Lost in Austen # 14
Júlia abriu a porta e à sua frente econtrava-se um homem bonito e bem apresentado. Rapidamente percebeu, pelo rosto preocupado e pela leve agitação que deixava transparecer, que se devia tratar de Henrique. Este, impaciente, informou-a que desejava falar com Cecília. Júlia hesitou por um instante mas, desviando-se, escancarou a porta para o deixar entrar. Levou-o até à sala de estar, em cuja decoração sobressaía a cadeira de baloiço da Tia Augusta, e pediu que aguardasse um instante enquanto ia chamar Cecília, dizendo-lhe que ficasse à vontade.
Enquanto subia as escadas até ao segundo piso, reflectia sobre aquele homem que parecia tão diferente do irmão. Ficou a conhecer Eduardo no dia em que ele veio conversar com Cecília e logo ali o detestou. Algo naquele homem a tinha deixado inquieta. Um arrepio atravessou-lhe o corpo quando passou junta da sala em direcção ao terraço e o viu conversar com a irmã. Não percebeu o que conversavam, mas aquela estranha inqueitação não mais a largou até ao dia em que se voltaram a encontrar. Aquele fatídico encontro.
Ao passar pelo quarto da Tia Augusta, esta chamou-a para se informar de quem as visitava. Júlia apressou-se a dizer-lhe que se tratava de Henrique e pediu-lhe que voltasse a descansar. Preocupava-a a aparência cada vez mais débil da Tia. Parecia-lhe que naquela semana a sua saúde se tinha debilitado súbitamente. Só quando via Cecília é que a sua tez se iluminava. Naqueles momentos podia ver-se a felicidade bailar-lhe nos olhos.
Bateu à porta e logo ouviu os passos de Cecília. Informou-a de que Henrique se encontrava na sala e que lhe queria falar. Júlia reparou como Cecília estremecera. Olhou-a com um ar apreensivo mas a irmã tentou recompor-se e nada mais disse do que um agradecimento.
- Cecília... se... se precisares de alguma coisa, estou aqui... desculpa...
- Obrigada, Júlia! Não vou precisar de nada. - informou prontamente Cecília. Aquele não era o momento para conversarem. Todavia, ficou feliz pela abordagem da irmã. Seria um primeiro passo para uma longa conversa. Ambas estavam a precisar de reencontrarem. Afinal, se a Tia Augusta morresse, elas só se tinham uma à outra.
Quando desciam as escadas, a campainha voltou a tocar.
- Deixe-se estar, minha tia. - disse Júlia no tom mais doce que encontrou ao passar novamente pelo seu quarto, verificando que esta fazia um gesto para se levantar. Pediu licença para encostar a porta e desceu.
À porta estava Eduardo. Cecília estava pálida e Júlia pressentiu que a irmã ia desmaiar. Ela própria gelou quando viu a figura do homem que nos últimos dias a perseguia.
- Ora ainda bem que a encontro, Cecília! Venho saber como tem passado, foi avançando Eduardo num tom firme e seguro. No entanto, é com a sua irmã que quero mesmo falar, se não se importa. Perdoe-me a indelicadeza de não lhe prestar atenção, mas, como sabe, sou um homem muito ocupado.
- Claro!... foi a resposta de Cecília
- Não me convida para entrar, Júlia?
Júlia não respondeu, limitando-se a fazer um aceno com a cabeça o que, Cecília, no meio os turbilhão de sentimentos que a assaltavam naquele instante, pôde contudo perceber. Estava atordoada. Henrique estava na sala ao lado e ela não sabia o que fazer.
Sem dar tempo às irmãs, Eduardo dirigiu-se para a sala confiante. Esta confiança deu lugar à surpresa. Não estava à espera de encontrar Henrique naquela casa. O nervosismo que o invadiu foi imediatamente percepcionado pelo irmão.
- O que fazes aqui? - perguntou Henrique tentando esconder a fúria que tomava agora conta do seu espírito. Havia algo que não estava a fazer sentido naquela história toda. Mas não teve sequer hipótese de perguntar mais nada. Cecília dirigiu-se-lhe com uma voz fria e calma e pediu-lhe que saísse e que nunca mais voltasse àquela casa onde já não era bem vindo. Informou-o que apenas tinha descido para que a irmã não fosse a mensageira de algo que só ela lhe podia dizer.
Henrique saiu magoado, ferido e, acima de tudo, furioso. Percebeu a palidez e o nervosismo nas duas irmãs e em Eduardo. Era evidente que ele tinha alguma coisa a ver com tudo isto. Haveria de saber o que era e resolveria tudo. Nesse mesmo instante uma luz de esperança voltou a aquecer o seu coração. Ficava com a certeza de que nada tinha feito para afastar Cecília. Algo a tinha afastado dele. E tinha a ver com o seu irmão. Estava certo disso.
A resolução de tirar uns dias de refúgio era agora mais firme. Iria para Paris e não diria nada a ninguém. Em vez de seguir para casa, seguiu para o escritório e no caminho telefonou para Ana, a sua secretária, que há muitos anos trabalhava consigo, e pediu-lhe que fizesse alguns telefonemas. Quando chegou, já uma grande parte dos assuntos daquela semana e da seguinte se encontravam reagendados. O facto de não ter encontrado quaisquer obstáculos por parte dos clientes tinham-no animado. Era profissional e exigente consigo e com os seus colaboradores e não gostava de faltar com a sua palavra. Entretanto, Ana, já lhe havia reservado o hotel e conseguira um bilhete numa companhia de low cost. Partiria no dia seguinte.
A perspectiva de estar longe do irmão e destes últimos acontecimentos ajudaram a que se acalmasse. Já em casa reflectia em tudo o que tinha presenciado e não conseguia perceber exactamente o que se passava. Sabia que o irmão não era boa rês e conhecia bem Cecília. Pecebera a sua inquietação quando a vira entrar na sala, embora esta não combinasse com o tom de voz com que lhe falara. Estes dias em Paris serviriam para se concentrar apenas e só na forma de agir. Não iria ficar muito tempo. Estava certo de que reconquistaria Cecília e de que casaria com ela. Esta era a sua maior determinação. Não por teimosia, mas por amor. Cecília encantara-o com a sua sensibilidade e com a sua intelegência e ele sabia que ela era a mulher da sua vida.
Entrou no avião e o seu pensamento viajou até ao passado. Estava em Paris com Cecília, a jantar no Sena, junto à Torre Eiffel... Naquele Verão apenas a melodia do amor e a confiança dos seus afectos os inundavam.