Anteriormente eu partilhei a sensação que eu sempre tive de que assistir a este filme era muitas vezes como olhar para uma série de pinturas. Exemplifiquei esta minha sensação referindo aquela cena em que Coronel Brandon (Alan Rickman) vê Marianne (Kate Winslet) pela primeira vez quando ela está a tocar piano. Nesta cena, ela termina inclinando a cabeça para o lado. Neste específico momento, nestes breves segundos, parece que visualizamos um quadro. São inúmeras as cenas em que isto acontece, esta sensação. Há pouco tempo descobri, ao ler no site Eras of Elegance, que Ang Lee teria se inspirado na obra do pintor holandês Johannes Vermeer. Então, tudo fez sentido para mim. O jogo entre luz e sombra é bastante acentuado em várias cenas.
Por causa disto, farei algumas comparações entre quadros deste pintor e algumas cenas do filme.
Quem não conhece o famoso quadro “Rapariga com brinco de pérola”?
Além da sua inegável beleza tenho de afirmar o seu talento. Eu, que não apreciei muito o filme Titanic, tenho de conceder que ela foi maravilhosa nesse filme. Quando ela foi seleccionada para "Sensibilidade e Bom Senso" (1995), ainda estava no início de carreira, mas impressiona-me sempre a dimensão e a densidade psicológica que ela atribuiu à Marianne Dashwood. Eu também gosto da Marianne Dashwood da versão de 2008 interpretada por Charity Wakefield, mas, na minha opinião, Kate Winslet foi a única que conseguiu imprimir o ímpeto apaixonado de Marianne que Jane Austen nos transmite no livro. Os momentos de felicidade e de tristeza saem-lhe pelos olhos e transpiram em toda a sua expressão corporal. Com Kate Winslet amamos e sofremos na mesma intensidade. De igual forma, penso que ela marca afincadamente a mudança na sua personalidade depois da sua doença após a desilusão com Willoughby.
Se Emma Thompson nos dá toda a dimensão de sabedoria, sensatez e discrição de Elinor; Kate Winslet transporta-nos para toda uma amálgama de sentimentos intensos e à flor da pele. Aliás, entre as duas "irmãs" houve muita química e parece-me que isto resultou muito bem na dinâmica do relacionamento entre elas.
Uma curiosidade que eu li no Eras of Elegance (o melhor site que eu encontrei a falar sobre este filme) é que quando Kate Winslet foi fazer audição para este filme seria para o papel de Lucy Steele. Mas quando a produtora do filme, Lindsay Doran, a viu achou-a perfeita para o papel de Marianne. O que vocês acham? Eu concordo.
Título Original: Sense and Sensibility: Marianne Dashwood - blushing maiden or feminist? Retirado do site: Austen Prose Autor do Artigo: Laurel Ann 28.01.09 Traduzido e Adaptado por Clara Ferreira
Mrs. Jennings era uma viúva, com uma vasta herança. Tinha apenas duas filhas, tendo a sorte de viver o suficiente para as ver respeitosamente casadas, e agora, não tinha nada para fazer além de casar o resto do mundo. Na promoção deste mote, ela era zelosamente activa, tanto quanto a sua abilidade conseguia, e não perdia nenhuma oportunidade para planear casamentos junto de todos os jovens do seu conhecimento. Era muito rápida a descobrir compromissos, e gostava muito da vantagem de fazer corar e envaidecer muitas jovens senhoras pelas suas insinuações sobre determinado senho; e este seu discernimento permitiu-lhe, pouco depois da sua chegada a Barton, afirmar que o Coronel Brandon estava apaixonado por Marianne Dashwood. Ela já desconfiara disso logo no primeiro serão que passaram juntos, pela atenção dada a Marianne enquanto cantava para eles; e quando a visita foi devolvida pelos Middletons na pequena casa, o facto era certo, pois ele ouviu-a novamente com muita atenção. Tinha de ser. Ela estava perfeitamente convencida disso. Seria um excelente casamento, por ele ser rico e ela belíssima. Mrs. Jennings ansiava por ver o Coronel Brandon bem casado, isto desde que ele lhe fora apresentado por Sir John; e ela estava também sempre muito ansiosa por arranjar um bom marido para qualquer bonita jovem.
Sensibilidade e Bom Senso, Capítulo 8
Esta ilustração a cores de Charles E. Brock, de Mrs. Jennings a fazer Marianne Dashwood corar sempre me pareceu contrária à minha visão da sua real personalidade. Se ela está, de facto, corada, não é pelo embaraço que Mrs. Jennings lhe provoca, mas sim da sua irritação. Ela é demasiado bem educada para olhá-la nos olhos e dizer-lhe onde deve ir!
