Não sei porquê mas sempre que penso em Mary Bennet e no que teria sido o seu futuro, não consigo deixar de pensar em Jane Eyre. A história das duas, naquilo que conhecemos de ambas as obras (Orgulho e Preconceito de Jane Austen e Jane Eyre de Charlotte Bronte), nada tem em comum. No entanto, penso que me apraz imaginar que Mary teria tido, depois dos destinos das irmãs, um percurso semelhante ao de Jane Eyre. Sem as tiradas ridículas!
Imagino-a a sair de casa dos seus pais, convicta da sua fealdade e acreditando que nunca encontrará um marido, e a começar a trabalhar como perceptora em alguma grande casa. Muito especialmente, imagino que nessa grande casa exista um taciturno e misterioso Mr Rochester que desperte para a beleza escondida de Mary e que a leve finalmente a apaixonar-se e a sentir que nem só de livros e inteligência se pode viver.
Comprei recentemente o livro "A independência de uma mulher" da Colleen McCullough, autora de "Pássaros feridos", que retrata um possível percurso para Mary Bennet. Ainda não o li mas pelo que pude perceber do resumo da história e por algumas pequenas partes que fui lendo, Mary terá direito aos seus minutos de fama e será abençoada, não só com uma história de amor, mas também com uma reviravolta na sua personalidade, que a tornará numa heroína, protagonista da sua história e uma mulher forte, interessante e que procura alcançar os seus objectivos.
Imagem retirada da página da Fnac Portugal
O livro encontra-se à venda em Portugal, traduzido, por duas ou três editoras. A edição que adquiri, encontrei-a na Fnac (9 euros) sob a forma de livro de bolso mas com uma estética atractiva. Transcrevo o resumo da contracapa e deixo a promessa de comentar aqui o livro quando o ler.
"Toda a gente conhece a história de Elizabeth Bennet, que se casou com o senhor Darcy em Orgulho e Preconceito. Mas o que aconteceu a Mary, a sua irmã do meio? Todas as irmãs Bennet conquistaram o seu destino: Jane tem um casamento feliz e uma grande família; Lizzie e o senhor Darcy ganharam uma extraordinária reputação social; Lydia conquistou uma reputação bem diferente; e Kitty é requisitada pelos salões mais luxuosos de Londres. Mary, por outro lado, é uma mulher transformada, agora independente de obrigações familiares. Inspirada pela prosa inflamada de Argos, do qual ninguém conhece a verdadeira identidade, Mary decide escrever um livro onde põe a nu os males do seu país e o drama dos pobres. Mas as suas viagens de pesquisa irão colocar em risco a sua própria vida - e acabarão por lançá-la nos braços do homem que a inspirou."
Não é fácil escrever sobre Kitty Bennet porque não há muito sobre ela em Orgulho e Preconceito. Kitty era penúltima das irmãs e é conhecida por ser influenciada por Lydia, um facto curioso já que Lydia era mais nova que Kitty e devia ser ela a influenciada. Talvez a função de Kitty seja demonstrar como existem pessoas que parecem não ter vontade própria e deixam-se levar pelos outros, sem grande esforço. Após o casamento de Lydia e sem a sua má influência, Kitty acaba por prosperar e tornar-se menos ignorante e insípida. O seu tempo é passado quase todo com as irmãs mais velhas e nunca lhe é permitido visitar Lydia, apesar desta frequentemente a convidar com promessas de bailes e rapazes. É mais ou menos este o futuro traçado por Jane Austen no último capitulo de Orgulho e Preconceito.
Quando decidi iniciar a shortstory que temos andado a publicar aqui no blogue, desde o inicio de Março, com Elizabeth e Darcy já casados, comecei logo por pensar se Kitty estaria já casada e se sim com quem. Na altura já estava decidido que me cabia a mim falar sobre ela. Não me foi difícil imaginar que casava com um oficial da Marinha e que corria o mundo com ele. Na altura pareceu-me que no fim o amor pela farda venceria e ela acabaria por escolher alguém com esse trabalho. Considerei um destino de acordo com aquilo que nos é dado a conhecer da personagem
Fiquei surpreendida ao ler que Jane Austen disse que ela casara com um homem da Igreja que tinha a sua paróquia perto de Pemberley. Esta informação está no livro "A Memoir of Jane Austen" by James Edward Austen Leigh, seu sobrinho e facilmente o encontram na internet, já que o livro já não tem direitos de autor.
