedi que fosse procurar ajuda. Tinha receio que ele chegasse e a encontrasse. Era capaz de a prender ali também…

 

- No meio de todas os receios que tive – disse Fanny – conseguir ter lucidez para agarrar numa pedra e partir os vidros da janela. Empurrei-a ainda mais e começou a ceder… parecia estar podre. E foi assim que consegui entrar naquela divisão onde estava Anne e a ajudei a libertar como pude…

 

Os outros contemplaram-na com admiração e respeito. A pequena Fanny fora capaz de um feito tão imenso, tão grande…

 

- Quando Fanny me libertou, sentia-me toda ferida e dolorida das cordas que me haviam aprisionado os braços e as pernas mas estava ansiosa para que dali saíssemos, porque tinha receio que ele chegasse e nos apanhasse ali…

 

- Então ajudei Anne a sair – contou Fanny – A minha ideia era montarmos ambas no cavalo e seguirmos para qualquer lado, para fora dali… mas a maré estava a subir, eu não sabia que aquele lugar era completamente cercado pelo mar quando subia a maré… foi horrível, Anne sem forças e eu trémula e fraca…

 

- Mas ao ver como lentamente a maré subia, enchendo devagar os espaços que antes eram caminhos, uma força enorme percorreu-me – contou Anne – e eu consegui montar, quase sem a ajuda de Fanny…

 

- E ambas nos dispusemos a galope, a galope, pelo caminho que se enchia de água – disse Fanny. – Eu estava perdida, mas avancei para sair dali e salvar Anne que não parava de me dizer que o primo ia voltar e que nos haveria de fazer mal… foi então que me lembrei da distância a que estávamos de Pemberley. Se eu deixasse Anne perto de Pemberley e seguisse para comunicar o acontecido para KellynchHall para procurar ajuda e comunicar a todos o que se passava seria a melhor opção… mas eu estava perdida, fora por isso que chegara aos penhascos e encontrara Anne…

 

- Após todas estas vicissitudes, demos com o caminho – contou Anne – e encontrámos a entrada de Pemberley ao fim de um bom par de horas. Fanny disse que a partir dali talvez se conseguisse orientar, que ia tentar e deixou-me aqui. Foi quando me viram, eu estava a desmaiar…

- Quando deixei Anne, não supunha que estivesse tão mal – confessou Fanny – O que eu queria era chegar quanto antes a KellynchHall para contar tudo a Wentworth e ao Almirante Croft. Julguei que aqui Anne estava em boas mãos, já liberta dos perigos que a ameaçavam…

- E pensaste muito bem, minha querida Fanny – considerou Georgiana.

 

Todos respiraram fundo. Era um alívio que tudo já tivesse passado e as duas jovens tivessem conseguido sair daquele casarão sãs e salvas! Nem se atreviam a imaginar o que poderia ter sucedido se as coisas tivessem corrido mal.

 

- Minha filha – declarou Lady Russell – como já disse ontem, sinto-me tão arrependida pela confiança que depositei naquele malfadado Elliot! Tenho tanta pena de atitudes que tomei, levada pelas minhas crenças e preconceitos! – e o seu olhar cruzou-se com o de General Tilney.

ShortStory2 | Parte 44

Vozes voavam à sua volta. Vozes familiares. Não se recordava onde estava. Apenas tinha noção de que tinha sede e de que estava exausta. Vem-lhe à memória o rosto tão adorado de Wentworth e a dor de pensar que nunca mais iria vê-lo. As vozes, as vozes persistem. Lentamente começa a sentir o macio do leito, a frescura dos lençóis e o perfume de relva acabada de ser aparada. O aroma da maresia tinha desaparecido. Imersa numa letargia, percebe que o seu corpo começa a reagir. Os seus olhos abrem-se com alguma dificuldade e vê luz. Está num aposento iluminado pela luz do sol e delicadamente decorado em tons de azul. “Eu consegui! Eu consegui! Estou livre!”.

Gradualmente, Anne Elliot começa a recobrar a consciência. Ao seu lado estava um senhor a examinar os seus pulsos e este, ao se dar conta de que a jovem recobrara os sentidos, apresentou-se como sendo um médico, Mr. Brown.  Anne, naquele momento, soube que estava em segurança e, por isso, descansou. Deu por si a sentir a cabeça a latejar. O médico explicou-lhe que estava demasiadamente desidratada, tinhas alguns ferimentos nos pulsos e tornozelos e alguns sinais de fadiga. Recomendou a ingestão de muitos líquidos, a aplicação de bálsamos nas feridas e repouso num ambiente tranquilo.

