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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

Obra Menos Preferida

  • Abadia de Northanger

 

Novamente, tive de reflectir bastante... quando li pela primeira vez Northanger Abbey não fiquei muito deslumbrada. E de facto, admito, hoje e aqui, que Northanger Abbey não está no mesmo degrau de Orgulho e Preconceito ou Emma. Mas, novemente, a Jane que escreveu Northanger Abbey não era a mesma que escreveu O&P.

 

Embora com o passar do tempo tenha aprendido a gostar e a acarinhar bastante Northanger Abbey, encaro-o sempre como um "ensaio" daquilo que viria a ser a restante obra da autora. E é acima de tudo por isso que o escolho como a obra menos preferida.

 

Frederick Tilney

O capitão Frederick Tilney (Frederick) é o filho mais velho do General Tilney e o possível herdeiro da Abadia de Northanger. Trata-se de um personagem secundário que surge apenas na segunda parte do livro e que prima pela total ausência de discurso. Tudo o que sabemos de Frederick é-nos dado a conhecer pelas demais personagens , nomeadamente Henry, Catherine, Eleanor e Isabella.

 

Frederick é um homem elegante e moderno que gosta de namoriscar raparigas bonitas. Os seus modos e atitudes não causaram impressão à nossa jovem Catherine que os encontrou inferiores aos do seu irmão Henry. É um misto de Mr. Darcy com Whickam. Confuso? Não. Frederick tem a arrogância inicial de Mr. Darcy. Quando é apresentado em Bath, num baile, protesta com o irmão por este o querer ver dançar e fá-lo de modo bastante audível. Mas também é, como referido, um homem que adora "coleccionar" damas e adora quebrar as regras da boa educação, características que tanto marcaram a personagem de Whicham e Willoughby.

 

O alvo da sua conquista será Isabella. Tola e convencida, troca a o amor sincero de James por um flirt casual mais que notório. É a marca de Frederick. Terminada a sua estadia, termina também a brincadeira e as consequências não são preocupação sua. Segundo Eleanor, este jurou que mulher nenhuma merecia o seu amor. Guardava apenas orgulho no seu coração. E, segundo Henry, era vaidoso e teimoso. O respeito que este nutria pelo General não era nenhum. Parecia gostar de o contrariar em tudo e jamais lhe prestava qualquer satisfação.

 

Mas, seria Frederick assim por natureza ou teria acontecido algo que tivesse determinado o seu carácter? Eu penso que terá sofrido bastante com a morte precoce da mãe por quem teria nutrido verdadeiro afecto. O facto de o pai ser um homem frio e distante terão contribuído para o seu sofrimento. Estes dois factores que poderão ter influenciado a tomada de posição em não se querer apaixonar por nenhuma mulher já que o sofrimento da perda estaria assim latente na sua vida.

 

Para mim, Frederick é o molde de outros personagens de Jane Austen.

 

 

As minhas impressões sobre "A Abadia de Northanger"

 

Quando comecei a leitura deste livro vinha-me sempre à cabeça a frase do personagem masculino do filme "O clube de leitura de Jane Austen". Segundo aquele, esta obra era um mero ensaio de Jane Austen. Através dele a autora fez uma viagem de descoberta sobre o seu estilo. Aqui ainda não está defenido. Existiam dúvidas. Ou pelo menos parece havê-las. Creio que não se trata de uma verdadeira obra acabada. Foi com essa impressão que terminei a leitura deste livro.

 

Todavia, gostei do enredo. Gostei das personagens, principalmente de Henry Tilney. Adorei a inocência de Catherine e a sua incrível imaginação que ao longo do livro nos oferecem momentos de boa disposição e leveza. Catherine era uma peça em bruto que apenas precisava das mãos certas para se tornar numa obra de arte inteligente e delicada. E a sua transformação pela mão de Henry? Adorável. A forma como ele brincava com a sua inocência e simultaneamente a protegia não passam despercebidas. Convenceram-me logo. Ele conseguia aliar estes dois traços com perfeita elegância. Encantou-me a sua inteligência, a sua independência, o amor fraternal que nutria pela irmã e o respeito que, apesar das suas brincadeiras, tinha por Catherine. Era um homem vertical.