É o tipo de destino que não vemos para Kitty quando nos é apresentada. O casamento com alguém da igreja acaba por lhe dar algum destaque na comunidade e responsabilidade. No entanto até lá chegar ela teve de percorrer um longo caminho e sendo influenciavel podia facilmente perder-se.
Não deixa de ser interessante percebemos que Kitty casa mas com um homem que não é rico e não tem muito destaque na sociedade, excepto a nível local. Já Jane e Elizabeth ocupam lugares de destaque. Talvez tenha sido uma forma de Jane Austen valorizar a importância da educação, modos e claro maneira de ser, em oposição a meios de fortuna. Relembro que Jane Austen não tinha uma situação financeira muito diferente da maioria das suas heróinas e talvez através dos seus livros quisesse chamar a atenção para mulheres como ela. Mulheres que eram bem educadas, tinham boas maneiras, uma personalidade cativante, mas dificilmente casariam com um homem como Darcy porque não tinham dinheiro...
Julia Sawalha, Lydia na adaptação de 1995 da BBC, crédito da imagem: BBC
A fuga de Lydia poderia ter significado o desastre para o futuro das irmãs Bennet. Quem, no seu perfeito juízo, iria querer associar o seu nome a uma família que tinha uma filha que fugira?
A fuga de Maria Monforte, no livro os Maias de Eça de Queiroz, está na origem das várias tragédias da família Maia, primeiro o suicídio de Pedro e depois a relação amorosa e incestuosa dos seus filhos.
Eu sei que relacionar duas personagens de livros diferentes, escritos por pessoas diferentes e em alturas diferentes é algo difícil e muitos até estarão a pensar o que tem uma a ver com a outra, tirando o facto de terem fugido?
À primeira vista apenas a fuga, mas numa análise mais pormenorizada são bastante parecidas.
Lydia era a irmã mais rebelde e aquela que muitas vezes punha a família em evidência devido ao seu comportamento. Lydia adorava os seus namoricos com os oficiais. Elizabeth e Jane bem tentavam que ela visse que o seu comportamento era errado, mas Lydia fazia ouvidos de mercador. E como se isto não bastasse ainda fazia de Kitty a sua seguidora fiel.
Em Brighton, sem a vigilância dos pais e das irmãs mais velhas ela acaba por encontrar mais liberdade e fazer o impensável. Lydia mais tarde parece não entender que o fez era errado e podia ter prejudicado para sempre a sua família.
Simone Spoladore, Maria Monforte na série da TV Globo, crédito da imagem: Canal Viva
Já Maria Monforte foge depois de estar casada. O seu casamento com Pedro da Maia foi rejeitado pelo pai deste e levou a um corte de relações entre pai e filho. A rejeição de Maria provinha do facto do pai ser um antigo comerciante de escravos. No entanto julgo que o problema surgiu porque os Monforte pertenciam ao grupo dos novos ricos, que sempre se viram rejeitados por aqueles que tinham herdado o dinheiro e não enriquecido.
Maria vivia lendo livros românticos, não era muito diferente de Lydia pois era também excessiva, tinha comportamentos exuberantes e era ainda um tanto ou quanto excêntrica.
Qualquer mulher aflige-se pelo marido que feriu um homem desconhecido, embora o ferimento fosse ligeiro, mas ela sente-se mais perturbada pela ideia do belo italiano Tancredo a dormir tão perto de si. Como tantas outras mulheres também ela teria ideias românticas sobre o casamento que acabaram por não se realizar e talvez tenha visto em Tancredo essa possibilidade, daí ao adultério e posterior fuga foi um passo.
O resto já todos sabem Tancredo acaba morto num duelo alguns anos depois, o pai Monforte morre e pouco ou nada deixa para a filha, aí Maria sem grandes hipóteses de sobreviver lança-se numa existência de Dama das Camélias. Já antes da fuga existem no livro alusões a estas flores, Pedro oferece camélias a Maria nos tempos em que lhe faz a corte, Maria usa-as nos vestidos tal como A Dama das Camélias, tudo pistas para o que viria a seguir como Eça parece gostar de fazer.
