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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

DESAFIO | Bicentenário "Sense and Sensibility" #42

 - Sensibilidade e Bom Senso (2008) | 17 -

 amigas, amigas; ferrars à parte

 

Com o pretexto da uma suposta simpatia e de um desejo de amizade, Lucy Steele aproxima-se de Elinor. O seu interesse, como sabemos seria defender o que ela entendia ser seu: Edward Ferrars. Em concreto, ela teria razão. Ele teria feito uma promessa e estabelecido um compromisso. Ela supostamente também devolveria algum tipo de afecto. Posteriormente, constatamos que o afecto residiria no facto de Edward ser o filho mais velho de Mrs. Ferrars e, portanto, o herdeiro por direito. O que Lucy Steele não contava é que Mrs. Ferrars retirasse o direito de primogenitura de Edward e transferi-lo para o irmão mais novo, após Edward assumir publicamente o seu compromisso com Lucy. Igualmente, Lucy “transfere” o seu “afecto” para Robert.

 

 

 

 

 

Lucy Steele de Sensibilidade e Bom Senso 2008 é interpretada por Anna Madeley. Ela cria uma Lucy sonsa e obviamente falsa. Elinor não precisaria ser muito inteligente para detectar nela uma falsa pretensão de amizade. Não posso dizer que seja uma má prestação porque não é; mas eu confesso que imagino uma Lucy mais maquiavélica do que esta. 

DESAFIO | Bicentenário "Sense and Sensibility" #41

- Sensibilidade e Bom Senso (2008) | 16 -

 cavalheiro andante

 

 

 

 

Um dos aspectos que mais me agrada nesta versão é o retratar daquilo que não é dito no livro. As entrelinhas. E, algumas vozes breves, ganham volume. Este é o caso do Coronel Brandon.

 

“Era calado e sério. Contudo, o seu aspecto não era desagradável, apesar de ser, na opinião de Marianne e Margaret, um velho solteirão, pois já passara os trinta e cinco; mas apesar da sua cara não ser bonita, parecida sensato e os seus modos eram particularmente educados.”

 

No livro, Coronel Brandon surge-nos como um homem educado, distinto, inteligente e uma pessoa reservada. Nesta versão de Sensibilidade e Bom Senso, Coronel Brandon é interpretado por David Morrissey e ele imprime muito bem o tom de classe, distinção e passa-nos a imagem do verdadeiro gentleman. Mas ele dá também um traço de vigor que – a meu ver – não captamos no livro.

 

David Morrissey é um Coronel Brandon que admira e observa Marianne em silêncio, mas é igualmente capaz de resgatá-la, de cobrar de Willoughby as intenções dele em relação à Marianne e, ainda, de se bater em duelo. Lembro-me de dar por mim a pensar, enquanto via a mini-série, o porquê da Marianne olhar para um Willoughby tão fraquinho quando tinha um Coronel com aquela categoria. A comparação entre ambos chega a ser desigual.

 

A minha cena preferida do Coronel Brandon é a do baile em Londres, quando Marianne chama por Willoughby e este quase que finge que não a conhece e mostra-se frio e distante. Em resultado, Marianne desfalece e é o Coronel Brandon quem a auxilia juntamente com Elinor. Confesso, que gosto da maneira como ele a segura e a resgata da situação embaraçosa que se gerou ali. Eu sei que esta cena não existe no livro mas é de todo exequível.

 

Imagino este Coronel/Morrissey quase como um cavalheiro andante. O que não consigo imaginar, o que não consigo conceber, é vê-lo a usar os famosos coletes de flanela.


DESAFIO | Bicentenário "Sense and Sensibility" #40

- Sensibilidade e Bom Senso (2008) | 15 -

melancolia #1

 


Podemos apreciar, ao longo de Sensibilidade e Bom Senso 2008, alguns momentos de teor melancólico. Geralmente, são cenas com Elinor. Uma melancolia longe de arroubos e de pieguices. Uma melancolia serena, madura e reflexiva. Uma melancolia à imagem de Elinor. 

Este é, sem dúvida, um dos aspectos de que mais gosto nesta série. Esta sequência que coloco a seguir é linda... Elinor a relembrar Edward.

 

DESAFIO | Bicentenário "Sense and Sensibility" #39

- Sensibilidade e Bom Senso (2008) | 14 -

-  Allenhan, Willoughby de Allenhan

 

 

Dominic Cooper é o actor que dá vida ao personagem Willoughby. Eu só me recordo de o ver actuar em “Mamma Mia!” e, neste filme, o seu personagem não tem tanta exposição que me faça conceber uma opinião. Sei que ele trabalhou também nos filmes (muito elogiados) “A Duquesa” e “Uma educação” mas como nunca assisti ambos filmes, nem os outros em que ele actuou, vê-lo em “Sensibilidade e Bom Senso 2008” foi quase como olhar para uma tela em branco.