 

Ao longo da leitura, não fui capaz de me desligar de algumas frases proferidas por Henry que são dignas de registo e também algumas posições por ele tomadas. Atrevo-me a pensar que se tratavam de posições assumidas pela própria Jane Austen. Merece destaque uma nota interessante sobre romances versus história. Henry e Catherine falavam acerca de livros e do pouco reconhecimento dos romances que ela defendia em detrimento da leitura livros de história que causavam grande "tormento" às crianças. A discussão leva-os para o patamar da educação e Henry termina muito bem dizendo (...) Mas os historiadores não são os responsáveis pelas dificuldades na aprendizagem da leitura, e até mesmo a menina, que não me parece, no fundo, ser partidária de uma aplicação severa e intensa, pode vir a reconhecer que vale bem a pena ser atormentado por dois ou três anos da vida em prol de ser capaz de ler tudo o que falta. Imagine, se a leitura não fosse ensinada, a senhora Radcliffe teria escrito em vão ou até talvez nem o tivesse feito. Esta discussão é relevante no sentido de mostrar a preocupação que Jane Austen com a educação das mulheres. Ela conseguia alcançar as vantagens de esta existir no círculo feminino. É também Henry que afirma que ser-se sempre firme pode ser uma obstinação. E saber relaxar é o verdadeiro desafio. Ou, ainda, ser-se levado por conjecturas de segunda mão é uma pena. Mas a que mais me marcou foi sem dúvida esta: já ouvi falar em fiéis acções. Mas uma promessa fiel, a fidelidade de prometer! É uma palavrinha bem poderosa, pois pode muito bem decepcioná-la (ar) e magoá-la (ar).

 

Existe outra passagem que, no meu entender, consubstancia uma crítica feita tanto aos homens como às mulheres, o que não deixa de ser interessante. Diz a determinada altura a autora que as vantagens da tolice natural numa bela jovem já se encontram realçadas pela importante pena de uma companheira de escrita e, quanto à forma como trata do assunto, limito-me a acrescentar, fazendo justiça aos homens, que, embora para a maior e mais frívola parte deste sexo a imbecilidade nas mulheres seja considerada uma enorme vantagem para realçar os seus encantos naturais, existe um outro grupo bastante grande, suficiente e razoavelmente bem informado, que deseja algo mais numa mulher do que ignorância.

 

A crítica clara ao casamento por dinheiro está também presente nesta obra. Através de Catherine, Jane afirma que detesta a ideia de uma grande fortuna procurar outra grande fortuna. E considera que casar por dinheiro é a coisa mais ignóbil da existência.

 

Neste livro encontramos também, ainda que de forma sucinta e rápida, uma abordagem à política do país, o que me surpreendeu pelo facto de este ter sido escrito cedo. 

 

Mas a grande marca que este livro me deixa é a crítica aberta que Jane Austen deixa à literatura fantástica. A certa altura a autora mostra claramente a sua aversão por este tipo de escrita e aponta-lhe consequências pouco felizes. Diz que todo o sofrimento de Catherine resulta sobretudo da influência dos livros que até aí lera, afirmando que por muito encantadores que fossem os livros da senhora Radcliffe, e mesmo os livros dos que a imitivam, não era com certeza neles que a natureza humana devia ser procurada, pelo menos ali, nos condados centrais de Inglaterra.  (...) Mas na parte central de Inglaterra havia, com certeza, alguma segurança, mesmo para a vida de uma mulher que não fosse amada, conferida pelas leis da terra e os hábitos da época. O assassínnio não era tolerado, os criados não eram escravos, nem se arranjavam poções para dormir, como o ruibarbo, em todos os farmacêuticos.  A referência à natureza humana e à essência do ser humano são, para mim, o alicerce de todas as estórias de Jane Austen. Por isso acredito que este tenha sido um ensaio, muito bom, que Jane terá feito para definir a sua escrita e para sedimentar a estrutura que a iria sustentar. O resultado está à vista. Jane é uma escritora que fala sobre pessoas reais; sobre a sociedade e sobre sentimentos. E fá-lo bem. Com inteligência.

