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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

DESAFIO | Bicentenário "Sense and Sensibility" #47

Sense and Sensibility em Portugal 200 anos depois

II Parte - Capítulo 23 ao 36 - #2

 Leitura Comparada de Sense and Sensibility de Jane Austen nas traduções: 

“Sensibilidade e Bom Senso”  (Maria Luísa Ferreira da Costa) e “Razão e Sentimento” (Ivo Barroso)

 

 

 

 

PT |  Elinor julgou ter distinguido uma grande W no endereço; logo que o completou, Marianne, tocando a campainha, pediu ao criado que a atendeu para enviar aquela carta pelo correio, com um selo de dois pennys… Isto clarificou imediatamente o assunto.

PG. 119

BR | Elinor julgou ter distinguido um grande W no envelope. Mal acabou de escrever, Marianne tocou a campainha, pedindo ao criado que veio atender que a levasse imediatamente ao correio. Isso definiu perfeitamente o assunto.

Pg. 113

 

Não imaginam o quanto este trecho fez-me pensar. Nesta parte, em que Marianne escreve e envia a carta a Willoughby logo que chega a Londres, alimentei algumas dúvidas. Quando, há um mês atrás, eu escrevi este post inserido no tema "A importância das cartas na obra de Jane Austen", referi que as cartas naquele tempo eram escritas de um lado do papel, dobradas de forma a ganhar o formato envelope e seriam pagas pelo destinatário. Então, esta passagem levanta a dúvida: para quê pagar o selo? Em Sensibilidade e Bom Senso refere "um selo de dois pennys" e Razão e Sentimento apenas diz "que a levasse imediatamente ao correio". Qual seria a correcta? Afinal, a carta seria paga ou não?

 

Enviar e receber cartas seria quase um privilégio para aqueles que tinham posses e para os comerciantes porque implicava custos. O valor a cobrar pelo envio de uma carta baseava-se no peso e na distância a percorrer pela mesma. Quando o envio era dentro da cidade de Londres, o remetente teria de ter alguém para levar a carta ou pagar a alguém para o fazer. Isto ocasionava que algumas cartas nunca chegassem ao destino já que se podia contar com algum imprevisto. Em 1680, William Dockwra e o seu sócio Robert Murray inventaram um sistema que simplificaria todo este processo e diminuíria o custo. Na realidade, era uma necessidade já que houve um fomento acentuado da actividade comercial na cidade de Londres, acompanhado de um crescimento populacional. O fluxo de envio de cartas e o serviço que acompanhasse este processo era desigual. A ideia destes dois senhores foi o de criar um serviço de transporte de correspondência pré-pago dentro da cidade de Londres pelo valor de um penny: "The Penny Post".  Foi um grande sucesso que reverteu em lucro. De tal maneira, que chamou a atenção do Duque de York (irmão do Rei) que reclamou o facto do sistema de Dockwra ameaçar o monopólio estatal. O resultado foi o Dockwra perder o seu negócio rentável e o seu sistema foi incorporado no "General Post Office". Nesta transposição de posse, o sistema que era unicamente pré-pago, passou a ter as duas opções à escolha: poderia ser pago tanto pelo destinatário quanto pelo remetente. O "selo" identificaria o caso específico. A partir de 1801, o valor de envio aumentou para dois pennys. O serviço "Two-penny post" era efectuado apenas dentro da cidade de Londres.

 

Pesquisar e compreender a evolução do sistema postal de Londres auxiliou-me a compreender o significado do trecho de Sense and Sensibility e as traduções feitas. Na realidade, nenhuma das duas estão incorrectas: a primeira, fez uma tradução literal; a segunda fez uma simplificação (two-penny post seria o tipo de serviço de "correio"). Mas, ao mesmo tempo, nenhumas das duas consegue traduzir a ideia que Jane Austen quer revelar. 

 

Se repararmos, o que está em destaque é o facto de Elinor não ter a certeza se a irmã estaria a enviar uma carta para Willoughby. Somente quando ouve a indicação que Marianne fornece ao criado para enviar a carta pelo "Two-Penny Post", surge a certeza de que é para Willouhgby ("This decide the matter at once"). O valor do envio revela que seria para alguém de Londres. Marianne - para além do seu irmão e cunhada - só conheceria Willoughby a residir lá.  

 

Este é um entendimento que surge realmente se houver um prévio conhecimento do sistema postal; de outra forma, o significado fica meio vago nas duas traduções. Então, Sensibilidade e Bom Senso e Razão e Sentimento não coincidem na tradução de "two-penny post" mas acabam por serem similares num aspecto: retiram a atenção da real questão - a dúvida e a confirmação quanto ao destinatário - e concentram-na para o acto em si de envio da carta.


