Ainda dentro do clima de comemoração, toda a próxima semana será dedicada a Sense and Sensibility no Jane Austen em Português.
A Raquel irá focar toda a atenção no lançamento da edição ilustrada de Razão e Sentimento da Editora Nova Fronteira. E, dentro deste contexto, iremos proceder a partilha da terceira e última parte da Leitura Comparada que desenvolvemos no âmbito do Bicentenário de Sensibilidade e Bom Senso.
Será uma semana marcada pela sensatez de Elinor e pela paixão de Marianne em tons de delicadeza e emoção.
Esta nova imagem surge a propósito do aniversário do seu blogue (que será dia 21 de Junho) e do lançamento da edição de luxo ilustrada de Razão e Sentimento, tradução de Ivo Barroso (Editora Nova Fronteira). Como podem constatar o Jane Austen em Português ganhou um ar minimalista, clean e elegante. Eu adorei!
A Raquel está em clima de comemoração e tem todos os motivos para isso! O trabalho que desenvolve no Jane Austen em Português, noLendo Jane Austen e no Bibllioteca Jane Austené uma referência para todos que amam a escritora Jane Austen. O lançamento de Razão e Sentimento ilustrado é um resultado concreto desta dedicação em prol da paixão por Jane Austen e pelos livros.
Por estas e por muitas mais razões, minha querida Raquel, quero dizer-te publicamente: Parabéns!!
Os mais atentos terão notado que no Desafio do Bicentenário da Leitura Comparada de "Sense and Sensibility" de Jane Austen nas traduções: “Sensibilidade e Bom Senso” (Maria Luísa Ferreira da Costa) e “Razão e Sentimento” (Ivo Barroso) - feita pela Raquel Sallaberry e por mim - ainda falta uma terceira parte para a sua conclusão.
A Leitura Comparada passou por uma pausa. A vida está submetida a um imperativo de imprevisibilidade e levou-nos a caminhar por outras paragens. Durante algum tempo, nós duas - cada uma no seu respectivo lado do oceano - envolvemo-nos em outras actividades e ocupações; mas, agora retomamos o rumo.
A nossa querida Raquel Salaberry, do Jane Austen em Português, abraçou um projecto que fará a felicidade de todas a Janeites: uma edição de luxo, de capa dura, ilustrada de Razão e Sentimento, tradução de Ivo Barroso (Editora Nova Fronteira). A própria Raquel escreve no livro "a história da composição do livro" - refere o poeta e tradutor Ivo Barroso no seu blogue.
Diante da importância deste lançamento, decidimos esperar pela sua concretização para publicarmos a terceira parte da Leitura Comparada. Temos esperança que seja em breve; por isso, estejam atentos!
Deixo-vos a imagem da capa do livro. Linda e delicada.
Leitura Comparada de Sense and Sensibility de Jane Austen nas traduções:
“Sensibilidade e Bom Senso” (Maria Luísa Ferreira da Costa) e “Razão e Sentimento” (Ivo Barroso)
S&BS| Viu - depois de um curto silêncio, continuou - mais alguma vez Mr. Willoughby desde que deixou Barton?
- Sim, vi - replicou gravemente - uma vez. Um encontro era inevitável.
Elinor, espantada pelos seus modos, olho-o ansiosamente, dizendo:
- O quê? Encontrou-o para...
- Não podia encontrá-lo para outro fim. Eliza confessou-me com muita relutância o nome do seu amante; e quando ele regressou para a cidade, o que aconteceu quinze dias depois da minha vinda, marcámos um encontro, para ele se defender e para eu provar a sua conduta. Separámo-nos sem ressentimentos e portanto o encontro nunca se espalhou.
Elinor suspirou e duvidou da necessidade daquilo, mas ele era um homem e um soldado, e não se atreveu a censurá-lo.
Capítulo 31, pg. 157
R&S| O senhor voltou a ver - perguntou ela a Brandon, após um breve silêncio - o sr. Willoughby, depois que deixou Barton?
- Voltei - replicou o Coronel gravemente - Uma única vez. Um encontro era inevitável.
