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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

O Clube de Leitura Jane Austen - Karen Joy Fowler

Nunca tinha lido este livro. Vi o filme há uns tempitos e até gostei. Bons actores, boas interpretações e do pouco que me lembro, a história até era interessante. E é. Acompanhar as histórias de Jocelyn, Bernadette, Sylvia, Grigg, Prudie e Allegra não deixa de ser interessante (umas mais que outras, claro!) mas houve ali qualquer coisa que não me entusiasmou e, por isso, não via a hora de terminar o livro que, no final, até me surpreendeu (já não me recordo bem do filme).

 

Foto daqui

 

No entanto, e tal como escrevi na 'review' que fiz na minha página do Goodreads, apreciei bastante algumas curiosidades que foram sendo reveladas durante o livro, não só sobre a própria Jane Austen como também sobre as suas obras e as suas histórias. É sempre bom ouvir opiniões diferentes. Faz-nos avaliar as coisas por um outro prisma que, muitas vezes, julgamos impossível ou impraticável.

 

Para que não fique a impressão de que não gostei do livro, deixo aqui (para quem ainda não leu, claro, ou para quem quer reler), um excerto que me agradou bastante e que foca as reacções de familiares e amigos de Jane Austen a algumas das suas obras. Segundo o livro, estas opiniões foram reunidas e registadas pela própria Jane Austen e estão descritas no livro The works of Jane Austen, vol.6: Minor works da Oxford University Press (1969), pág 431-435 e 436-439.
 
"Sobre Mansfield Park:
 
A minha mãe - Não gostou tanto como do Orgulho e Preconceito. Achou Fanny insípida. Gostou do Mr Norris.
 
Cassandra (irmã) - Achou que era bastante bom, embora não tão brilhante como O&P. Gostou de Fanny. Adorou a estupidez de Mr Rushworth.
 
O meu irmão mais velho (James) - Ficou um caloroso entusiasta dele em geral. Adorou a cena de Portsmouth.
 
Mr e Mrs Cooke (madrinha) - Ficaram muito agradados, particularmente com a forma como o Clero é tratado. Mr Cooke chamou-lhe 'a novela mais sensata que alguma vez leu'. Mrs Cooke gostaria de ver uma boa personagem de matrona.
 
Mrs Augusta Bramstone (idosa irmã de Wither Bramstone) - Admitiu que achava o Sensibilidade e Bom Senso e o O&P um diparate pegado, mas parecia-lhe que ia gostar do MP, agora que acabara o primeiro volume. Congratulou-se por ter conseguido ultrapassar o pior.
 
Mrs Bramstone (mulher de Wither Bramstone) - Ficou muito agradada com ele; especialmente com a personagem de Fanny, por ser tão natural. Achou a Lady Bertram parecida consigo. Preferiu-o a qualquer um dos outros - mas imagina que talvez isso seja devido à sua falta de gosto, visto não entender os ditos do espírito.
 
Sobre Emma:
 
A minha mãe - Achou-o mais divertido do que MP, mas não tão interessante como O&P. Nenhum personagem dele se compara a Lady Catherine e a Mr Collins.
 
Cassandra - Melhor que O&P, mas não tão bom como MP.
 
Mr e Mrs J.A. (James Austen) - Não gostaram tanto como de qualquer um dos outros três. Linguagem diferente dos outros. Mais difícil de ler.
 
Capitão Austen (Francis William) - Gostou muitíssimo, observando que, embora talvez haja mais espírito em O&P, e uma moralidade mais elevada em MP, no conjunto, devido ao peculiar ar de natureza presente em todo o livro, o preferia a qualquer deles.
 
Mr Sherer (pároco) - Não o achou à altura nem de MP (aquele de que mais gostou), nem de O&P. Descontente com a forma como retrato os homens da igreja.
 
Miss Isabela Harris - Não gostou. Objectou ao facto de eu ter exposto o sexo na personagem da heroína, convencida de que decalquei Mrs e Miss Bates em alguém que eles conhecem, pessoas de que nunca ouvi falar.
 
Mr Cockerelle - Gostou tão pouco, que Fanny se recusou a enviar-me a opinião dele.
 
Mr Fowle (amigo de infância) - Só leu o primeiro e o último capítulos, por ter ouvido dizer que não era interessante.
 
Mrs Jeffrey (editor do Edinburgh Review) - Ficou acordado três noites por causa dele."
 
 
"Toda a gente tem a sua Austen privada. A minha é a Austen que mostrava o seu trabalho aos amigos e à família, e que tão obviamente se comprazia com as suas respostas."
Karen Joy Fowler 

Quando a Obra Ultrapassa o Autor

É ponto assente que Fanny Price e "O Parque de Mansfield" não reúnem consenso entre os muitos leitores de Jane Austen. Este livro faz parte, segundo alguns analistas literários, da segunda fase de escrita da autora. É mais denso, menos espirituoso e focado sobremaneira na moralidade. Esta última característica é personificada na figura principal do enredo, Fanny Price.

 

A menina frágil (fisicamente) e aparentemente apagada intelectual e psicologicamente chega a Mansfield Park com apenas 10 anos de idade. Repudiada por todos, inclusive pelos que tomaram a decisão de a recolher com o suposto intuito de lhe darem melhor condições de vida, encontra refúgio na atenção do seu primo Edward, segundo filho de Sir Tomas. Este pretende seguir a carreira clerical por vocação mas, também, por não ter outra alternativa, porquanto a herança da propriedade das terras de seu pai estava destinada ao seu irmão mais velho, é um rapaz culto. Em conversas com a sua recém chegada prima, descobre que esta é dotada de um espírito crítico e de uma boa dose de bom senso. Os diálogos entre os dois decorrem de forma serena. As suas opiniões convergem em quase tudo ao longo do romance, excepto no que toca à encenação teatral - Edward cede perante a força do restante grupo; Fanny mantém-se inalterável na sua posição e no que à personalidade dos irmãos Crawford concerne. No fim, sabemos que todos darão razão a Fanny Price pela sua aparente teimosia.

 

Tal final leva-me a pensar sobre quem teria influenciado quem. Foi Edward que moldou Fanny, tendo ela, como suposta obra (entenda-se aluna) superado o seu autor? Ou teria Fanny sido sempre mais astuta e intelectualmente mais capaz do que o seu primo?

 

Para mim, Fanny era uma pérola que precisava apenas de se descobrir. Edward deu-lhe um pequeno empurrão no mar calmo da literatura e da discussão que ela soube aliar às suas capacidades inatas, superando, em muito, o seu mentor.