Todas estas recomendações transmitiu-as às pessoas que esperavam ansiosamente, do lado de fora do quarto azul, pelo diagnóstico do médico. Referiu ainda que o quer que tenha acontecido causou-lhe grande sofrimento e que deveria ser investigado. Wentworth tinha-se dirigido, logo que o médico saiu do quarto azul, na sua direcção e ouvia ansiosamente tudo o que ele explicava.

Após a partida do médico, estavam todos reunidos: Mr. Darcy, Mrs. Darcy, Georgiana;   e os ocupantes das duas carruagens que chegaram: Mr. Knightley, Wentworth, General Tilney, Fanny e William Price e Edmund Bertram. Foi Emma - habituada a ter posse de toda a informações em todas as situações - quem quebrou o silêncio:

- Afinal, alguém pode explicar o que aconteceu a Anne Elliot?

-Eu sou conhecedora de parte da história – falou Fanny Price em voz baixa – mas… parece que há muito mais por detrás do pouco que sei.

- Miss Price, se não fosse por si, nunca teríamos recuperado a minha adorada Anne! Terá a minha gratidão eterna!– setencia Wentworth.

-Adorada? – questiona Emma, em voz baixa, com um meio sorriso.

- Emma, isto não é altura para este tipo de conjecturas… - recrimina Mr. Knightley, também em voz baixa, mas Emma finge não ouvir…

-Tudo isto é culpa daquele canalha do Elliot! – diz General Tilney – E eu que o julgava um homem de bem e confiável! Revelou-se um safardana!

-Canalha desprezível! – remata Wentworth – só não trato dele com as minhas próprias mãos agora porque a saúde de Anne é mais importante do que tudo, mas o meu cunhado, Almirante Croft está no seu encalço.

- Meus caros senhores, tudo isto ainda está muito confuso para mim e dada a minha condição – Elizabeth acaricia instintivamente a sua barriga e Mr. Darcy coloca-se de imediato do seu lado. Ela continua: – preciso sentar-me e serenar o espírito. Anne está segura e a tratada. Falta-nos saber o que lhe aconteceu. Consigo perceber que cada um sabe um pouco deste infortúnio, por isso, vamos ouvir o que cada um sabe, a ver se isto fica claro. 

General Tilney, homem habituado a agir e a liderar, ia começar a relatar tudo o que sabia e de que forma tinha auxiliado na fuga de Anne quando ouviu-se a sineta do quarto azul a tocar. General Tilney sempre foi pouco dado a tolerar interrupções bruscas mas ele agora sentia-se renascido, de forma que calou-se com uma frase a meio. Todos se entreolharam com um nome a pairar “Anne…”. Dirigiram-se de imediato ao quarto. Anne encontrava-se pálida e fraca mas insistia que tinha de relatar tudo o que lhe aconteceu.

-Preciso tirar isto de dentro de mim. Preciso que me ouçam porque a memória de tudo o que me aconteceu é um fardo demasiado pesado para guardar dentro de mim. Preciso falar! E depois nunca mais quero pensar nisto! Quero esquecer para sempre. – Anne quase que suplicava. – Meu querido Wentworth, preciso de ti ao meu lado, preciso sentir o toque de tuas mãos enquanto falo. Tu és aquele cuja lembrança fez-me sobreviver aos dias de horror que vivi.

Todos acomodaram-se da forma que foi possível e o mais perto que puderam de Anne. Queriam evitar que esta passasse por mais sofrimento, queriam minimizar o seu esforço.

Calma mas, de forma precisa, Anne começou a contar tudo o que lhe acontecera.

ShortStory2 | Parte 43

Sim, a viagem de Anne seria a oportunidade ideal para colocar o seu plano em andamento. Antes de mais, teria de recorrer ao seu amigo. Sabia que não poderia revelar-lhe as suas intenções… teria de apelar para os seus dois pontos fracos: um compromisso de honra e um amor contrariado. Há muito tempo que Mr. Elliot conhecia-o e sabia que um amor contrariado do passado o tinha tornado num homem amargo e insensível. Somente demonstrando-lhe que estaria a passar pelo mesmo é que teria o seu total apoio. E, assim, foi. Depois de naquele dia os dois terem trocado um aperto de mãos, o homem convidou Mr. Elliot a cear e pernoitar na Abadia. Assim, poderiam falar melhor.