Eu estou possivelmente a trazer as minhas sensibilidades do século 21 para o cenário, mas sempre pensei em Marianne como um pouco de feminista.
Ela poderia, facilmente, ter sido uma suffragette nos anos 1890 ou queimado o seu sutiã em 1960 e sentir-se orgulhosa disso. A sua mãe e Elinor podiam não concordar com as sua objecções quanto à conclusão de Mrs. Jennings de que ela e o Coronel Brandon eram um excelente casal por ele era rico e ela bonita, mas vá lá, ela tinha 16 e ele 35 anos! Eu concordo com as suas objecções. Ele está além do horizonte nos seus românticos olhos. Jane Austen está, como é óbvio, a levar a questão pela visão da sua família, que ela não tem dinheiro e deveria estar grata por tal aliança. Marianne quer Amor, não um casamento por conveniência, um tema que corre em todos os romances de Austen e também na sua própria vida.
No fim, a sua busca ela relevância do Amor sobre a crítica social destrói o seu espírito - os seus ideais românticos. Depois da rejeição de Willoughby, ela sucumbe à ligação social apropriada - Coronel Brandon. A sua irmã, Elinor, que sempre agiu com bom senso, é recompensada - casa com o homem que ama. Ficamos felizes por ela, mas não por Marianne que desejava mais e estabelece-se por menos. Se Sensibilidade e Bom Senso foi escrito com a intenção de ser uma fábula moral para a falta de sensibilidade e de sentido social das jovens raparigas, é igualmente cruel nessa tarefa.
Mrs. Jennings was a widow, with an ample jointure. She had only two daughters, both of whom she had lived to see respectably married, and she had now therefore nothing to do but marry all the rest of the world. In the promotion of this object, she was zealously active, as far as her ability reached, and missed no opportunity of projecting weddings among all the young people of her acquaintance. She was remarkably quick in the discovery of attachments, and had enjoyed the advantage of raising the blushes and the vanity of many a young lady by insinuations of her power over such a young man; and this kind of discernment enabled her soon after her arrival at Barton decisively to pronounce that Colonel Brandon was very much in love with Marianne Dashwood. She rather suspected it to be so, on the very first evening of their being together, from his listening so attentively while she sang to them; and when the visit was returned by the Middletons dining at the cottage, the fact was ascertained by his listening to her again. It must be so. She was perfectly convinced of it. It would be an excellent match, for he was rich and she was handsome. Mrs. Jennings had been anxious to see Colonel Brandon well married, ever since her connection with Sir John first brought him to her knowledge; and she was always anxious to get a good husband for every pretty girl. The Narrator, Sense and Sensibility, Chapter 8
"Marianne's abilities were, in many respects, quite equal to Elinor's. She was sensible and clever; but eager in everything; her sorrows, her joys, could have no moderation. She was generous, amiable, interesting: she was everything but prudent. The resemblance between her and her mother was strikingly great."
A música tornou-se para Marianne, na sua nova e madura disposição de ânimo, mais uma disciplina do que uma condescendência, o que a levou a fazer planos de se levantar às seis horas e “dividir cada momento entre a música e a leitura”. A leitura para Jane Austen é geralmente um sinal de seriedade, e essa ligação entre as duas artes dá à música o mesmo status. (...) Creio que a música continuaria a ter um papel importante na sua vida de casada, como lazer e, talvez, até mesmo como uma válvula de escape – ela não perderia totalmente a sua sensibilidade – e também para o prazer de seu marido, a quem ela se tornaria, em seu devido tempo, uma esposa totalmente devotada. Assim, para Marianne, a música pode funcionar tanto para o bem como para o mal; pode ser uma condescendência para com sua tristeza ou um caminho para a autodisciplina; pode atrair tanto um pretendente indigno como um marido respeitável.
Para Elinor, a música não possui o mesmo significado. “Elinor não era musicista e nem tinha a presunção de ser”. Elinor é como se fosse o padrão de moralidade do romance. É tentador interpretar isso como uma rejeição à música, até descobrirmos que o inútil de seu irmão, John, também não é músico. A frase em questão é “nem tinha a presunção de ser”. A presunção [no original em inglês, affectation: afetação, presunção] é sempre o alvo da ironia de Jane Austen, e a mensagem aqui é clara: Elinor conhece-se a si mesma e sabe do que gosta, e não finge gostar que não tem o menor interesse. Elinor desenvolveu muito cedo a habilidade de diferenciar o que é tacto daquilo que é falta de sinceridade.
(...)