 

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Fontes:

Penny Post

Letters from the past

Georgian Index - London Mail Delivery and Pickup


DESAFIO | Bicentenário "Sense and Sensibility" #46

Sense and Sensibility em Portugal 200 anos depois 

II Parte - Capítulo 23 ao 36 - #1

 Leitura Comparada de Sense and Sensibility de Jane Austen nas traduções: 

“Sensibilidade e Bom Senso”  (Maria Luísa Ferreira da Costa) e “Razão e Sentimento” (Ivo Barroso)

 

1- Uma mesma língua | significantes diferentes, significados iguais | Conforme a leitura comparada progredia, a constatação da riqueza linguística em ambas as traduções afirmou-se como uma certeza. Destaco estes dois casos que, para mim, foram peculiares.

 


 

S&BS| "(...) Marianne, meio vestida, estava ajoelhada contra um dos assentos de janela"

R&S| "(...)  Marianne, ainda meio vestida, estava ajoelhada numa das conversadeiras da janela (...)" Pg.  126

 

Neste trecho, a versão portuguesa faz uma tradução literal enquanto que na tradução brasileira utiliza um termo diferente. A minha dedução imediata seria a de que a designação "conversadeiras" poderia ser uma expressão somente de uso no Brasil. Munida de curiosidade busquei informação sobre a natureza desta expressão. Acontece que este termo é utilizado em ambos países e é correcto utilizá-la. Além de "conversadeiras", também aplica-se a expressão "namoradeiras".


 

  

S&BS| "- Por favor, por favor, tem termos - exclamou Elinor. -  E não mostres o que sentes a todos os presentes. Talvez ainda não te tenha visto.

Contudo, isso não era fácil de acreditar . E ter termos em tal momento (…)" Pg. 131

R&S| " - Por favor, mana, controle-se! - exaltou-se Elinor. - Não demonstre seus sentimentos a todas as pessoas presentes. Talvez ele ainda não a tenha visto.

Isso era, no entanto, algo superior às suas forças; e dominar-se naquele momento (…)" Pg. 124

 

Em Portugal, dizer "Ter termos" é o mesmo que dizer "Ter modos". Contudo, fico com a sensação de que a intenção da tradutora com o "tem termos" também possa significar que "tudo tem limites". Mas isto é apenas uma ilação que surgiu-me ao reflectir sobre isto. Em Razão e Sentimento encontramos as expressões "controlar-se" e "dominar-se" o que apela ao significado da contenção de gestos e de acções. Ambos parecem-me adequados. Por uma questão de curiosidade, partilho o pensamento que me passou pela mente de que a tradução portuguesa feita deste trecho parece apelar à razão; enquanto na tradução brasileira, faz antever sentimentos. Será que enxergo a dicotomia do título da obra até na escolha das expressões aplicadas?

 

 

2- Opções e dúvidas | Tenho a firme certeza de que esta categoria irá acompanhar todo o percurso desta Leitura Comparada. Encontro com regularidade trechos que fazem-me pensar duas vezes. Questiono, com frequência o que podemos considerar uma liberdade de tradução e o que podemos admitir como sendo a opção mais correcta para transmitir o sentido que o autor quis atribuir ao escrever determinada frase.

 

  

S&BS| "Poderia ser razoavelmente feliz com Lucy Steele; poderia, pondo de parte a sua afeição por ela, com toda a sua integridade, delicadeza e cultura, satisfazer-se com uma mulher como ela… inculta, falsa e egoísta?" Pg. 104

R&S| "Poderia, pondo de parte sua afeição por ela, considerando a sua integridade, sua delicadeza, seu espírito bem-formado, satisfazer-se com uma mulher como aquela… inculta, capciosa e egoísta?Pg. 99

 

Confissão: eu fui ver o significado de "capciosa". Fiquei surpreendida com esta opção porque não sendo uma palavra do uso quotidiano, traduz na perfeição "artful". Neste aspecto, "Razão e Sentimento" teve uma melhor posição já que "capcioso" é ainda mais específico do que "falso" já que implica um tipo de falsidade ardilosa e astuta: como uma serpente. 