Elinor, espantada pelos seus modos, olhou para ele ansiosa, perguntando:
- Como? Bateram-se em duelo?
- Não havia outra solução. Eliza, embora com relutância, confessou-me o nome de seu amante; e, quando ele regressou a Londres, uns quinze dias depois de minha chegada, marcamos um encontro, ele para defender sua conduta, eu para castigá-la. Nenhum de nós saiu ferido, e o duelo nunca chegou a ter repercussão.
Elinor suspirou e duvidou da necessidade daquilo; mas presumiu que a um homem e soldado nada devia censurar.
Capítulo 31, Pg. 149
Para mim foi uma grande surpresa descobrir que existiu um duelo em Sense and Sensibility. Terei sido a única a ficar espantada com tal informação? Eu li Sensibilidade e Bom Senso nos anos 90 e só quando eu assisti - uma década depois - a série da BBC "Sensibilidade e Bom Senso | 2008" é que dei-me conta desta questão do duelo. Alías, quando eu ví a série pensei que teria sido uma liberdade de argumento e tive curiosidade de pesquisar na internet sobre isto. O meu espanto foi grande.
Na tradução portuguesa, não é identificado o encontro que Coronel Brandon relata como um duelo. Confesso, nunca chegaria a esta conclusão. A ideia que eu fiquei é que teria sido um encontro em que falaram, quando muito, discutiram. Em Razão e Sentimento, vem traduzido como tendo acontecido um duelo. Devo dizer que, eu gosto da opção da versão brasileira. Ao ser identificado o "meeting" como um duelo, a imagem do Coronel Brandon ganha outra nuance. Acho que confere-lhe um ar mais participativo e, porque não dizer, másculo. Imaginá-lo a defender a honra de Eliza, colocando Willoughby no seu devido lugar (que é o de canalha) torna-o ainda mais elevado do que ele é.
Devemos admitir que a tradução brasileira foi ousada porque, no original, Jane Austen não utiliza o termo "duel". Naquele tempo os duelos seriam um tipo de ajuste de contas ilegal. Aliás, bater-se em duelo, fazia com que muitos homens partissem do país com medo das represálias judiciais. Então, Jane Austen toca ao de leve na questão, deixa subentendido. Através da reacção de Elinor, de entender que seria algo que um homem faria, mas que ela particularmente não aprovaria, demonstra que esta prática além de ser ilegal seria também socialmente pouco aprovada. E os duelos não durariam para além do tempo da Regência.
Esta questão ultrapassa o aspecto das traduções, mas não vos impressiona que ambos tenham saído ilesos do duelo. Como, sendo o coronel um homem de armas e experiente, não tenha feito dano a Willoughby? Terá sido um acto de misericórdia do Coronel Brandon que, após ter vencido Willoughby, preferiu poupar-lhe a vida? Eu gosto de pensar nesta possibilidade: Coronel Brandon - um verdadeiro cavalheiro.
Leitura Comparada de Sense and Sensibility de Jane Austen nas traduções:
“Sensibilidade e Bom Senso” (Maria Luísa Ferreira da Costa) e “Razão e Sentimento” (Ivo Barroso)
PT | Elinor julgou ter distinguido uma grande W no endereço; logo que o completou, Marianne, tocando a campainha, pediu ao criado que a atendeu para enviar aquela carta pelo correio, com um selo de dois pennys… Isto clarificou imediatamente o assunto.
PG. 119
BR | Elinor julgou ter distinguido um grande W no envelope. Mal acabou de escrever, Marianne tocou a campainha, pedindo ao criado que veio atender que a levasse imediatamente ao correio. Isso definiu perfeitamente o assunto.
Pg. 113
Não imaginam o quanto este trecho fez-me pensar. Nesta parte, em que Marianne escreve e envia a carta a Willoughby logo que chega a Londres, alimentei algumas dúvidas. Quando, há um mês atrás, eu escrevi este post inserido no tema "A importância das cartas na obra de Jane Austen", referi que as cartas naquele tempo eram escritas de um lado do papel, dobradas de forma a ganhar o formato envelope e seriam pagas pelo destinatário. Então, esta passagem levanta a dúvida: para quê pagar o selo? Em Sensibilidade e Bom Senso refere "um selo de dois pennys" e Razão e Sentimento apenas diz "que a levasse imediatamente ao correio". Qual seria a correcta? Afinal, a carta seria paga ou não?