- Com todo o prazer, caro Tilney. – aceita Mr. Elliot – sempre fui muito bem recebido por si e a tranquilidade da Abadia é um conforto neste momento de angústia.

-Façamos, então, um passeio pelas alamedas da Abadia e aproveitamos para conversarmos melhor na forma como posso ajudá-lo – convida General Tilney e indica a direcção da porta que permitiria alcançar a parte de trás da casa – Por aqui, se me permite.

Os dois caminhavam lentamente e aspiravam o ar que já se tornava frio. Começaram a conversar sobre a questão do rompimento de Mr. Elliot e este afirmou que acreditava que General Tilney, homem de armas e experiente, saberia aconselhá-lo na melhor forma de contornar toda aquela situação.

-Preciso que me oriente e preciso também que me descubra informações sobre o intruso que me quer roubar o meu mais precioso bem. – afirmou Mr. Elliot.

- Bem? – volveu General Tilney.

-Quero dizer… alguém que é mais importante do que todos os meus bens… - corrigiu Mr. Elliot.

General Tilney era um homem temido pela família porque dominava-a com pulso firme. Não era um homem que aceitasse recusas. Ver que o seu amigo Elliot estava a ser usurpado como um dia ele foi… Custou-lhe… Custou-lhe muito. Começou, então a orientar-lhe de como deveria agir e de como ser firme e persistente. Assegurou-lhe também que iria tentar descobrir dados sobre o intruso em causa. Mr. Elliot informou-lhe que o intruso era um oficial da marinha, ao que o General Tilney afirmou que a tarefa seria, então, bem mais fácil. Acontecia que tinha recebido um convite de um velho amigo seu, Almirante Croft, para passar uma temporada no campo.

- Croft, Almirante Croft? Pois este senhor arrendou a propriedade de meu tio, Sir Walter Elliot e ele é parente do intruso em causa! – exclamou Mr. Elliot.

-Pois, então, considere a minha ajuda concretizada. – disse-lhe General Tilney

 

 

 

A verdade, a real intenção de Mr. Elliot, era outra oposta à que relatou ao General Tilney. Ele não queria conselhos sobre como agir ou informações sobre Wentworth. Ele já possuía todo o conhecimento sobre a vida e percurso de Frederick. Desde o momento em que viu que Anne não voltaria atrás na sua decisão achou ser mais inteligente representar o papel do pretendente rejeitado mas conformado. Não queria perder a oportunidade de usufruir da companhia de Anne nem de ser impedido de ter acesso àquela casa. Então, de imediato, como um camaleão adaptou-se às circunstâncias. Enxergava claramente a modificação ocorrida em Anne e alimentava a certeza de que alguém estaria por detrás disto, um novo afecto. Tinha a consciência de que Anne nunca sentiu por ele nada para além de consideração que pode ter por um primo. Contudo, tinha esperanças de que ela o aprendesse a amar. Um intruso nesta equação veio desequilibrar todo os seus planos para o futuro. Tinha de confirmar as suas suspeitas e descobrir quem ele era. Tendo acesso constante a casa começou a inquirir aqui e acolá; e, veio a saber que Miss Anne Elliot enviava diariamente correspondência para um destinatário fora de Bath. Numa de suas visitas  conseguiu interceptar uma carta de Anne para Wentworth que o criado tinha pousado no móvel de entrada enquanto foi buscar o resto da correspondência da casa. Não era difícil que Anne se correspondesse com Wentworth sem mais ninguém na família se desse conta, simplesmente porque ninguém estava interessado com o que Anne fazia ou deixava de fazer.