 

Se tivermos como base o que Jane escreveu, ficámos com a ideia de que Willoughby é absolutamente fascinante e que, aos olhos românticos de Marianne, esta qualidade é ainda acrescida.  Em oposição, o seu rival - Coronel Brandon - seria um cavalheiro, mas sério e calado; e, por isso, sem graça. O que se passa, nesta versão, é o oposto. Willoughby é completamente insípido enquanto o Coronel Brandon um homem interessante e com presença.

 

O Willoughby desta versão é uma absoluta decepção para mim. Está muito longe de ser o jovem cativante e sedutor que Jane Austen concebeu. Nem consigo encontrar alguma "química" entre ele e a Charity Wakefield. As duas únicas sequências dele que achei razoáveis foram:

 

1.      Quando ele leva Marianne para conhecer a casa que vai herdar: Gosto desta sequência, tem uma carga de doçura e, ao mesmo tempo, de sedução e intimidade latentes. Há um jogo de luz e sombra, ao nível da fotografia, dentro da residência muito interessantes.

2.     Quando ele conversa com Elinor, na altura em que Marianne está doente: A mudança da fisionomia e a própria cor da cena mostram um lado negro e oculto de Willoughby que resultou muito bem para reforçar o baixo nível do seu carácter.

 

Este personagem precisava de um actor mais carismático para fazer-lhe justiça. Ainda não vi nenhuma versão em que ele fosse interpretado à altura.

 

 

 

 

DESAFIO | Bicentenário "Sense and Sensibility" #38

- Sense and Sensibility em Portugal 200 anos depois – I  Parte - #2

- O tradutor visto por uma leiga -

 

 

Como eu afirmei no post anterior, não sou tradutora e estou bem longe disto. Contudo, a dada altura e durante a leitura comparada, comecei a reflectir sobre a posição do tradutor. Neste desafio não estamos a focar o olhar unicamente sobre Jane Austen, mas sobretudo sobre as opções tomadas por cada tradutor.

 

Dei por mim a pensar na dinâmica deste trabalho e surgiu-me este pensamento: haverá condição mais solitária do que o tradutor no exercício do seu ofício? Não sei se a minha interrogação será abusiva mas comecei a visualizar mentalmente o tradutor neste diálogo silencioso de leitura e de descodificação de uma mensagem. Ele está diante de uma obra, que pertence a um tempo histórico, a uma cultura, a um tipo de mentalidade e a uma língua específica. Para além disso, ainda temos que considerar que há o escritor e a sua intencionalidade. E, ainda temos de considerar também, que o tradutor tem o seu ponto de vista de leitor e que tem de abstrair-se disto. Ou não?

Interrogo-me, muitas vezes, se a dualidade “tradutor/leitor” entram em conflito na actividade de tradução. Há a intenção do autor da obra que, excepto ele a deixe por escrito, nunca a alcançamos totalmente. Há a interpretação da obra por parte do leitor. Isto será um terreno minado para quem tem a tarefa de traduzir uma obra?

 

Parto da ideia de que para efectuar qualquer tradução estarão inerentes determinados processos que levam ao rigor e a objectividade para obter um resultado final fiel ao original. Num texto técnico, o rigor e a objectividade parecem-me ser metas indispensáveis senão fundamentais. Num texto e obra de cariz literário, para além disto, há toda uma série de condicionalismos. Alguns condicionalismos foram referidos acima: tempo histórico, cultura, língua, mentalidade; mas ainda há outros, dentre eles: o estilo de escrita do autor da obra, a coordenação entre a subjectividade do autor e do tradutor, e a interpretação da intencionalidade do autor pelo tradutor. Será que podemos conceber que exista este espaço de interpretação? Isto é, a semelhança de um jornalista, há a necessidade de imparcialidade como condição ética essencial para o exercício da sua actividade; ou, pelo contrário, a parcialidade é benéfica?

 

Estas interrogações e afirmações têm uma natureza intuitiva. Foram ilações que me atravessavam a mente durante o exercício de leitura de ambas as traduções. Não quero ter a pretensão de lançar pressupostos sobre a técnica de tradução ou sobre o trabalho do tradutor e acredito que estas questões poderão parecer “romantização” da profissão. A minha partilha destina-se, apenas, a ser matéria de reflexão de uma actividade que parece ficar um pouco à sombra do anonimato.