Mansfield Park convida a uma comparação com Sensibilidade e Bom Senso, devido ao tom moral sério que parece afastá-los do outros romances mais leves, e por causa das semelhanças superficiais entre Elinor e Fanny, duas heroínas cumpridoras de seus deveres e sem talento para a música. No entanto, Elinor e Fanny apresentam tanto diferenças como semelhanças, inclusive com relação ao gosto musical. Elinor não gosta de música, ao passo que Fanny sente-se verdadeiramente atraída pela música quando Mary Crawford toca para ela, apesar do ciúme que sente pela admiração que Edmund nutre por Mary. A primeira vez que Fanny ouve a harpa fica “maravilhada pela performance, e... não mostra falta de gosto”, sendo que, mais tarde, na festa na casa dos Grants, Fanny sente-se mais feliz em ouvir a harpa do que participar dos jogos de cartas e das conversas. Elinor, nessa situação, preferiria procurar outra ocupação. Além do mais, há várias outras semelhanças interessantes entre Fanny e Marianne. Suas habilidades musicais são díspares, assim como suas personalidades, mas seus gostos têm muito em comum. Pam Perkins escreve: “Com relação ao forte sentimento romântico as duas mulheres são muito parecidas”, e acrescenta, “Fanny e Marianne são heroínas atípicas na obra de Austen, pois ambas preferem paisagens a pessoas”.
Em Sensibilidade e Bom Senso a música possui o significado de mostrar os extremos dos sentimentos de Marianne, que fica totalmente submersa quando toca piano, e de mostrar a presunção e falsidade de personagens como o de Lady Middleton. A música apresenta uma certa utilidade social, mas pode ser entediante para aqueles que não possuem nenhuma aptidão musical. (...) Austen usa a mudança de Marianne com relação à música para mostrar algo mais profundo em sua atitude com relação a ela mesma e ao seu mundo. A musicalidade não é nem um vício nem uma virtude: Marianne é musical por natureza; Elinor, não. Essas características são usadas para refletir outras qualidades, como a honestidade em Elinor, e a imprudência juvenil e eventual imaturidade de Marianne, assim como para promover um insight mais profundo dentro de seus caracteres e personalidades.
Continuando a ideia do post anterior, artigo que gostei muito de ler, gostava de realçar alguns pormenores.
Em Sensibilidade e Bom Senso temos John Willoughby.
Em S&S a grande vítima é Marianne Dashwood, embora ele também tenha iludido Mrs. Dashwood. Contudo, Elinor teve sempre "uma pulga atrás da orelha" em relação a ele. E ela, é a única das heroínas de Jane Austen que não caí das artimanhas de nenhum galã (se não estou enganada).
Em Orgulho e Preconceito temos Mr. Wickham.
Em O&P toda a família Bennet se apaixona por Wickham, diria ainda toda a Meryton. Mas as grandes vítimas são Lizzie e Lydia, por razões diferentes, é certo.
Em Emma temos Mr. Elton e Frank Churchill.
Em Emma, a nossa Miss Woodhouse nunca se sente genuinamente apaixonada por Frank Churchill. Contudo, foi errado da parte dela receber algumas das atenções que ele lhe concedia, e viu-se envolvida em dois circulos amorosos do qual não fazia sentido estar metida mas onde ela prórpia caiu e contribui para - falo de Churchiil-Emma-Fairfax; e Elton-Emma-Miss Smith.
Em O Parque de Mansfield temos Henry Crawford.
Em O Parque de Mansfield, Fanny é como Elinor, teve sempre alguma coisa contra Crawford, mas ainda assim, deixa-se levar durante uns tempos, cai inconscientemente na artimanha.
Em A Abadia de Northanger temos John Thorpe e Frederick Tilney.
Em Abadia de Northanger, creio que a nossa adorada Catherine nunca gostou genuinamente de Thorpe, o menino dos seus olhos foi sempre Henry Tilney. Frederick entra em cena para corromper a já de si corrupta Isabella.
Em Persuasão temos Mr. Eliot.
Em Persuasão, Anne guardou sempre reservas quanto a Mr. Eliot e não se deixou persuadir, embora saibamos que ela própria se imaginou como Mrs. Eliot a ocupar o lugar da mãe, no entanto, o seu coração nunca deixou de bater por Wentworth e não houve Lady Russel que lhe valesse, ela agora sabia o que fazer.
O artigo a seguir foi publicado originalmente na edição especial da revista Jane Austen’s Regency World, no. 44. O texto, escrito por Gillian Dooley (Flinders University, Austrália do Sul), fala a respeito da questão do gosto estético, mais especificamente do gosto musical em Sensibilidade e Bom Senso. A autora mostra como o gosto estético e a moralidade estavam relacionados no pensamento do século XVIII, e como Jane Austen usou a música para evidenciar o comportamento e o carácter dos personagens na sua obra.
