E Se Fanny Ficasse Sozinha?
Li há uns dias um artigo muito curioso que falava da possibilidade de Fanny, para o modelo de mulher da época, representar um certo estilo feminista, ou pelo menos de emancipação da mulher. Confesso que fiquei incrédula com o título "Fanny Price, Feminist" de Vera Nazarian no site Austen Authors - mas assim que iniciei a leitura, verifiquei que concordava e para surpresa minha, terminei o artigo com a convicção que sim, para a época, Fanny teve comportamentos que, com um pouco mais de rebeldia, seriam encarados como representantes da emancipação feminina. Mas a forma suave, coerente e consciente com que os faz, retira-lhes aquele brilhantismo da recusa de Lizzie a Mr. Collins - mas Fanny faz o mesmo, recusa Mr. Crawford. E mesmo com receio do Tio, faz-lhe frente e diz "NÃO!". A Fanny que muitas vezes encontramos em alguns comentários, que fazem dela uma sombra no universo austeniano, não seria capaz de tamanho feito.
Contudo, embora tenha grande apreço por Fanny porque ela possui todas as virtudes que gostaria de ter e representa a constância que muitas vezes me falha, sinto-me inconformada com o final que Jane Austen lhe deu... um pouco à semelhança com o final que deu a Marianne Dashwood, mas que de dia para dia me parece o mais correto. Porém, com Fanny tal não acontece.
Edmund Bertram é para mim um carácter inferior, muito inferior a Fanny. Para mim Edmund representa aquela figura muito correta, aparentemente muito íntegra e com elevados padrões de retidão, mas que, colocado em face das circunstâncias da vida que lhe dão oportunidade para pôr em prática o que o intelecto lhe ordena, faz tudo ao lado! Apaixona-se cegamente por uma mulher apenas pela sua beleza, deixando para trás todas as incongruências do seu caráter. Edmund Bertram tem falhas, como todos nós. Mas Fanny não tem e isso é que a separa dos outros e para mim, merecia um herói do mesmo nível.
Nem Edmund nem Henry eram indicados. Confesso, eu quase que me converti a Henry Crawford... mas no fundo no fundo, a conquista por Fanny era apenas mais um jogo para ele, se a cativasse, ela seria um estupendo troféu e a prova de que ele conseguia o apreço de todas as mulheres que desejava.
Edmund não tem a solidez que aparenta. A sua retidão não tem bases fortes... como facilmente verificamos no seu romance com Mary Crawford. A paixão por Fanny surge no último capítulo, sem grandes especificações pela autora - talvez porque nem ela soubesse bem como o fazer - surge como uma alternativa ao ideal de mulher que ele ficcionara em Mary Crawford.
Tenho a certeza que Fanny teve um casamento feliz. Sem sombra para dúvidas. Mas, um pouco no seguimento da ideia da emancipação da mulher seguida pelo artigo acima citado, se Fanny tivesse ficado sozinha? O que teria sido dela se Edmund nunca abrisse os olhos?
Julgo que uma eterna devotada a Lady Bertram... e no geral, à família. Talvez tenha sido esta a conclusão a que Jane chegou, e juntá-la com o primo fosse o final mais feliz que se lhe podia arranjar.
A meu ver era impossível juntá-la com Henry, tal casamento estava destinado ao fracasso... um pouco à semelhança de Marianne com Willoughby. Os primeiros anos de casados seriam, eventualmente, envernizados de felicidade. a dedicação de Fanny seria, creio, inabalável... mas a dele?
Mansfield mostra-nos os perigos da educação, ou melhor, da má condução da educação... e é extremamente difícil corrigir valores base errados. Henry cresceu numa casa em que o casamento era desrespeitado continuamente, era aquele o exemplo. Mais tarde, levou uma vida boémia que lhe deu vícios e vaidades complicadas de substituir. Não digo que fosse impossível mudar... mas implicava uma profunda necessidade de alterar o carácter, uma consciência concreta dos seus erros e vícios e julgo que Henry nunca conseguiu deixar de lado a sua vaidade.
Chego então à conclusão que Jane Austen viu-se em trabalhos (quiçá!) para trazer felicidade plena à nossa heroína. Mas de uma outra coisa tenho certeza, Edmund foi a escolha de Fanny, sempre. Porém, gostava que Fanny encontrasse na sua vida um Edward Ferrars pois sempre considerei o seu carácter muito próximo do de Fanny. Que vos parece?