 

 

 

 

S&BS "(...) convivendo com pessoas mais simples, com objectivos mais frívolos, lhe teriam talvez roubado aquela simplicidade que anteriormente dera interesse à sua beleza." Pg. 104

R&S| "(...) vivido numa sociedade inferior e em passatempos frívolos, teria talvez roubado a ela aquela simplicidade que antigamente talvez emprestasse um carácter interessante à sua beleza." Pg. 99

 

Este trecho levantou-me algumas dúvidas. Quando Jane Austen escreveu "inferior society" - e ela o fez com regularidade e não unicamente em Sense and Sensibility - tem sempre a conotação de se referir a pessoas de um estrato social baixo. O termo "pessoas simples", no nosso contexto actual, não significa exactamente um estrato social inferior; assim como não parece descabido dizer que há pessoas simples em classe sociais mais elevadas. A minha dúvida reside justamente nisto: se há equivalência entre o "pessoas simples" e "sociedade inferior".

 

 

 

 

S&BS| "Num tom firme, mas cauteloso (…)" Pg. 108

R&S| "Num tom firme, embora cortês (…)" Pg. 103

 

Esta é outra frase que levantou-me muitas dúvidas. "Cautious tone" parece-me significar mais "cauteloso" do que "cortês". Não sei se a intenção seria a de transmitir a ideia de que apesar do "tom firme" teria sido feito com simpatia (simpatia - cortesia) e não com rispidez.

 

 

 

S&BS| "Elinor, sem reparar nos diversos tons que coloriam a cara de sua irmã e no ar animado que demonstrava interesse pelo plano, emitiu imediatamente uma grata mas absoluta recusa em nome das duas, acreditando estar a exprimir a vontade de ambas" Pg. 113

R&S| "Elinor, sem dar atenção à alegre expressão da irmã, que não encarava a possibilidade com indiferença, ofereceu imediatamente uma desculpa agradecida mas decidida pelas duas, acreditando dessa forma exprimir a vontade de ambas." Pg. 108

 

Eu adoro esta passagem. Fico a imaginar a expressão de deslumbramento de Marianne. Fico a imaginá-la a sonhar, na fracção de segundos que se segue ao convite de Mrs. Jennings, com a possibilidade de ver Willoughby novamente. É esta expressão de deslumbramento e de êxtase que eu não vejo em ambas as traduções e que Jane Austen expressa através do "the varying complexion". Em Sensibilidade e Bom Senso, a tradutora usou "diversos tons que coloriam a cara de sua irmã" que me parece semelhante ao escrito por Jane. Embora, eu ache que signifique mais. É como se ela dissesse: ela mudou totalmente de expressão. Em Razão e Sentimento, o tradutor generalizou, tomou pelo sentido geral: "alegre expressão".

 

 

 

S&BS| "Às vezes, a importância de um assunto é exageradamente aumentada, devido às circunstâncias, para além do seu verdadeiro valor (…)" Pg. 161

 R&S| "Tudo às vezes depende mais das circunstâncias do momento do que de seu valor real (…)" Pg.  152

 

Seleccionei esta frase apenas porque gosto muito dela. E gosto, inclusive, da forma como Ivo Barroso a traduziu. 


 

3- Expressões e ditados populares | Uma expressão idiomática ou um ditado popular deve consistir num desafio para quem traduz porque está repleta de subjectividade cultural. Não resisti em destacar esta expressão que se segue:

 

 

 

S&BS| "-Bom, minha querida, há um ditado muito certo acerca do vento mau, pois isto será muito bom para o coronel Brandon." Pg. 146

R&S| "-Bem, minha querida, há muita verdade no ditado de que os males vêm para bem, pois isto vai ser bom para o coronel Brandon." Pg.  138      

 

Pesquisei para saber no que consistiria a expressão "ill wind".  No Macmillan Dictionary, refere que "ill wind" quer significar que quando algo ruim acontece é de esperar que aconteçam mais coisas ruins. Porém, neste mesmo site e no Using English explicam o sentido que esta expressão contextualizado no ditado popular "It's an ill wind that blows no good" cujo o significado é o mesmo que dizer que há coisas más que acontecem que resultam positivamente; ou como aplicou Ivo Barroso em Razão e Sentimento: "os males vêm para bem". 

 

 

 

Em traços gerais | Posso continuar a afirmar que a Leitura Comparada destas duas traduções continua a fascinar-me. Está a ser muito interessante analisar e identificar o rumo que cada tradutor escolheu para o seu trabalho tendo como base de comparação o original. Para já, prefiro não fazer considerações mais aprofundadas sobre a opinião que estou a formar, até porque ainda falta uma etapa. No fim deste exercício de comparação, irei fazê-lo. Nesto momento, guardo este sentimento de que a tarefa de tradução deve levantar muitas dificuldades de escolha e de tomada de decisão do melhor caminho a seguir. Neste percurso, sinto que não estou somente a ler duas traduções. Sinto que estou a ler um diário de viagem. 