Enviar e receber cartas seria quase um privilégio para aqueles que tinham posses e para os comerciantes porque implicava custos. O valor a cobrar pelo envio de uma carta baseava-se no peso e na distância a percorrer pela mesma. Quando o envio era dentro da cidade de Londres, o remetente teria de ter alguém para levar a carta ou pagar a alguém para o fazer. Isto ocasionava que algumas cartas nunca chegassem ao destino já que se podia contar com algum imprevisto. Em 1680, William Dockwra e o seu sócio Robert Murray inventaram um sistema que simplificaria todo este processo e diminuíria o custo. Na realidade, era uma necessidade já que houve um fomento acentuado da actividade comercial na cidade de Londres, acompanhado de um crescimento populacional. O fluxo de envio de cartas e o serviço que acompanhasse este processo era desigual. A ideia destes dois senhores foi o de criar um serviço de transporte de correspondência pré-pago dentro da cidade de Londres pelo valor de um penny: "The Penny Post". Foi um grande sucesso que reverteu em lucro. De tal maneira, que chamou a atenção do Duque de York (irmão do Rei) que reclamou o facto do sistema de Dockwra ameaçar o monopólio estatal. O resultado foi o Dockwra perder o seu negócio rentável e o seu sistema foi incorporado no "General Post Office". Nesta transposição de posse, o sistema que era unicamente pré-pago, passou a ter as duas opções à escolha: poderia ser pago tanto pelo destinatário quanto pelo remetente. O "selo" identificaria o caso específico. A partir de 1801, o valor de envio aumentou para dois pennys. O serviço "Two-penny post" era efectuado apenas dentro da cidade de Londres.
Pesquisar e compreender a evolução do sistema postal de Londres auxiliou-me a compreender o significado do trecho de Sense and Sensibility e as traduções feitas. Na realidade, nenhuma das duas estão incorrectas: a primeira, fez uma tradução literal; a segunda fez uma simplificação (two-penny post seria o tipo de serviço de "correio"). Mas, ao mesmo tempo, nenhumas das duas consegue traduzir a ideia que Jane Austen quer revelar.
Se repararmos, o que está em destaque é o facto de Elinor não ter a certeza se a irmã estaria a enviar uma carta para Willoughby. Somente quando ouve a indicação que Marianne fornece ao criado para enviar a carta pelo "Two-Penny Post", surge a certeza de que é para Willouhgby ("This decide the matter at once"). O valor do envio revela que seria para alguém de Londres. Marianne - para além do seu irmão e cunhada - só conheceria Willoughby a residir lá.
Este é um entendimento que surge realmente se houver um prévio conhecimento do sistema postal; de outra forma, o significado fica meio vago nas duas traduções. Então, Sensibilidade e Bom Senso e Razão e Sentimento não coincidem na tradução de "two-penny post" mas acabam por serem similares num aspecto: retiram a atenção da real questão - a dúvida e a confirmação quanto ao destinatário - e concentram-na para o acto em si de envio da carta.
Leitura Comparada de Sense and Sensibility de Jane Austen nas traduções:
“Sensibilidade e Bom Senso” (Maria Luísa Ferreira da Costa) e “Razão e Sentimento” (Ivo Barroso)
1- Uma mesma língua | significantes diferentes, significados iguais | Conforme a leitura comparada progredia, a constatação da riqueza linguística em ambas as traduções afirmou-se como uma certeza. Destaco estes dois casos que, para mim, foram peculiares.
S&BS| "(...) Marianne, meio vestida, estava ajoelhada contra um dos assentos de janela"
R&S| "(...) Marianne, ainda meio vestida, estava ajoelhada numa das conversadeiras da janela (...)" Pg. 126
Neste trecho, a versão portuguesa faz uma tradução literal enquanto que na tradução brasileira utiliza um termo diferente. A minha dedução imediata seria a de que a designação "conversadeiras" poderia ser uma expressão somente de uso no Brasil. Munida de curiosidade busquei informação sobre a natureza desta expressão. Acontece que este termo é utilizado em ambos países e é correcto utilizá-la. Além de "conversadeiras", também aplica-se a expressão "namoradeiras".