A partir daí, com o nome de Frederick em suas mãos, começou a obter dados a seu respeito. Uma das primeiras pessoas a ajudar-lhe, sem se dar conta, foi Lady Russel em uma das tardes em que estava a tomar o chá em casa de Sir Walter. Num dos momentos em que Sir Walter estava preocupado com uma ligeira ruga de seu rosto e observava-se obsessivamente ao espelho, Mr. Elliot consegue com destreza fazer Lady Russel falar.Toda a informação que obteve de Lady Russel foi fundamental para compreender o passado em comum entre Anne e Frederick. Mas não se ficou por aqui, contratou um investigador para levantar toda a informação disponível sobre ele. Enquanto procedia a investigação arquitectou o seu plano e, para isso, precisa de local discreto, distante e desabitado. E, neste ponto do seu plano, entraria a ajuda de General Tilney. Sabia-o possuidor de muitas propriedades. Uma delas enquadrava-se perfeitamente naquilo que planeava: BlackThunder.

Era do conhecimento geral que General Tilney era viúvo há muitos anos. Perdeu a sua esposa quando os seus filhos ainda eram crianças de tenra idade. Embora não fosse apaixonado por sua esposa, tratou-se de um casamento de conveniência ao qual foi forçado aceitar, sentiu-lhe muito a morte. Viu-se despojado pela segunda vez. Na primeira vez, teve de abdicar do seu grande amor. Na segunda vez, perdeu a mãe de seus filhos e a mulher que aprendeu a respeitar pela grandeza de carácter. Caiu numa espiral de amargura e revolta, processo que o transformou. Nesta altura, tornou-se proprietário de uma estranha residência: BlackThunder. Tratava-se de um grande palacete cravado num íngreme penhasco cercado pelo mar. Uma construção sombria e cinzenta. Assemelhava-se a uma fortaleza medieval. Não havia mais casa nenhuma à volta e somente encontrava-se população na cidade vizinha. Naquela região nunca havia bom tempo. Dizia-se, em forma de ditado popular, que o sol nunca chegara àquela localidade. O vento é que era o senhor e rei daquele domínio. Era o local perfeito para a solidão e para o recolhimento. General Tilney passou, pelo menos, cinco anos seguidos em BlackThunder. Desde que retornou nunca mais lá voltou.

Para Mr. Elliot afigurava-se ser o local ideal e, de forma subtil, questionou sobre o local e se seria muito incómodo utilizá-lo durante uns dias para reflexão. General Tilney achou estranho o pedido, dado que BlackThunder há muito estava desabitado; nem sequer tinha criados, somente um caseiro.  Contudo, quis agradar o amigo e reconheceu-lhe o desejo de ficar só e acedeu.

 

 

Anne Elliot chegou sã e salva, depois de uma viagem agradável até à casa da irmã. Encontrou Mary prostrada. Habituada como estava àquele cenário começou de imediato a tentar animá-la e, de facto, não foi uma tarefa muito difícil. Mary queria ser consolada e ser o centro das atenções. Anne estava nas melhor das disposições porque sabia que em breve veria Wentworth. Em questão de um quarto de hora, as duas já faziam uma leve refeição enquanto Mary relatava as últimas novidades e os visitantes que estavam nas redondezas. Referiu que Almirante Croft e Mrs. Croft eram presença constante na casa de seu sogro, bem como o cunhado do Almirante. Mary descreve-o como um homem extremamente bem parecido.

"As minhas cunhadas e outra jovem convidada que está em KellynchHall estão ensandecidas por ele" - informa Mary. Anne questiona quem era a dita jovem. Então, Mary explica em pormenor que os Croft convidaram um grupo de amigos: Sir Thomas Bertram, que conheceu nas suas navegações pelas Índias Orientais; Edmund Bertram, seu filho; Fanny e William Price, seus sobrinhos e o General Tilney. "Se queres que te diga, Anne, aquela Fanny é uma sonsa! Passa a vida a passear com o primo e o irmão, ou a ler; mas cá para mim, ela quer é fisgar um bom pretendente como o Capitão Wentworth! Mas ele seria ideal para uma de minhas cunhadas!" - dispara Mary. 

Anne lembrava-se de ter sido apresentada a Fanny Price no baile de Emma e a impressão com a qual ficou foi a de ser uma jovem extremamente pacata e até socialmente inexperiente. Conhecedora como era dos relatos irreais e exagerados da irmã, tranquilizou-se. Inclusive porque tinha plena confiança nos sentimentos de Wentworth.

Contava ansiosamente cada minuto que faltava para o reencontro. "Haveria felicidade maior do que saber-se amada?" sorriu mentalmente.

Tudo corria bem. Ela não podia suspeitar que a sua viagem não terminaria ali.

