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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

Lost in Austen #17

Entretanto, em Poiares, Júlia acabava de se escapar para a biblioteca. Dona Rata tinha chegado para uma visita à Tia Augusta e ela, alegando uma súbita dor de cabeça, retirara-se para o seu refúgio no segundo andar, deixando as duas senhoras a conversar na sala de estar do primeiro andar.

 

- Vai para os livros, com toda a certeza, Dona Augusta - ouvia Júlia à medida que subia a escadaria para o segundo andar - Se ao menos procurasse um trabalho normal e digno como o de Cecília. Pobrezinha, não sei onde vai parar; assim, com aquela idade, sem marido ou namorado ou emprego..

 

Mas Júlia fez por esquecer aquelas palavras. Tinha outros assuntos bem mais importantes e bem mais graves em que pensar. Já na biblioteca, percorreu distraída as prateleiras dos livros, procurando uma resposta para aquilo que, incessantemente, lhe remexia o espírito e a mente. Por mais que pensasse, por mais que tentasse arranjar uma solução, não conseguia desfazer-se daquele tormento.

 

Sentiu subitamente que fixava o olhar num determinado volume arrumado numa das prateleiras mais baixas. Apurou mais a visão e leu o título do livro na lombada:  "Persuasão" de Jane Austen. Retirou-o de entre os demais livros e descobriu com prazer o mesmo volume que ela e Cecília tanto tinham adorado, anos atrás. Anos longínquos, em que eram as melhores amigas e inseparáveis. Que saudade tinha desse tempo! Talvez se ainda tivessem essa confiança, nada daquilo se estaria a passar.

 

Folheou rapidamente o livro deixando que o seu odor lhe preenchesse as narinas; um odor que sempre gostara, a antigo, a livro. Era quase tão agradável quanto o seu estojo de escola; cheiro a lápis, a conhecimento, a descoberta, a amigos. Abriu-o totalmente quando se deparou com a sua parte favorita: a carta do Capitão Frederick Wentworth a Anne Elliot, confessando-lhe novamente o seu amor. "...Ofereço-me de novo a si com um coração que ainda é mais seu do que antes, quando o despedaçou há oito anos e meio..." 

 

Leu-a e releu-a como fazia antigamente e lágrimas ameaçaram brotar dos seus olhos, não pela intensidade emocional da carta mas pela saudade que sentia da irmã e do tempo em que se sentavam na relva do jardim e declamavam aquelas palavras de cor, sem precisarem sequer do livro. Nessa altura, ambas ansiavam pelo amor, por um amor igual ao de Anne, por alguém que as amasse como Wentworth amava Anne.

 

Até que ela conhecera Luluzinho. Ou melhor, até que ele a conhecera a ela. Parte da sua inocência, parte da sua crença nos homens e no amor acabara quando ele entrara na sua vida. Ninguém sabia pois nem à irmã se atrevera a contar e, infelizmente, fora por volta dessa altura que ambas se começaram a afastar.

 

Como que lendo-lhe os pensamentos, o seu telemóvel tocou. Júlia olhou de imediato para o grande relógio de parede da biblioteca. Cinco horas da tarde! Era de uma precisão extrema. Meu Deus, quando acabaria aquele suplício? Estava a ficar tão cansada daquela situação. Colocou o livro novamente na prateleira e, sem grande vontade, dirigiu-se para o telemóvel que deixara na mesa de centro.

- Olá - cumprimentou sem expressão na voz.

 

Ouviu aquela voz nauseante no outro lado da linha e teve vontade de desligar. Contudo, não podia. Simplesmente, não podia. Estava muita coisa em jogo.

 

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