S&BS| "- Por favor, por favor, tem termos - exclamou Elinor. - E não mostres o que sentes a todos os presentes. Talvez ainda não te tenha visto.
Contudo, isso não era fácil de acreditar . E ter termos em tal momento (…)" Pg. 131
R&S| " - Por favor, mana, controle-se! - exaltou-se Elinor. - Não demonstre seus sentimentos a todas as pessoas presentes. Talvez ele ainda não a tenha visto.
Isso era, no entanto, algo superior às suas forças; e dominar-se naquele momento (…)" Pg. 124
Em Portugal, dizer "Ter termos" é o mesmo que dizer "Ter modos". Contudo, fico com a sensação de que a intenção da tradutora com o "tem termos" também possa significar que "tudo tem limites". Mas isto é apenas uma ilação que surgiu-me ao reflectir sobre isto. Em Razão e Sentimento encontramos as expressões "controlar-se" e "dominar-se" o que apela ao significado da contenção de gestos e de acções. Ambos parecem-me adequados. Por uma questão de curiosidade, partilho o pensamento que me passou pela mente de que a tradução portuguesa feita deste trecho parece apelar à razão; enquanto na tradução brasileira, faz antever sentimentos. Será que enxergo a dicotomia do título da obra até na escolha das expressões aplicadas?
2- Opções e dúvidas | Tenho a firme certeza de que esta categoria irá acompanhar todo o percurso desta Leitura Comparada. Encontro com regularidade trechos que fazem-me pensar duas vezes. Questiono, com frequência o que podemos considerar uma liberdade de tradução e o que podemos admitir como sendo a opção mais correcta para transmitir o sentido que o autor quis atribuir ao escrever determinada frase.
S&BS| "Poderia ser razoavelmente feliz com LucySteele; poderia, pondo de parte a sua afeição por ela, com toda a sua integridade, delicadeza e cultura, satisfazer-se com uma mulher como ela… inculta, falsa e egoísta?" Pg. 104
R&S| "Poderia, pondo de parte sua afeição por ela, considerando a sua integridade, sua delicadeza, seu espírito bem-formado, satisfazer-se com uma mulher como aquela… inculta, capciosa e egoísta?" Pg. 99
Confissão: eu fui ver o significado de "capciosa". Fiquei surpreendida com esta opção porque não sendo uma palavra do uso quotidiano, traduz na perfeição "artful". Neste aspecto, "Razão e Sentimento" teve uma melhor posição já que "capcioso" é ainda mais específico do que "falso" já que implica um tipo de falsidade ardilosa e astuta: como uma serpente.
S&BS| "(...) convivendo com pessoas mais simples, com objectivos mais frívolos, lhe teriam talvez roubado aquela simplicidade que anteriormente dera interesse à sua beleza." Pg. 104
R&S| "(...) vivido numa sociedade inferior e em passatempos frívolos, teria talvez roubado a ela aquela simplicidade que antigamente talvez emprestasse um carácter interessante à sua beleza." Pg. 99
Este trecho levantou-me algumas dúvidas. Quando JaneAusten escreveu "inferior society" - e ela o fez com regularidade e não unicamente em Sense and Sensibility - tem sempre a conotação de se referir a pessoas de um estrato social baixo. O termo "pessoas simples", no nosso contexto actual, não significa exactamente um estrato social inferior; assim como não parece descabido dizer que há pessoas simples em classe sociais mais elevadas. A minha dúvida reside justamente nisto: se há equivalência entre o "pessoas simples" e "sociedade inferior".
S&BS| "Num tom firme, mas cauteloso (…)" Pg. 108
R&S| "Num tom firme, embora cortês (…)" Pg. 103
Esta é outra frase que levantou-me muitas dúvidas. "Cautious tone" parece-me significar mais "cauteloso" do que "cortês". Não sei se a intenção seria a de transmitir a ideia de que apesar do "tom firme" teria sido feito com simpatia (simpatia - cortesia) e não com rispidez.
