Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

O significado de "virtudes domésticas" em Persuasão por Susana Lopes Bastos

No último Clube de Leitura Jane Austen, da Bertrand, em Lisboa, o livro em discussão foi "Persuasão. No final ficou em aberto uma questão que se prendia com o significado da expressão "virtudes domésticas" que consta do último parágrafo do livro. Comprometi-me com as colegas do Clube, a Ana Saraiva, a Maria Fernanda e a Susana Lopes Bastos, em verificar e partilhar a minha opinião sobre o assunto. Entretanto, a Susana Lopes Bastos, deixou-me a sua reflexão sobre o assunto. Achei que era de grande interesse partilhá-la. Por isso, o texto que aqui vos deixo é da autoria da Susana Lopes Bastos.

 

(...) quanto às "virtudes domésticas", penso que terá que ver com a admiração que a Jane Austen nutria pela marinha. Ela própria teve dois irmãos que chegaram a almirantes e como excelente observadora da sociedade do seu tempo traçou-nos, e no Persuasion isso é muito evidente, retratos dos vários tipos de extractos sociais que poderiam dominar social e politicamente o país naquele tempo e nota-se que, dos três grupos retratados em Persuasion que poderiam ter um papel de liderança e de governo do país, ela preferia nitidamente as famílias ligadas à marinha. Nos aristocratas, com berço e linhagem mas com vidas vazias, sem qualquer contacto com a realidade das populações, inúteis, vaidosos, muito fechados no seu próprio círculo, demasiado preocupados com as aparências e extravagantes, não se pode confiar para continuarem a ser os líderes das suas próprias comunidades como tinham sido tradicionalmente até ali. Depois há o outro grupo, de pessoas não nobres mas "de bem", os cavalheiros e as suas famílias, muitas delas bem antigas, tradicionais, ricos, mas demasiado conservadores. No caso de Persuasion, Anne prefere os Musgroves à sua própria família, porque embora não sejam muito elegantes nem muito cultos são cordiais, despretensiosos e têm bom coração. No entanto considera-os incapazes de governar o país no sentido de o modernizar e de o preparar para o futuro (nem os seus filhos considera capazes disso porque embora com modos e pensamentos mais modernos, não têm peso, não são influentes). Ela prefere, por isso, as famílias ligadas à marinha, para levar o país para o futuro. Considera-os melhor preparados pela sua integridade, lealdade, pela bravura demonstrada em combate, pelo seu vigor, pelos seus valores. Nas últimas linhas de Persuasion Jane Austen traça o retrato do papel da marinha na sociedade inglesa. Reconhece que o futuro da Anne poderá não ser inteiramente feliz, sempre com o receio de uma nova guerra e das possíveis separações prolongadas do seu marido. Esse é o preço a pagar por ser mulher de um oficial da marinha e apesar dos riscos ela exultava em ser mulher de um oficial da marinha. Há quem considere este livro muito auto-biográfico e aqui eu penso que a Jane Austen, enquanto fala da Anne, nos dá a sua própria opinião sobre os marinheiros e depois escreve mesmo, enquanto autora, que eles eram (para ela), se possível, ainda mais importantes internamente enquanto membros da sociedade do que no seu papel de defensores da nação e nos serviços que lhe prestavam, a essa nação, no exterior. Ao longo do livro, embora refira alguns personagens como sendo oficiais da marinha ela não nos diz o que eles fazem enquanto membros da profissão. A sua função na narrativa era apercebermo-nos de como os membros da marinha eram bem vistos pela sociedade civil. E por não lhes ter dado mais importância do que isso ao longo do livro, ela reconhece, nas últimas linhas, o papel fundamental da marinha, o bem que fazia pelo país, não só na sua defesa, na manutenção das suas fronteiras e das suas colónias mas também como meio de ascensão social e de conservaçãos dos valores ingleses. É uma forma dela honrar a marinha, considerando o trabalho árduo e a boa sorte uma forma honrosa de subir na sociedade e assim contribuir para uma sociedade mais forte, mais íntegra, mais plural, mais desenvolvida e mais moderna. E serão essas, na minha opinião, as suas "virtudes domésticas".

 

 

Se tiverem outras interpretações, partilhem.

 

Susana Lopes Bastos

 

 

Espero que tenham gostado e que, também por aqui, consigam acompanhar as discussões que vão tendo lugar no Clube de Leitura.

 

Obrigada pela excelente e sempre entusiasta participação, Susana! Bem-haja!

 

Boas leituras!