ShortStory2 | Parte 42

Chegado ao fim de Agosto, o verão começou a perder o seu vigor. O entusiasmo por longos passeios abrandaram e os dias começaram a contar com menos horas de luz para poderem ser usufruídas. Setembro é o mês em que não sendo bem frio também não possuía a intesidade de calor do mês anterior. Reservava o início do recolhimento. Lentamente as folhas das árvores enferrujariam e dançariam pelas alamedas e jardins. O entardecer assumiria uma tonalidade mais alaranjada e carregaria consigo um resfriamento da temperatura.

Com a chegada do Outono, Anne recebeu uma carta da sua irmã Mary Musgrove a queixar-se de que ela tinha-a abandonado por todo o Verão. Acusou-a de ser cruel por tê-la deixado sozinha quando ela sabia perfeitamente que sofria horrores com o calor. Mary afirmou na carta: “Sou basicamente uma inválida! Julgas que Charles se comove com o meu estado? Nem por um minuto! Parte logo de manhã cedo, para aventurar-se em caçadas que se prolongam durante todo o dia! E eu, que nem um copo de água consigo ingerir, fico aqui condenada a uma vida de quase indigência! Estou tão sem forças que quase nem consigo escrever-te…”.

O resultado das queixas de Mary foi a recusa de Anne Elliot de um convite feito por Emma Woodhouse para passar uma temporada com ela. Este convite era vantajoso para Anne porque poderia usufruir de alguma proximidade com Wentworth, já que este tinha se tornado amigo de Mr. Knightley e de Emma Woodhouse. Um tanto contrariada, declinou o convite;  não era uma altura para chamar a atenção de sua família.

É bem certo que os Elliot pouco reconheciam a importância de Anne; excepto quando era necessária para fazer algo que não lhes apetecia fazer. Mas dado o rompimento com Mr. Elliot, acreditava que tinha de ser cautelosa. Sabia que enfrentaria objecção da família por uma questão utilitária e não por causa do seu bem-estar. A sua convicção fazia-a estar segura de que se fosse necessário enfrentá-los, fá-lo-ia. Porém, também tinha sabedoria suficiente para não acirrar os ânimos.

Deixou-a insegura a reacção de Mr. Elliot quando comunicou-lhe que queria desfazer o compromisso. Mostrou-se inesperadamente atencioso, questionou-lhe o porquê de tal decisão, se ele teria cometido algum erro ou algo que a desagradasse e se não estaria a ser precipitada. Mr. Elliot inclusive chegou a declarar-lhe de que sentia por ela o mais profundo e sentido afecto que alguma vez sentiu e propôs-lhe que ela indicasse de que maneira ele poderia ser mais merecedor da sua estima e afecto.

“Mr. Elliot, compreenda, não se trata de uma questão de fazer algo melhor ou pior. Penso que somos incompatíveis e a nossa união nunca seria feliz”, afirmou-lhe Anne.

Mr. Elliot pareceu conformado e mudou de assunto. Continuou a conversar com Anne como se nada tivesse acontecido e como se eles não tivessem rompido o compromisso. “Uma reacção deveras estranha...”, pensou Anne. Ela, porém, tinha pensamentos mais belos para alimentar e toda uma profusão de planos para o futuro que, apresentava-se, sorridente. De tal forma que, passou a não dar tanta importância a continuidade de visitas de Mr. Elliot e o seu silêncio perante o resto da família sobre o rompimento. Anne também não sentiu uma obrigação imediata de informar a família.

Dedicou-se a trocar correspondência com Wentworth que estava de visita à irmã em Kellynch Hall.  Segundo ele informou-lhe, o Almirante Croft teria mais convidados consigo. “Querida Anne, algumas destas pessoas estiveram no abençoado baile que marcou o nosso recomeço. Como eu gostaria que estivesses aqui”, escreveu-lhe.  De facto, o pedido de Mary foi um presente da divina Providência porque poderia dar atenção à sua irmã , estar mais próxima de Wentworth e sair de Bath.