 

 

 

 

DESAFIO | Bicentenário "Sense and Sensibility" #37

 Sense and Sensibility em Portugal 200 anos depois – I Parte - #1

 Leitura Comparada de Sense and Sensibility de Jane Austen nas traduções: 

“Sensibilidade e Bom Senso”  (Maria Luísa Ferreira da Costa) e “Razão e Sentimento” (Ivo Barroso) 


 

Introdução. Após a surpresa e a alegria inicias provenientes do convite da Raquel Sallaberry do Jane Austen em Portuguêspara este desafio, veio a fase de planeamento e a concretização de algumas etapas do programa delineado. Sobre a tarefa específica da Leitura Comparada confesso que senti algum pânico: o que posso eu dizer sobre isto? Como posso fazer uma apreciação sobre o resultado do trabalho de um especialista? Eu não sou tradutora. Estou bem longe deste ofício.

Não tenho a pretensão de fazer um estudo aprofundado e/ou académico. Assumi a certeza de que a minha leitura terá de ser a de alguém que ama três coisas: a língua portuguesa, a literatura e Jane Austen. O meu olhar será do ponto de vista do leitor. Uma irremediável leitora.

Ler Jane Austen, nos nossos dias, pode parecer um tanto deslocado. Ler escritores clássicos é, muitas vezes, visto como algo pouco atractivo e antiquado. Acredito que a genialidade ultrapassa a barreira do tempo. Se lapidarmos as circunstâncias e o contexto histórico entendemos que os sentimentos e as atitudes relatados são extremamente semelhantes aos da nossa contemporaneidade.

Gosto deste desafio que, por vezes, designo como um desafio lusófono.

 

Leitura Comparada. Esta primeira etapa da Leitura Comparada entre “Sensibilidade e Bom Senso” (tradução de Maria Luísa Ferreira da Costa) e “Razão e Sentimento” (tradução de Ivo Barroso) foi feita do Capítulo 1 ao 22. Não foi um percurso de um fôlego só. Tem sido uma gradual construção e um exercício de compreensão. É interessante confirmar que a língua portuguesa é multifacetada e que a sua expressão nos dois países (Portugal e Brasil) assume particularidades assinaláveis.

Optei por não demonstrar capítulo a capítulo as diferenças porque seria demasiadamente longo. O que faço é destacar algumas passagens que convidam à reflexão.

 

Uma mesma língua: significantes diferentes, significados iguais. Falamos a mesma língua mas a forma de expressão difere. A escolha e o uso das palavras para traduzirem determinado significado, pelos tradutores, são um exemplo desta diferença. Há expressões que são típicas e que, não sendo literais ao original, traduzem a ideia que o texto quer transmitir.

Coloco alguns exemplos deste tipo de situação:

 

 

 

 

 “uma articulação imperfeita das palavras, um desejo voluntarioso de fazer o que queria, muitas partidas* engraçadas e muito barulho” (Sensibilidade e Bom Senso, Capítulo 1, pg. 6) 

“uma articulação imperfeita, um persistente desejo de afirmar a sua vontade, muitas artimanhas astuciosas e uma barulheira infernal” (Razão e Sentimento, Capítulo 1, pg. 6)

*Dizer “pregar uma partida” em Portugal será o equivalente a “pregar uma peça” no Brasil; ou seja, o sentido é o de uma brincadeira inesperada. 

 

 

 

 

“A sua casa ficará portanto quase completamente recheada* logo que tomar posse dela”. (Sensibilidade e Bom Senso, Capítulo 2 , pg.12)

“Ela estará com a casa quase completamente montada quando se mudarem daqui.” (Razão e Sentimento, Capítulo 2, pg.12)

* A expressão “casa recheada” ou “com recheio” é quando ela está devidamente mobilada. Não é incomum aqui utilizar-se o termo “montada”, mas é mais usual dizer-se “recheada”.

 

Opções e dúvidasDeparo-me com algumas frases em ambas traduções que levantam-me dúvidas quanto ao resultado. 

 

 

“Lembra-te, minha querida, de que ainda não tens dezassete anos.” (Sensibilidade e Bom Senso, Capítulo 3,  pg. 16)

"Lembre-se, minha querida, de que você ainda não tem dezesseis anos.” (Razão e Sentimento, Capítulo 3 , pg. 16)

Questiono-me o porquê da tradução brasileira atribuir à Marianne uma idade diferente do original. Será que “you are not seventeen” possa implicar que Marianne não tenha especificamente 16 anos e que possa ter menos idade? Deirdre La Faye escreve que “they made their debut into society in their late teens” (La Faye, Deirdre; “Jane Austen – The world of her novels”, pg. 113) o que poderia significar que uma jovem debutaria entre os 17 e os 18 anos. Então faria sentido pensar que com esta fala, Jane Austen através de Mrs. Dashwood não está a indicar a idade exacta de Marianne.