S&BS| "Elinor, sem reparar nos diversos tons que coloriam a cara de sua irmã e no ar animado que demonstrava interesse pelo plano, emitiu imediatamente uma grata mas absoluta recusa em nome das duas, acreditando estar a exprimir a vontade de ambas" Pg. 113
R&S| "Elinor, sem dar atenção à alegre expressão da irmã, que não encarava a possibilidade com indiferença, ofereceu imediatamente uma desculpa agradecida mas decidida pelas duas, acreditando dessa forma exprimir a vontade de ambas." Pg. 108
Eu adoro esta passagem. Fico a imaginar a expressão de deslumbramento de Marianne. Fico a imaginá-la a sonhar, na fracção de segundos que se segue ao convite de Mrs. Jennings, com a possibilidade de ver Willoughby novamente. É esta expressão de deslumbramento e de êxtase que eu não vejo em ambas as traduções e que JaneAusten expressa através do "thevaryingcomplexion". Em Sensibilidade e Bom Senso, a tradutora usou "diversos tons que coloriam a cara de sua irmã" que me parece semelhante ao escrito por Jane. Embora, eu ache que signifique mais. É como se ela dissesse: ela mudou totalmente de expressão. Em Razão e Sentimento, o tradutor generalizou, tomou pelo sentido geral: "alegre expressão".
S&BS| "Às vezes, a importância de um assunto é exageradamente aumentada, devido às circunstâncias, para além do seu verdadeiro valor (…)" Pg. 161
R&S| "Tudo às vezes depende mais das circunstâncias do momento do que de seu valor real (…)" Pg. 152
Seleccionei esta frase apenas porque gosto muito dela. E gosto, inclusive, da forma como Ivo Barroso a traduziu.
3- Expressões e ditados populares | Uma expressão idiomática ou um ditado popular deve consistir num desafio para quem traduz porque está repleta de subjectividade cultural. Não resisti em destacar esta expressão que se segue:
S&BS| "-Bom, minha querida, há um ditado muito certo acerca do vento mau, pois isto será muito bom para o coronel Brandon." Pg. 146
R&S| "-Bem, minha querida, há muita verdade no ditado de que os males vêm para bem, pois isto vai ser bom para o coronel Brandon." Pg. 138
Pesquisei para saber no que consistiria a expressão "illwind". No MacmillanDictionary, refere que "ill wind" quer significar que quando algo ruim acontece é de esperar que aconteçam mais coisas ruins. Porém, neste mesmo site e no UsingEnglish explicam o sentido que esta expressão contextualizado no ditado popular "It's an ill windthatblows no good" cujo o significado é o mesmo que dizer que há coisas más que acontecem que resultam positivamente; ou como aplicou Ivo Barroso em Razão e Sentimento: "os males vêm para bem".
Em traços gerais | Posso continuar a afirmar que a Leitura Comparada destas duas traduções continua a fascinar-me. Está a ser muito interessante analisar e identificar o rumo que cada tradutor escolheu para o seu trabalho tendo como base de comparação o original. Para já, prefiro não fazer considerações mais aprofundadas sobre a opinião que estou a formar, até porque ainda falta uma etapa. No fim deste exercício de comparação, irei fazê-lo. Nesto momento, guardo este sentimento de que a tarefa de tradução deve levantar muitas dificuldades de escolha e de tomada de decisão do melhor caminho a seguir. Neste percurso, sinto que não estou somente a ler duas traduções. Sinto que estou a ler um diário de viagem.
Sense and Sensibility em Portugal 200 anos depois – I Parte - #1
Leitura Comparada de Sense and Sensibility de Jane Austen nas traduções:
“Sensibilidade e Bom Senso” (Maria Luísa Ferreira da Costa) e “Razão e Sentimento” (Ivo Barroso)
Introdução. Após a surpresa e a alegria inicias provenientes do convite da Raquel Sallaberry do Jane Austen em Portuguêspara este desafio, veio a fase de planeamento e a concretização de algumas etapas do programa delineado. Sobre a tarefa específica da Leitura Comparada confesso que senti algum pânico: o que posso eu dizer sobre isto? Como posso fazer uma apreciação sobre o resultado do trabalho de um especialista? Eu não sou tradutora. Estou bem longe deste ofício.
