Grandeza.
Quando penso em todas as razões que me levam a amar a obra de Jane Austen passo por um processo de indefinição… São tantas as razões!
Há um aspecto que me mantém cativa: o facto de que cada livro tem uma identidade própria. Quando sinto necessidade de reler algum de seus livros, direcciono o meu olhar para a prateleira onde carinhosamente guardo a sua obra e sei que determinado livro é o indicado para um estado de espírito específico. À parte o facto de Jane nos ter deixado poucos livros, alegro-me com o facto da riqueza que cada um possui. Cada herói e heroína, cada cenário, cada palavra nos remete para outra dimensão que, muitas vezes - salvo as devidas proporções - é tão semelhante ao mundo que vivemos e a algumas pessoas que nos cercam.
A particularidade de cada livro remete-nos de imediato para a protagonista de cada história. Não nos enganemos, há imensos heróis que amamos (Wentworth, Mr. Knightley, Mr. Darcy, Mr. Tilney, etc) mas a verdade é que o foco são as mulheres - a forma como elas sentem, pensam, veem o mundo e a sociedade que as cerca. Se juntarmos todas as heroínas de Jane - como fizemos na Shortstory.2 - constatamos que todas têm personalidades distintas. Acredito que em cada protagonista de cada livro há algo da própria personalidade de Jane Austen. Conseguirá o escritor descolar-se completamente de seus heróis?
Eu gosto de pensar que Fanny Price encarna a capacidade de observação e a discernimento que acredito Jane Austen possuíra. Fanny é mais uma observadora do que uma interventora. Não é ela que faz a acção de Mansfield Park ter um desenvolvimento. Todos os outros personagens fazem a história desenrolar-se, ela observa e avalia. Mas o resultado da sua observação era algo que somente a si própria pertencia, apenas partilhando pontualmente com o irmão ou com o primo Edmund. Mas
naquela casa e família a sua opinião era algo totalmente irrelevante. Imagino que se uma opinião fosse solicitação a Fanny, a sua odiosa Tia Norris exclamaria "Mas Fanny pensa sequer para poder ter opinião?". Toda a família que, apesar de não terem a mesma violenta e impiedosa postura da Tia Norris, teriam de igual forma a repugnante postura de ignorá-la.
Portanto, a clareza de pensamento e de valores da Fanny eram - dentre outras qualidades - as que me fazem ver que estas seriam qualidades que Jane Austen possuíria. É através dos olhos de Fanny que vemos toda a corrupção de valores, de sentimentos e de postura de todos os que a cercavam. É através da observação de Fanny que constatamos a hipocrisia da sociedade. Jane Austen era um excelente retratista da sua época, cada palavra e cada frase apontavam para as particularidades e defeitos de sua época.
Mansfield Park é uma obra riquíssima. Densa, lenta e silenciosa; mas profunda. Destrinça ao pormenor a ausência de valores e inconstância humana. Fanny, também ela profunda e lúcida.
Sei que Fanny é, provavelmente, a menos popular de todas as heroínas. Uma heroína mal amada. Para mim, ela é imensa, grande, paira muito acima.
Fanny Price, dedico-te o meu afecto, respeito e admiração.