 

Eu adorei deste ensaio!

 

 

Obra menos preferida

“A abadia de Northanger”. Eu realmente aprecio todas as obras de Jane Austen, mas esta é a que menos me mobilizou a continuar lendo avidamente. É uma belíssima história, porém não me identifico muito com Catherine e sua trajetória. Eu acho mais interessante, por exemplo, a irmã de Henry Tilney, Elinor que é mais madura e astuta. O que mais me chamou atenção na história é a crítica de Jane Austen às típicas pessoas que compõem a sociedade britânica da época. As descrições dos personagens caricatos são primorosas e nos transportam realmente para aquela convivência social marcada, muitas vezes, por ostentação e frivolidades.

pais e filhos

“(…)deixo que seja decidido por quem o pretender fazer se a tendência deste livro é a de fazer a apologia da tirania parental ou premiar a desobediência filial”

 

 

Jane Austen termina a Abadia de Northanger com esta frase. Dá a entender que o motor desta história prende-se à esta dinâmica entre “tirania parental” e “desobediência filial”. Ao longo de todas as obras de Jane Austen podemos ver que esta dinâmica relacional é uma marca presente e constante. Mas, em nenhuma de suas obras, encontramos um pai tão sem coração. Terá a vida tornado o General Tilney frio e insensível? Terá sido a perda da sua mulher? A única desobediência filial que podemos apontar é a de Mr. Tilney, de ter ido ao encontro de Catherine após ela ter sido banida da Abadia. Nem a tirania do pai nem a desobediência do filho parecem-me ser o motor deste livro.

 

A alma deste livro se divide em duas partes. Por um lado, é o coração puro e a imaginação infindável de Catherine. Por outro lado, somos todos nós, leitores do romance que vivemos e criamos as nossas próprias expectativas e conclusões. Vejo a Abadia de Northanger como uma grande interrogação sobre o papel do leitor e a sua interacção com a obra.

o general sem coração

General Tilney é o patriarca da família Tilney. É um senhor de posses e de posição social. É uma pessoa obscura, antipática e perfeccionista. Exigente na pontualidade. Exigente também na aplicação de regras e leis por ele impostas no seio do seu lar. É evidente, aos olhos dos leitores, que os seus filhos dedicam-lhe mais receio do que respeito. E ele, cultiva a solidão e os dias sombrios em cada passo que dá.

 

A impressão geral que eu tive sobre o General Tilney, ao longo do livro, era de que ele seria um libertino reprimido. Mais concretamente, eu passei quase toda a leitura do livro a pensar que o General Tilney estaria interessado em conquistar Catherine. Eu não conseguia perceber o porquê da sua imprevista simpatia para com ela, já que ele era absolutamente amargo no pouco que dizia às outras pessoas. Não pude deixar de rir de mim própria quando descobri que afinal o seu interesse centrava-se numa pretensa herança de que Catherine viria a herdar dos Allen. Nunca passou pela minha mente que pudesse ser esta a razão do interesse dele simplesmente porque Catherine nunca deu esta impressão a ninguém. Este enredo de enganos criado por John Thorpe, que terá dito isto ao General Tilney, criou uma dinâmica à história muito interessante. E, gerou também a cena fulcral na Abadia de Northanger, que acontece quando Eleanor diz à Catherine que o pai dela exigia que ela partisse de imediato a meio da noite. Que tipo de pessoa é que põe um convidado para fora de casa a meio da madrugada? Ainda por cima, uma pessoa tão adorável e tão frágil quanto Catherine? Atitude vil e cobarde, a meu ver. E, é de destacar, ela não tinha qualquer culpa do engano criado. 

 

Se eu ainda tinha alguma solidariedade pelo facto dele ter perdido a mulher perdia-a totalmente com esta atitude cruel. Preferia que ele fosse realmente um libertino reprimido, sempre seria mais interessante do que um homem desprovido de sentimentos.