Envolvida nos preparativos para a viagem não apercebe-se da chegada de Mr. Elliot. No momento do toque da sineta para o chá, encontra-o a conversar com Sir Walter:

-Digo-lhe, Mr. Elliot, já não há elegância! De todo! Um legítimo cavalheiro de linhagem tem de atender a certos parâmetros de postura e de apresentação. Sinto náuseas com esta falta de consciência do lugar que cada um ocupa na sociedade! Qualquer dia, qualquer um que passe na rua dirige-nos a palavra como se tivéssemos de responder-lhes! Totalmente degradante…

- Caro Sir Walter, são os novos tempos… - responde-lhe Mr. Elliot

-Novos tempos! Novos tempos! Qualquer dia teremos de dar bom dia à criadagem! – refere Sir Walter enquanto torce o nariz. Neste momento, vê Anne: - Ah, Anne, está aqui o Mr. Elliot!

Anne o cumprimenta e ele retribui.

- Senhor meu pai, relembro-lhe que parto amanhã bem cedo.

-Partes? Como assim? – pergunta Sir Walter que já não se recordava que Anne iria visitar a irmã. Então, Anne volta a explicar-lhe. Durante toda a conversa, Mr. Elliot manteve-se quieto e silencioso. No fim da visita, desejou boa viagem para Anne e partiu.

Enquanto caminhava, apoiado na sua bengala, pela rua humedecida por uma leve camada de chuva, Mr Elliot afirmou para si próprio "Eu assegurarei de que terás uma boa viagem!"

ShortStory2 | Parte 41

Muitos poderão dizer que uma vez vilão, sempre vilão. A verdade é que a vida não é tão simplista e nem tudo é tão óbvio. Existe, em qualquer pessoa, a dado momento da vida, em qualquer idade, uma possibilidade de reescrever a sua história. Muitos poderão afirmar com veemência que um escorpião não nega a sua natureza e poderá, sem mais nem menos, aplicar o seu veneno fatal.

Muitos, de facto, poderão afirmar tudo isto e muitas mais teorias. A vida, contudo, ultrapassa qualquer teorização e preconceito. A vida faz-se em cima da linha ténue da imprevisibilidade e da indecifrável razão do comportamento da natureza humana. E, esta história, caro leitor não é uma história comum. Temos vários heróis e heroínas. Alguns vilãos que parecem cavalheiros e alguns reais cavalheiros que esqueceram de que realmente o são.

Uns caem no abismo, outros escalam as paredes rugosas de uma cova profunda do seu próprio ser e alcançam uma inesperada libertação. Então, para além desta ser uma história de vários amores e amizades; esta também é uma história de libertação, transformação e renascimento.

Poderão, a partir daqui, concluir que nem tudo o que parece ser o é. Constatarão de que há pessoas que, embora no anonimato, tornam-se fundamentais. E de que há outras que revelam-se heróis recalcados agraciados pelo condão de uma segunda chance.

ShortStory2 | Parte 40

"A sorte não sorri a todos de igual forma. Se possuo algum valor, se tenho em mim alguma capacidade de resistência, tenho de dar o meu melhor. Resistir. Resistir. Resistir… Por Deus, como é possível passar da extrema felicidade ao mais profundo desespero? Encontro-me em queda, sem ver o final de tudo isto. Como resistirei? Como manterei a sanidade no meio desta desventura? Alguma vez tornarei a ver o seu rosto? Haverá outra oportunidade de ouvir-lhe a voz?

As duras provas pelas quais passamos não nos preparam para as armadilhas que o destino nos reserva e o cárcere ao qual fui submetida é prova disto. Será noite ou dia? Há quantos dias estou aqui? Até quando suportarei? Até quando…?"

 

Não sabia onde exactamente estava. Havia perdido a noção do tempo. Tinha, no entanto, a perfeita consciência de quem a tinha por cativa. Não podia imaginar, nunca, nem por um só minuto, que a sua decisão a levaria a conhecer o terreno vertiginosamente perigoso da natureza humana. E quão obscura ela pode ser! Quão terrivelmente obscura! Já esgotou lágrimas, súplicas e razão. Esgotou-se-lhe todos os argumentos possíveis para desvencilhar-se daquela situação. Restava-lhe resistir, esperar e orar. Orava fervorosamente para que tudo isto acabasse rápido e que a solução surgisse. Guardava em si uma réstia de esperança e não queria deixar, de forma alguma, que ela desvanecesse.

