Sugestões do mês de Julho
- MÚSICA
A minha sugestão de música recai sobre Stacey Kent , uma cantora de jazz americana que estudou literatura em Nova Iorque, no Sarah Lawrence College, tendo depois decidido ir viver para Oxford para aprender línguas europeias (francês, italiano e alemão). É aqui que conhece o saxofonista Jim Tomlinson que se tornará seu marido e que a revelará ao mundo.
Stacey Kent tem uma voz doce, leve, capaz de criar um ambiente calmo e prazenteiro até mesmo para aqueles que admitem não apreciar jazz. É uma voz que se ouve em qualquer altura.
O seu primeiro trabalho surge em 1997. Em 2000 e em 2001 ganha o prémio de melhor vocalista de jazz. É também em 2000 que sai um dos seus melhores trabalhos, Let yourself go: Celebrating Fred Astaire. Um disco fenomenal, harmonioso e envolvente. Em 2006 assina um contrato com a Blue Note. Em 2009 edita Breakfast on the mornig tram, já incluindo trabalhos originais.
O seu último trabalho Racconte-moi, editado em 2010, é todo cantado em francês. Um trabalho lindo, igualmente envolvente e marcante que se tornou um dos trabalhos de língua francesa mais vendidos no mundo. Isso valeu-lhe o prémio Chevalier dans Lórdre des Arts et des Lettres.
- FILME
O Véu Pintado é um romance de W. Somerset Maugham, que a ASA reeditou este ano, adaptado para o cinema em 2007, com Naomi Watts e Edward Norton nos principais papéis e dirigido por John Curran, com uma lindíssima banda sonora de Alexandre Desplat, interpretada ao piano por Lang Lang, sendo que a fotografia ficou a cargo de Stuart Dryburgh.
Trata-se de um história de amor passada nos anos 20 que nos conta a história de um jovem casal britânico, Walter, um médico da classe média e Kitty, uma mulher da alta sociedade, que casam pelas razões erradas e se mudam para Xangai, onde ela se apaixona por um outro homem. Quando Walter descobre que a mulher lhe é infiel, aceita num acto de vingança um lugar numa aldeia remota da China, desvastada por uma mortífera epidemia, e leva-a consigo. A sua viagem traz um novo significado à sua relação e à sua essência, num dos mais belos e remotos lugares ao cimo da Terra.
Um filme brilhante (com duas interpretações igualmente brilhantes) sobre o encontro de duas pessoas que, estando juntas, viajavam pela vida em sentidos opostos.
- LIVRO
Tempo de Fogo é o primeiro romance de Amadeu Ferreira, autor ligado à língua mirandesa, com vários livros publicados nesta segunda língua de Portugal. É baseado em factos reais retirados dos arquivos do Tribunal da Inquisição e cuja acção decorre, essencialmente, num período da nossa história que, como diz o autor, ainda nos dias de hoje marca o povo português. É um livro cru, à semelhança daquele tempo duro, frio e asfixiante, mas simultaneamente profundo. Com uma escrita naturalmente simples e autêntica, o autor leva-nos para uma viagem carregada de realismo que se centra nos últimos dias de um frade condenando por aquele Tribunal. Uma leitura empolgante. Fez-me lembrar "O nome da Rosa", talvez por causa da figura do frade e de todo o peso daquele período histórico. É impossível ficar indiferente a esta história.
Eis o resumo: um frade homossexual é queimado às ordens do Tribunal da Inquisição, condenado por breves amores de juventude na universitária Salamanca dos fins do século XVI. Através de personagens reais, perseguidos pela Inquisição, é passado em revista o ambiente sufocante do país nos anos vinte do século XVII, tomando como paradigma várias vilas e aldeias do planalto mirandês, habitadas por importantes comunidades de cristãos-novos que atravessam a fronteira conforme de onde se acendem os fogos da Inquisição. Aí, o ambiente de denúncia, a ameaça de prisão, a dissolução de costumes do clero, as perseguições permanentes, tornam o amor numa utopia e as relações entre as pessoas num inferno, deixando marcas profundas que se prolongam até aos nossos dias.
A língua aparece como um modo de curar, mas também como castigo, quase uma maldição, pressentindo-se as dificuldades no confronto das línguas presentes: o português, o castelhano e o leonês/mirandês.
Três séculos depois, um professor primário resgata um manuscrito onde aquele frade tentou escrever, na prisão, um tratado das artes de curar pela fala, fazendo comentários relativos à sua prática e continuando a questionar-se sobre o sentido da vida e o problema e Deus.
De modo sereno e inovador são abordadas questões que sempre preocuparam o homem, como o amor e o sexo, o bem e o mal, a liberdade, a religião, o viver em comunidade, através de uma época de fundamentalismos, de que ainda não nos livrámos e que não podemos esquecer.