É aqui que entra novamente Lydia e a minha ideia das parecenças e destinos semelhantes entre estas duas personagens.
No fim do livro Jane é muito clara sobre o futuro de Lydia, creio mesmo que é das personagens cujo fim é o mais claro. O casal Wickam continuou a gastar para além das suas possibilidades, procurando constantemente situações mais baratas. Darcy ajuda Wickam na carreira, mas nunca o recebe em Pemberley, Elizabeth e Jane ajudam o casal dando-lhes auxílio económico. Contudo o ponto mais importante é aquele em que diz que pouco depois do casamento o sentimento entre ambos deixa de existir, algo que não surpreende o leitor mais atento.
Lydia vira na fuga uma aventura, a excitação da qual tanto gostava, a possibilidade de dar uma boa risada e claro algum sentimento havia para se deixar ir. No fim termina casada com um homem sem carácter que nem sequer a amava. Eu ponho-me a pensar na Maria Monforte e na sua fuga. Se aparecesse a Lydia um Tancredo, uma nova promessa de aventura, excitação e amor, não seria ela capaz de fugir novamente? E por fim quando tudo caísse por terra e ela percebesse a gravidade da sua situação talvez entende-se que devia ter ouvido os outros.
Apesar de existirem em diferentes livros e tempos, estas duas mulheres são parecidas e os seus destinos não são mais semelhantes porque Maria não teve a sorte de encontrar em Tancredo um homem que fosse bom marido e não andasse em duelos e a perder dinheiro no jogo. Lydia teve a sorte de Darcy intervir pelo seu amor à irmã, porque se assim não fosse ela acabaria numa situação difícil, duvido que Wickam se não fosse aliciado pelo dinheiro casasse com ela. Lydia possivelmente acabaria numa existência de Dama das Camélias.
Lydia, a mais nova das irmãs Bennet, é aquela que casa primeiro. O seu escolhido é o galante Mr. Wickham que, para a maioria de nós, teve a sua quota de carinho no enredo da história até descobrirmos o quanto estávamos enganadas. Temo que Lydia só tenha feito tal descoberta, tarde de mais na sua vida.
Pergunto-me muitas vezes porque razão Jane Austen sacrifica tanto esta personagem. Não posso dizer que seja uma personagem com a qual crie empatia, não, longe disso! Jane Austen descreve-a como sendo completamente exuberante sendo um poço de excessos, superficialidade, inconsciência, irresponsabilidade e total falta de decoro. Mas ao mesmo tempo... Lydia revela-se extremamente ingénua a ponto de fugir com Wickham, escrevendo aquela nota. revelando uma completa inconsciência e uma estranha ingenuidade. Sem a intervenção de Darcy, ou seja, não havendo casamento entre Lydia e Wickham, ela seria provavelmente uma versão de Eliza de S&S, que mais tarde ou mais cedo seria abandonada por Wickham.
A situação da fuga de Lydia é facilmente comparável com aquela que acontece em Mansfield Park entre a recém casada Maria (Bertram) Rushworth e Mr. Henry Crawford, aliás, conhecendo esta obra são mais claras as consequências da situação do que em Orgulho e Preconceito (se bem que em Mansfield Park a situação é mais gravosa, uma vez que falamos de uma mulher casada).
Lydia é resgatada em nome do grande amor de Darcy por Elizabeth, pois de outra forma, Darcy jamais (?) poderia relacionar-se com Lizzie, uma vez que a má conduta da irmã se alargaria às restantes, como tão bem percebemos na obra.
Colocando-nos no tempo e no espaço da obra, a fuga de uma mulher com um homem sem estarem vinculados pelo matrimónio implicava uma total renegação pela dita “Sociedade”, não só a própria era afetada socialmente como também os seus parentes, pois era comum tais situações serem relatadas em jornais públicos (daí algumas das afirmações e pensamentos de Lizzie em relação a Mr. Darcy), gerando uma panóplia de boatos, maldicencias e fofoquices que corriam qualquer cidade e pequena vila em poucos dias.