O frio enregelava-lhe os braços, por si doloridos. As cordas que lhe atavam os pulsos e as pernas rompiam a sua delicada pele e causavam um latejar insuportável. O vento lá fora, uivava e retorcia-se contra as janelas do aposento onde estava aprisionada. Sim, era uma prisioneira. Procurava manter a lucidez e, por outro lado, tentava recordar-se como tudo aconteceu; de forma a vir obter alguma indicação da sua localização. A única coisa que concluiu é que estava num local desabitado e que era perto do mar. Não ouvia barulho de outra pessoa para além o do seu algoz. Por outro lado, podia sentir o cheiro intenso de maresia e o som das ondas do mar em fúria. 

De repente, a madeira começa a ranger. Inicialmente, um som discreto. O som aumenta gradualmente conforme aproxima-se. Um passo a seguir a outro. Pareceu-lhe ser aquele o som mais desagradável do mundo. A porta abre-se. O quarto está obscurecido devido aos pesados cortinados e mas ela conseguia ver. Ele fica parado, a observá-la. Um sorriso e uma flor em uma das mãos. Na outra mão firma a bengala e prossegue até chegar junto ao leito. Ela está aterrorizada. Não sabe o que é mais degradante, o sorriso ou a flor. “Resistir, resistir, resistir…” repetia insistentemente na sua mente. Ele inclina-se e deposita-lhe um beijo na testa. “Que sensação tão absurdamente repugnante!”, ela não consegue evitar a náusea por tal contacto.

- Minha querida, - ele começa por dizer-lhe - não demorará muito para concretizarmos a nossa feliz união! Sei que deves estar ansiosa… mas não desesperes, em breve seremos um do outro para todo o sempre! 

Ela nada replica. 

- Sei que esta não deveria ser a forma adequada de prepararmos o nosso enlace, mas não posso correr riscos. És delicada e frágil. Mas o teu mérito não reside na capacidade para discernir uma decisão correcta da errada; de forma, que eu estou aqui para guiar-te e para garantir que não és novamente enganada e afastada de mim. – assegurou ele.

Em todo o tempo, ela nada disse e nada respondeu. Não havia nada a dizer. A única coisa que poderia realmente fazer seria aguardar pelo momento certo para fugir a toda aquela situação. Até lá, tinha de resistir e guardar forças. Foi com grande alívio que o viu ausentar-se do cômodo.  


 

Mr. Elliot apoiou-se na bengala e encaminhou-se para o seu próprio cômodo. Alcançou a larga varanda virada para o mar e aspirou amplamente o ar salgado. Ele parecia satisfeito com a reacção de Anne Elliot.  Traduzia daquele silêncio uma docilidade que entrevia um espírito quebrantado. Tudo no seu plano estava a seguir o rumo premeditadamente concebido. “Afirmei que ela seria minha e será!”, conjecturou em pensamento.

Do seu amigo, aquele a quem pediu auxílio, conseguiu o que pretendia. Convém referir que este amigo não fazia a remota ideia de que contribuiu para uma armadilha ardilosa. É bem verdade que tratava-se de um homem implacável e que seguia as conveniências, mas também é verdade que tratava-se de um homem com um sentido de honra. “Ele não poderia saber o que eu planeava mas serviu como peão para o concretizar dos meus intentos”, avaliou.

 

Existe uma fina barreira entre a sanidade e o abismo. Mr. Elliot tinha-a ultrapassado. Quando se cai no abismo dificilmente há um retorno.


ShortStory2 | Parte 39

Se não fosse pelo facto do céu estar em todo o seu esplendor azul e do sol brilhar com intensidade, ninguém diria que seriam acometidos por uma tempestade. A aparição de Anne Elliot foi, de facto estarrecedora. Não nos detenhamos no facto de que Elizabeth Darcy afirmara a ausência de Anne por estar a preparar-se para o casamento com Mr. Elliot. Uma justificativa perfeitamente razoável. Assim como seria razoável uma mudança de planos. O inusitado da situação prendia-se à forma como surgiu diante de todos naquela manhã. Desgrenhada, de vestido rasgado, de mala nas mãos e a desfalecer de exaustão.

Emma que sempre tem algo a dizer, ficou estática a olhar; Elizabeth, habituada a ter presença de espírito em qualquer situação, deixou a chávena de chá cair ao chão; e, Mr. Darcy, hábil em situações constrangedoras, esgasgou-se com o sconne que estava a saborear. Georgina Darcy foi a única, dentre os presentes, que teve a lucidez necessária para lidar com a situação. Levantou-se de imediato, correu em direcção a Anne e ajudou-a a sentar-se na cadeira mais próxima. Esta logo de seguida caiu na cadeira sem sentidos.