Questão de Gosto
A questão do gosto estético e a sua relação com o valor moral era um assunto comum entre os moralistas e filósofos do século XVIII. Hermione Lee cita Shaftesbury, Burke e Hume para mostrar que, no século XVIII, “o gosto pela arte, pela literatura e pela natureza, estavam relacionados, e que os três indicavam o valor moral de uma pessoa”.
Os críticos dividiram-se com a relação e a maneira como a obra de Jane Austen endossaria esse ponto de vista. Gilbert Ryle vê “uma correlação predominante entre sentido de dever, de propriedade e gosto estético. Muitos de seus personagens que não possuem um desses três, não possuem os outros dois”. Mas as excepções incluem figuras-chave como Henry e Mary Crawford em Mansfield Park, que são importantes demais para serem deixadas de lado, e Mrs. Jennings em Sensibilidade e Bom Senso, que não possui gosto estético e que tem somente um sentido de propriedade muito básico, mas que certamente sabe das suas obrigações. Além disso, ela apresenta uma disposição à gentileza e à solicitude, sinais inquestionáveis de virtude moral.
(...)
De todos os seus personagens, o que mais completamente representa e ilustra os perigos em acreditar que a sensibilidade para a arte, para a literatura e para a natureza equiparam-se à virtude moral, é a de Marianne Dashwood. Marianne é musical; Elinor, não. Esta é uma das maneiras explícitas que Jane Austen usa para fazer a distinção entre as suas duas heroínas de Sensibilidade e Bom Senso.
Elinor tem talento para desenhar, logo, ela não é de todo desprovida de sensibilidade artística, mas ela possui uma atitude muito mais pragmática, pé-no-chão com a relação ao pitoresco do que Marianne. Ela gosta de interromper com ironia as divagações da irmã – por exemplo, quando Marianne descreve os encantos do outono em Norland, e Elinor diz: “Nem todas as pessoas... que conseguem ter a mesma paixão que tu por folhas mortas”.
A música por si só possui um significado um tanto ou quanto ambíguo em Sensibilidade. e Bom Senso Primeiro é, decerto, um elemento respeitável e aceitável na educação de uma jovem, embora não seja essencial, como mostra a falta de interesse de Elinor. Tocar e cantar, e outros talentos como desenhar e costurar, são considerados por alguns, como o meio-irmão John, meramente como um recurso nas negociações do casamento. Mas Mrs. Dashwood, obcecada em casar suas filhas, encoraja-as a ocuparem o tempo aperfeiçoando seus talentos, para a surpresa de Sir John Middleton, “que não tinha o hábito de ver muita actividade em casa”.
(...)
A música, portanto, para uma jovem casadoura, possui a dupla função de uma disciplina educacional e de adorno pessoal – um adicional aos encantos através dos quais um marido se deve sentir atraído. Mas pode ser também um perigoso prazer para um devoto da sensibilidade. Depois de Willoughby deixar Barton, Marianne passa os dias vagueando e chorando por Allenham, e atravessa as noites com o mesmo estado de espírito. Ela tocava todas as canções favoritas que costumava tocar para Willoughby, cada melodia onde suas vozes se juntaram, sentava-se diante do instrumento fitando cada linha de música que ele havia escrito para ela, até que seu coração ficou tão pesado que não cabia mais nenhuma tristeza; e essa tristeza era a cada dia renovada. Marianne passava horas ao piano cantando e chorando alternadamente e, com frequência, a sua voz era suplantada pelas lágrimas.
O excesso de condescendência de Marianne com a sua própria tristeza, assim como sua recusa em fazer qualquer esforço para controlar seus sentimentos, irão juntar-se, no futuro, à indisposição causada por Willoughby quando este a rejeita em Londres, e à doença grave que ela irá contrair ao caminhar pela chuva em Cleveland. Embora possamos perceber que seus sentimentos são verdadeiros, sua sensibilidade colocada acima de qualquer norma de comportamento parece, a princípio, ser um jogo. Para ela, talvez faça parte da história de seu romance que ela planeie contar em dias melhores, quando estiver unida novamente a Willoughby. Mas quando o reencontro feliz não acontece, Marianne não sabe como se comportar: ela aprendeu a encenar o papel da heroína sensível magoada e, embora Elinor tente ensiná-la, ela não consegue adquirir a autodisciplina e a firmeza que a ajudariam a lutar quando surgissem as dificuldades. Marianne, então, afunda-se em seus sentimentos e somente sua doença fatal poderá ensinar-lhe a lição de que a razão deve se sobrepor ao sentimento.