Apesar de ser altamente mal visto na época, como talvez hoje em dia, temos apenas de ressalvar, que à data, não eram permitidos os divórcios, o casamento era perpétuo sem possibilidade de “desvinculação” – além disso, sabemos, e Jane Austen mostra isso muito bem, que grande parte dos casamentos era então feita por interesse social ou económico e não por afeição mútua entre os cônjuges (com sorte, isso veria depois para alguns). O recurso à “fuga” era muito comum para romper com a vida em comum, se bem que o estado civil permanecesse o mesmo – lembro-me de títulos como “The Tennant of Wildfell Hall” de Anne Bronte e a própria história da vida da escritora George Elliot.
Contudo, a “fuga” de Lydia nada tem que ver com estas causas, apenas foi o reflexo de muita inconsciência, muita irresponsabilidade e muita falta de disciplina por parte dos pais. Porque quereria Wickham fugir com Lydia? Duvido que tivesse qualquer intenção de casar com ela, os Bennet não tinham fortuna, logo isso excluia qualquer vantagem que pudesse existir; tal como Lizzie estou convencida que não lhe tinha afeição; li algures na imensidão da net que tudo se passou como plano de fuga não de Lydia, mas de Wickham, e ela foi apenas uma adição à fuga de Wickham que tinha já uma série de "credores" à perna.Quanto à felicidade deste casamento... isso é outra história e outro artigo!
Durante os meses de Março e Abril iremos debruçar-nos mais uma vez em Orgulho e Preconceito, mas desta, no futuro das cinco irmãs Bennet. O tema deste mês é então “E Depois do Casamento: O Destino das Irmãs Bennet”. Acompanhem-nos neste peripécia de tentar imaginar, com algumas ajudas da prórpia Jane Austen, qual terá ou poderá ter sido o futuro destas cinco irmãs.
Destaco a relação fraternal existente entre Fitzwilliam e Georgiana Darcy. Se, por um lado, Mr Darcy nutre um sincero e aberto amor pela irmã, esta não lhe fica atrás e vê no irmão quase um segundo pai e um homem que admira e ama. Tal como acontece com Henry Tilney e a sua irmã Eleanor, a sua união parece ser reforçada pela ausência precoce dos pais ou (no caso de Northanger Abbey) também pela personalidade austera do pai (além da perda da mãe).
Não posso ainda deixar de mencionar a relação existente entre Elinor e Marianne Dashwood. São duas irmãs bastante unidas, cada qual com o seu feitio, mas que se complementam bem e são acima de tudo boas amigas e confidentes.
Embora no filme (versão de 2007) o desfecho destas três personagens permaneça uma incógnita, mas com uma tendência altamente prometedora (é o próprio Mr.Bennet que o corrobora), na obra as irmãs aparecem com o destino traçado de forma mais regular.
A paixão de Lydia esfriou, mas ao que parece a efusividade (ou devo dizer “explosividade” manteve-se). Esta dedução deve-se ao facto dos pacientes Bingleys chegarem a desejar que ela e o marido, nas visitas efectuadas, se demorassem menos tempo em sua casa. Posso estar a ser maldosa, mas dada a leviandade que demonstrou ao longo do livro, acho que a Lydia era rapariga para dar uma “facadinha” no matrimónio, mais que não fosse flirtando com outros oficiais colegas do marido.
Mary fica em casa e é “obrigada” a frequentar a sociedade. Embora Jane refira que ela continua a fazer “deduções morais” de tudo e de todos, a mim parece-me que, mais cedo ou mais tarde, acabaria por ser atraída pelos prazeres sociais, tornando-se numa frequentadora assídua de bailes e eventos afins.
Kitty parece ter sido a que mais beneficiou, dado que ficou sob protecção das suas irmãs mais velhas, o que lhe permitiu “fazer progressos”, não só em termos relacionais, mas sobretudo em termos de carácter.
Desfecho da história: penso que todas as manas Bennet acabaram por se casar, supõe-se que bem, dando uma grande alegria à sua mãe, também a Mr.Bennett, que viu o futuro das suas filhas assegurado do ponto de vista material e emocional.