DESAFIO | Bicentenário "Sense and Sensibility" #45

Capa Comemorativa do Bicentenário

 

 

Encontrei agora mesmo esta capa de "Sense and Sensibility" e não resisti em partilhar convosco. Sou uma grande fã de ilustração e achei esta muito interessante. A capa é da autoria de Audrey Niffenegger e estará disponível para venda a partir de 25 de Outubro.

 

 

 

DESAFIO | Bicentenário "Sense and Sensibility" #BR

Deixo-vos com os links dos posts da Raquel Sallaberry do Jane Austen em Português, a propósito do Bicentenário de Sensibilidade e  Bom Senso.
Um post muito interessante escrito por uma leitora do blogue "Jane Austen em Português" e alguns inspirados em Willoughby. 

DESAFIO | Bicentenário "Sense and Sensibility" #43

- Sensibilidade e Bom Senso (2008) | 18 -

-  agradáveis surpresas e pequenas decepções –

 

 

Em Sensibilidade e Bom Senso 2008 eu posso afirmar que presenciei algumas agradáveis surpresas e algumas pequenas decepções.

 

Inicio pelas decepções. Uma delas eu já referenciei: Willoughby/Dominic Cooper. Infelizmente, não foi a minha única decepção. O casal Palmer também foi uma grande decepção: um casal absolutamente insípido. No livro, este casal proporciona alguns momentos de humor mas nesta produção ficam muito aquém. Neste caso, penso que tal aconteceu por uma escolha do argumento. Este casal não teve muito destaque e, portanto, não poderia ser um ponto marcante. Mas também Mrs. Jennings de S&S 2008 causou-me alguma decepção e, neste aspecto não penso ser devido ao argumento. Não quero com isto dizer que trata-se de uma má interpretação, apenas acho que Linda Basset não transmitiu a jovialidade desta senhora, apesar da mesma ser madura. Penso que ela poderia ter explorado muito mais o lado divertido e jovial de Mrs. Jennings.

 

  

 

Para equilibrar, há algumas surpresas agradáveis e que proporcionam momentos de interesse na série. É o caso de John Middleton, o primo que se propõe a receber as mulheres Dashwood em Barton Cottage. Acho que Mark Williams faz uma excelente actuação. Ele consegue recriar o Sir John que nós lemos em Sensibilidade e Bom Senso de Jane Austen.

 

 

Também destaco a personagem Anne Steele, interpretada por Daisy Haggard. Tenho que confessar que ela fez-me dar boas gargalhadas. Inconveniente e simplória, fala pelos cotovelos e sempre diz o que não deveria na hora mais imprópria possível. Causa alguns constrangimentos à sua irmã Lucy Steele.  É ela quem revela o segredo do compromisso entre Lucy e Edward e este foi um dos momentos altos da mini-série. A realidade é que ela rouba a cena sempre que aparece.

 

 

A presença marcante de Mrs. Ferrars é outra agradável surpresa. Jean Marsh apresenta-nos uma Mrs. Ferrars com um estilo semelhante ao de Lady Catherine de Bourgh de O&P. Uma matriarca com posição social e posses, que tem o futuro do filho mais velho pré-determinado e que não concebe outro destino para ele que não seja aquele que ela mesma concebeu. Sobretudo, planeia um casamento proveitoso para ele. Aliada à sua filha Fanny Dashwood, mostra-se antipática e desdenhosa relativamente às irmãs Dashwood e, particularmente, de Elinor. 

 

Não será absurdo dizer que quando assistimos a um filme/série alimentamos algumas expectativas e obtemos algumas surpresas. Acho que o balanço é positivo. As agradáveis surpresas, no que diz respeito à construção de personagens e actuações, minimizam a decepção que outras terão causado.

DESAFIO | Bicentenário "Sense and Sensibility" #BR

Estes foram os últimos posts que a Raquel fez sobre o Bicentenário Sense and Sensibility. Foram centrados sobretudo em S&S 2008, ilustrações e artigos de leitores convidados. Excelente! 

 

Dinah Silveira de Queiroz, caríssima tradutora 

Comemorando Sense and Sensibility 

Sense and Sensibility: nasce uma escritora 

Leitores convidados no Jane Austen em Português 

Prezado Edward Ferrars 

Avatares e ícones de Razão e sensibilidade 2008 

Wallpapers 800×600 de Razão e sensibilidade 2008 

Wallpapers 1920×1940 de Razão e sensibilidade 2008 

Leitores convidados no Jane Austen em Português 

Jane Austen por Amanda Vickery 

Sense and Sensibility – ilustrações de Joan Hassal 

Sense and Sensibility, edição de luxo da Palazzo