 

 

 

 

 Margaret, como acompanhante de Marianne, com maior elegância que precisão, acalmou Willoughby, que viera cedo, na manhã seguinte à casa para saber pessoalmente como ela passava.”(Sensibilidade e Bom Senso, Capítulo 9, pg. 36)

O guardião de Marianne, título que Margaret, com mais elegância que precisão, atribuíra a Willoughby, apareceu na manhã seguinte bem cedo à porta do chalé para saber pessoalmente do estado dela.” (Razão e Sentimento, Capítulo 9, pg. 35)

Este foi o parágrafo que, ao longo destes 22 capítulos, levantou-me mais dúvidas. Não vos parece que o início da frase, em ambas as traduções, transmita um significado totalmente diferente entre si? Quando compara ambas com o original, as minhas dúvidas aumentam.

 

Em traços gerais, através destes breves exemplos pretendi destacar diferenças de expressão e as dúvidas que algumas passagens criaram em mim. Contudo, a aventura ainda está no início. Ainda há um longa caminho a percorrer nesta trilha do desafio do Bicentenário S&S e da Leitura Comparada entre "Sensibilidade e Bom Senso" e "Razão e Sentimento". Guardo a certeza de que as páginas ainda reservam muitos aspectos sobre os quais repousar os olhos, alargar a visão e surpreender-me com alegria pelas novas descobertas. Aproprio-me, com civilidade, de uma frase das cartas de Jane Austen para afirmar...

 

..."No, indeed, I am never too busy to think of S. and S.."

 

 

 

 

 

DESAFIO | Bicentenário "Sense and Sensibility" #36

- Sensibilidade e Bom Senso (2008) | 13 -

-  cenas marcantes #2 –

 

 


 

Edward procura Elinor na Biblioteca. Isto acontece quando as Dashwood estão a arrumar os seus pertences e a preparar a partida de Norland. Esta é uma das cenas que eu considero perfeita nesta mini-série. Edward procura Elinor para se despedir dela. Ele não sabe muito bem como agir; meio constrangido, meio hesitante. Lemos em seus gestos o desejo de lhe revelar e de falar livremente sobre o que sente e sobre o que o retém. Ela, por seu lado, está expectante por uma declaração de sentimentos por parte dele. Hattie/Elinor parece que respira com dificuldade na ansiedade de ouvir-lhe as palavras esperadas. Os seus olhos estão fixos e brilham. Edward olha para todos os lados, não sabe que palavras usar e, por fim, entrega-lhe um livro de presente. Ele sai da biblioteca como quem foge de si mesmo. Elinor fica estática, estupefacta e surpresa. 

 

 

 


 

DESAFIO | Bicentenário "Sense and Sensibility" #35

- Sensibilidade e Bom Senso (2008) | 12 -

-  Dan Stevens e a Reconciliação #2 –

 

 

Dan Stevens inicialmente apresenta-nos um lado tímido aliado à um certo ar de humor. É o irmão mais velho de Fanny que mostra, desde o início, o quão diferente é desta e, por consequência, da restante família. Ele revela-se despretensioso e reservado. Tudo nele é calma e simplicidade.

Conforme a história se desenvolve também verificamos a evolução que Dan Stevens confere ao personagem: a tranquilidade o abandona. Quando Mrs. Dashwood anuncia que ela e as filhas irão partir de Norland, a serenidade de gestos é substituída por frustração e também – à semelhança de Hattie/Elinor – uma postura de contenção. Frustração, contenção e hesitação. Parece que lemos em seus olhos: “o que vou fazer agora?”. Ele quer revelar o seu sentimento mas, ao mesmo tempo, tem que manter a sua palavra e o segredo. Há sofrimento e alguma revolta em todo este processo de contenção e de frustração.

Em tudo isto, Dan Stevens transporta-nos para dentro do coração de Edward. Revela-nos a sua angústia. Revela-nos a sua integridade. Revela-nos, inclusive, o quão semelhante ele é de Elinor: ambos sabem guardar um sentimento, respeitar um segredo e cumprir a palavra dada. Ambos têm capacidade de contenção, de sofrimento e de sacrifício.

Eu afirmei, no post anterior, que Dan Stevens selou o meu processo de reconciliação com Edward Ferrars. Para além de tudo o que tenho deduzido sobre Edward, ao longo dos anos e de muitas releituras, esta interpretação deu voz activa ao personagem e fez-me entender a dimensão de sofrimento de Edward. O resultado do trabalho feito em Sensibilidade e Bom Senso 2008 é, no fundo, resultado de uma dupla interpretação: do argumentista e do actor. Agradou-me esta dupla leitura. Agradou-me este Edward profundamente angustiado e em conflito com as suas próprias convicções. Sobretudo, agradou-me ver um Edward com um ar indiscutivelmente apaixonado.

 

Por tudo isto, acho que Dan Stevens – com a sua interpretação de Edward Ferrars – é o grande homem desta mini-série.