Não tenho a pretensão de fazer um estudo aprofundado e/ou académico. Assumi a certeza de que a minha leitura terá de ser a de alguém que ama três coisas: a língua portuguesa, a literatura e Jane Austen. O meu olhar será do ponto de vista do leitor. Uma irremediável leitora.
Ler Jane Austen, nos nossos dias, pode parecer um tanto deslocado. Ler escritores clássicos é, muitas vezes, visto como algo pouco atractivo e antiquado. Acredito que a genialidade ultrapassa a barreira do tempo. Se lapidarmos as circunstâncias e o contexto histórico entendemos que os sentimentos e as atitudes relatados são extremamente semelhantes aos da nossa contemporaneidade.
Gosto deste desafio que, por vezes, designo como um desafio lusófono.
Leitura Comparada. Esta primeira etapa da Leitura Comparada entre “Sensibilidade e Bom Senso” (tradução de Maria Luísa Ferreira da Costa) e “Razão e Sentimento” (tradução de Ivo Barroso) foi feita do Capítulo 1 ao 22. Não foi um percurso de um fôlego só. Tem sido uma gradual construção e um exercício de compreensão. É interessante confirmar que a língua portuguesa é multifacetada e que a sua expressão nos dois países (Portugal e Brasil) assume particularidades assinaláveis.
Optei por não demonstrar capítulo a capítulo as diferenças porque seria demasiadamente longo. O que faço é destacar algumas passagens que convidam à reflexão.
Uma mesma língua: significantes diferentes, significados iguais. Falamos a mesma língua mas a forma de expressão difere. A escolha e o uso das palavras para traduzirem determinado significado, pelos tradutores, são um exemplo desta diferença. Há expressões que são típicas e que, não sendo literais ao original, traduzem a ideia que o texto quer transmitir.
Coloco alguns exemplos deste tipo de situação:
“uma articulação imperfeita das palavras, um desejo voluntarioso de fazer o que queria, muitas partidas* engraçadas e muito barulho” (Sensibilidade e Bom Senso, Capítulo 1, pg. 6)
“uma articulação imperfeita, um persistente desejo de afirmar a sua vontade, muitas artimanhas astuciosas e uma barulheira infernal” (Razão e Sentimento, Capítulo 1, pg. 6)
*Dizer “pregar uma partida” em Portugal será o equivalente a “pregar uma peça” no Brasil; ou seja, o sentido é o de uma brincadeira inesperada.
“A sua casa ficará portanto quase completamente recheada* logo que tomar posse dela”. (Sensibilidade e Bom Senso, Capítulo 2 , pg.12)
“Ela estará com a casa quase completamente montada quando se mudarem daqui.” (Razão e Sentimento, Capítulo 2, pg.12)
* A expressão “casa recheada” ou “com recheio” é quando ela está devidamente mobilada. Não é incomum aqui utilizar-se o termo “montada”, mas é mais usual dizer-se “recheada”.
Opções e dúvidas. Deparo-me com algumas frases em ambas traduções que levantam-me dúvidas quanto ao resultado.
“Lembra-te, minha querida, de que ainda não tens dezassete anos.” (Sensibilidade e Bom Senso, Capítulo 3, pg. 16)
"Lembre-se, minha querida, de que você ainda não tem dezesseis anos.” (Razão e Sentimento, Capítulo 3 , pg. 16)
Questiono-me o porquê da tradução brasileira atribuir à Marianne uma idade diferente do original. Será que “you are not seventeen” possa implicar que Marianne não tenha especificamente 16 anos e que possa ter menos idade? Deirdre La Faye escreve que “they made their debut into society in their late teens” (La Faye, Deirdre; “Jane Austen – The world of her novels”, pg. 113) o que poderia significar que uma jovem debutaria entre os 17 e os 18 anos. Então faria sentido pensar que com esta fala, Jane Austen através de Mrs. Dashwood não está a indicar a idade exacta de Marianne.