- Rápido, Mrs. Portman! Traga-me de imediato um copo de água com açúcar e um pouco de sais para reanimar Miss Anne! Rápido! – ordenou Georgiana e, de seguida, diz ao irmão – Darcy, vá depressa buscar ajuda, meu irmão! Despache-se, precisamos de um médico! Não sabemos se Anne está ferida, vejo marcas estranhas nos seus pulsos…

- Com certeza que sim! Vou pessoalmente dar a devidas ordens para trazer o auxílio de um médico – dito isto, Mr. Darcy vira-se para Elizabeth: - Minha querida, como estás? Semelhante susto não a afectou, pois não? Posso partir tranquilo, em busca de auxílio, com a certeza de que tu e o nosso filho ficarão bem?

- Sim, meu querido. Ficarei bem! Estou decerto confusa e surpresa, mas sinto-me bem. Parta sem demora! – respondeu Elizabeth.

Mr. Darcy beijou-lhe as mãos e retirou-se com urgência. Ele estava completamente atónito com a visão da entrada de Miss Anne mas agora que recobrou da surpresa inicial estava decidido a agir com prontidão. Saiu da sala de refeições, desceu as escadas com presteza, ordenou que lhe selassem o cavalo e ele próprio foi buscar o médico. Nunca esqueceria todo o bem que a companhia de Anne Elliot fez para a mudança de disposição de sua querida e adorada Elizabeth. Desde que elas se tornaram grandes amigas houve um começo de transformação em sua esposa; e sentia, por isso, uma imensurável gratidão para com Anne Elliot. Este era o momento de o demonstrar.

Entretanto, Elizabeth e Emma já estavam ao lado de Georgiana a tentar ajudá-la.

- Elizabeth, Miss Anne não retorna a si… estou tão preocupada… Já deveria ter despertado com os sais! – disse Georgiana

- Sim, é verdade! – concorda Elizabeth – Meu Deus, que situação! O que lhe terá acontecido? Está com um aspecto tão desgastado!

- Minha querida, - começa Emma – penso que devemos procurar explicações depois e preocuparmo-nos agora com o mais importante, o bem-estar de Anne.

Emma tem um espírito prático e, portanto, sugere a Elizabeth dado a sua condição física delicada que a autorizasse a dar ordens aos criados e a fazer preparativos para acomodar Anne Elliot. Se havia talento em Emma era para a organização. Elizabeth deu-lhe liberdade para tomar as medidas necessárias e em menos de metade de uma hora, Anne Elliot foi levada para o quarto de hóspedes, o quarto azul. Retiraram-lhe as vestimentas rasgadas, refrescaram-lhe o corpo e a vestiram com uma delicada roupa de dormir.

Elizabeth ainda não consegue acreditar e levanta a questão : - O que lhe terá acontecido? Não consigo atinar numa razão plausível para esta situação…

- Quem me dera que Mr. Knightley já estivesse aqui, - refere Emma – ele saberia pensar numa forma coerente de compreender isto tudo… Eu estava convicta de que Anne estava com Wentworth. Tu disseste-me ontem exactamente o oposto, de que ela estaria quase a casar com Mr. Elliot. Não consigo, de facto, compreender esta situação…

Emma recriminava-se por não ter sido mais incisiva na sua campanha de unir Anne a Wentworth. A verdade é que desleixou-se do seu intento. Confiou demasiadamente na sua argúcia. “Como sou tola e pretensiosa! É a última vez que cometo um erro destes!” recriminou-se. Naquele  momento, a verdade seja dita, a recriminação era uma punição desnecessária e até, porque não acrescentar, egoísta. 

Um som ao longe, abafado, veio interromper os pensamentos das três mulheres reunidas no quarto azul, onde jazia desfalecida Anne Elliot. Georgiana correu até a janela e anunciou:

- Darcy está a chegar!... Mas também surge uma carruagem… esperem... são duas carruagens!

Elizabeth e Emma entreolharam-se e dirigiram-se também até a janela.

Passou-se um hora e meia desde a chegada de Anne e tudo indicava que aquele seria um longo dia.