“Margaret, como acompanhante de Marianne, com maior elegância que precisão, acalmou Willoughby, que viera cedo, na manhã seguinte à casa para saber pessoalmente como ela passava.”(Sensibilidade e Bom Senso, Capítulo 9, pg. 36)
“O guardião de Marianne, título que Margaret, com mais elegância que precisão, atribuíra a Willoughby, apareceu na manhã seguinte bem cedo à porta do chalé para saber pessoalmente do estado dela.” (Razão e Sentimento, Capítulo 9, pg. 35)
Este foi o parágrafo que, ao longo destes 22 capítulos, levantou-me mais dúvidas. Não vos parece que o início da frase, em ambas as traduções, transmita um significado totalmente diferente entre si? Quando compara ambas com o original, as minhas dúvidas aumentam.
Em traços gerais, através destes breves exemplos pretendi destacar diferenças de expressão e as dúvidas que algumas passagens criaram em mim. Contudo, a aventura ainda está no início. Ainda há um longa caminho a percorrer nesta trilha do desafio do Bicentenário S&S e da Leitura Comparada entre "Sensibilidade e Bom Senso" e "Razão e Sentimento". Guardo a certeza de que as páginas ainda reservam muitos aspectos sobre os quais repousar os olhos, alargar a visão e surpreender-me com alegria pelas novas descobertas. Aproprio-me, com civilidade, de uma frase das cartas de Jane Austen para afirmar...
..."No, indeed, I am never too busy to think of S. and S.."
Desde que recebi o convite/desafio da Raquel Sallaberry para participar com ela numa leitura comparada de Sensibilidade e Bom Senso não tenho parado de fazer planos, de pesquisar e de sonhar com todos os personagens do livro. É um grande desafio mas também um grande prazer!
Tenho reflectido qual deverá ser a abordagem e o roteiro a seguir. Então, a minha programação essencialmente seguirá estes pontos:
1. Como já disse anteriormente, irei fazer uma leitura comparada em conjunto com a Raquel da versão portuguesa e da versão brasileira de "Sense and Sensibility" de Jane Austen, respectivamente: Sensibilidade e Bom Senso (Publicações Europa-América e tradução de Maria Luísa Ferreira da Costa) e de Razão e Sentimento (Editora Nova Fronteira e tradução de Ivo Barroso). Irei seguir o mesmo calendário da Raquel de publicação de textos resultante das leituras. Acho que assim fará mais sentido. Então, as datas serão:
1º Texto: Sense and Sensibility em Portugal 200 anos depois – I
(baseado na leitura dos capítulos 1 a 22)
Data de publicação: 30 de Abril
2º Texto: Sense and Sensibility em Portugal 200 anos depois – II
( baseado na leitura dos capítulos 23 a 36)
Data de publicação: 30 de Julho
3º Texto: Sense and Sensibility em Portugal 200 anos depois – III
(baseado na leitura dos capítulos 37 a 50)
Data de Publicação: 29 de Outubro
2. Pretendo voltar a assistir o filme Sensibilidade e Bom Senso (1995) e a série da BBC Sensibilidade e Bom Senso (2008); de igual forma, pretendo assistir pela primeira vez Sensibilidade e Bom Senso (1981) - que espero adquirir em breve. Destes filmes, para além de uma apreciação geral das produções, pretendo também debruçar-me sobre alguns personagens específicos.
Fevereiro: Sensibilidade e Bom Senso (1995)
Abril: Sensibilidade e Bom Senso (2008)
Setembro: Sensibilidade e Bom Senso (1981)
3. No âmbito das leituras, quero também ler o livro Colonel Brandon’s Diary de Amanda Grange. Ainda não defini uma data para o resultado desta leitura porque vai depender da chegada deste livro.
Tenho mais coisas planeadas, mas para já estão em fase de maturação…
Confesso que já começo a me sentir a quarta irmã Dashwood!