Li algures que Fanny Price é aquela jogadora que, num jogo de dodgeball (Jogo do mata ou Queimada), é a única que sempre se esquiva das bolas e que nunca tenta atingir ninguém com elas. E, no final, é a única que se mantém em pé, vencedora. Será que é assim que a vemos no livro Mansfield Park? Poderemos afirmar que ela jogou o jogo? Ou será que nem sequer participou?
Fanny Price é uma das personagens mais complicadas em Mansfield Park, apesar da sua atitude demasiadamente (e por vezes irritantemente) passiva. E, por isso, a impressão que deixa nos leitores é quase sempre negativa. No entanto, penso que se analisarmos a personagem com algum sentido prático, facilmente concluímos que Fanny Price é uma personagem soberba, complicada e até atractiva.
Comparando Fanny Price com outras heroínas austenianas, activas, encantadoras e corajosas como Elizabeth Bennet ou Emma Woodhouse, podemos afirmar que a heroína de Mansfield Park é apenas uma mulher tímida, reservada, solitária e insegura, situações que a impedem de participar adequadamente na vida social que a envolve. Também a podemos classificar como uma mulher deprimida, com sintomas psicossomáticos (isto ocorre quando os problemas emocionais se reflectem em problemas físicos); Ela sofre com dores de cabeça quando está emocionalmente perturbada, por exemplo. Além de tudo isso, Fanny tem uma auto-estima abaixo do chão, o que diminuí a sua auto-confiança e consequentemente a torna menos propensa a contactos sociais.
Depois, e porque um mal nunca vem só, além de todos estes factores pessoais impeditivos de uma vida social prazeirosa, Fanny price vê-se ainda prejudicada com as repercussões que a sua personalidade quieta tem nas pessoas que a rodeiam. Estas tendem a esquecer-se dela, da sua presença, ou simplesmente não entendem a sua maneira de ser, nem tentam fazê-lo. Verifica-se muitas vezes que Fanny desaparece da acção da história e dos olhos dos seus companheiros.
Há, contudo, personagens que, ocasionalmente, se questionam sobre a verdadeira personalidade de Fanny, como por exemplo Sir Thomas. Isto porque ela nunca manifesta o que pensa ou sente. Fanny esconde as suas emoções e pensamentos e raramente os partilha com outros, preferindo partilhar com o leitor os seus sentimentos relativamente a Edmund e depois Henry, navegando em círculos, sem dizer uma única palavra sobre o assunto em voz alta.
Outros há que acham que conhecem bem Fanny Price. É o caso de Edmund. E nós sabemos muito bem que, sobre Fanny, ele não entendia rigorosamente nada!
E porque Fanny não exprime aquilo que realmente se passa dentro dela, as outras personagens acabam por ficar com pouca informação e consequentemente acabam por fazer suposições erradas sobre ela. Por exemplo, ninguém entende por que Fanny se recusa a casar com Henry Crawford, e como ela não oferece para isso uma explicação clara, as outras personagens assumem que ela realmente não sente aquilo que diz quando diz "não" à proposta do playboy.
Ela nunca tenta superar a sua timidez, não se esforça. Prefere refugiar-se no seu mundo, não se envolvendo nas situações, na vida que vai decorrendo à sua volta. Joga passivamente o jogo de dodgeball, passando despercebida. E, no final, vence. O seu troféu? Edmund Bertram, o primo que amou desde muito jovem.
Porquê?...
Foi a única que se manteve de pé, incólume, alheia e intocável.
Li recentemente numa entrevista antiga da Keira Knightley (Elizabeth Bennet na versão cinematográfica de 2005 de Orgulho e Preconceito) que o Matthew MacFadyen foi escolhido para o papel de Mr Darcy depois de ter representado, nas audições, aquela cena maravilhosa da proposta de casamento à chuva.
"Representei essa cena com todos os actores que concorreram para o papel de Mr Darcy" - disse Keira que foi escolhida para o papel antes de saberem quem faria o principal papel masculina desta obra de Jane Austen - "A forma como Matthew e eu interagimos nessa cena não estava no guião. No entanto, pareceu-nos correcto. Deixamo-nos levar quase inconscientemente, e muito rapidamente fizemos a cena. Estavamos literalmente com os rostos colados. E, quando parecia que um beijo ia sair, ambos nos afastámos um do outro, sem que antes tivessemos combinado".
Keira refere ainda que, depois desta audição, houve um completo silêncio na sala, tal foi a empatia percebida entre os dois actores.
Matthew MacFadyen foi escolhido para o papel de Fitzwilliam Darcy, senhor de Pemberley, logo depois.
É uma das minhas cenas favoritas de Orgulho e Preconceito (2005) apesar de não ser fiel à obra original.
Escrever sobre Fanny Price e sobre Mansfield Park tem revelado a grata surpresa de que há muitas leitoras a partilharem, tal como eu, uma preferência por Henry Crawford. Tem sido agradável este feedback, através dos comentários, sobre o facto de que somos quase um "clube" a ansiar que Jane tivesse destinado para Fanny Price outro destino: render-se ao amor de Henry. Sabemos que não foi este o desenlace ocorrido e lamentamos...
Por que Jane Austen preferiu ignorar todas as provas de tentativas de mudança de Henry e fez com que Fanny não lhe cedesse afecto? Aquando da primeira vez que li Mansfield Park, esta foi uma pergunta que martelou a minha cabeça. Lembro-me perfeitamente da sensação de desconforto e da inconformidade com aquele final. Durante algum tempo pensei que a razão principal seria manter a coerência da personalidade de Fanny Price, uma mulher de princípios rígidos e firmes. Mas, gradualmente - e quanto mais tenho pensado nisso - constato que a razão ultrapassa Mansfield Park (apesar de ver bem evidente nesta obra) e é premente em toda a obra de Jane Austen.
Espero não estar a ser abusiva em afirmar que há um tom de cepticismo na forma como Jane desenha a sociedade e os inter-relacionamentos sociais da sua época. Os personagens, nas suas imperfeições e virtudes, apesar das vicissitudes e das falhas que cometem não modificam o seu comportamento. A única personagem que recordo sofrer alguma modificação foi Emma, ao ver as consequências de seus erros de julgamento. Ainda assim, no caso de Emma, a admissão dos erros e a correcção dos mesmos não geram uma mudança profunda de personalidade: Emma não deixa de ser Emma.
Henry Crawford, Willoughby, Mr. Frank Churchill, Mr. Wickham, Mr. Thorpe, General Tilney, Tia Norris, Fanny Dashwood - todos estes possuem um carácter duvidoso e Jane não deixa entrever uma mudança. O único sobre o qual caiu uma luz de esperança foi Henry Crawford, mas este também não resistiu.
Teria Jane Austen a crença de que um escorpião nunca nega a sua natureza? Teria ela a convicção de que uma pessoa não era capaz de viver um arrependimento transformador que causasse uma revolução comportamental? É estranho constatar isto, ainda mais quando é evidente que ela acreditava em segundas chances. A sua obra é repleta de momentos em que os seus heróis vivem uma segunda chance: Elinor e Edward, Elizabeth e Darcy, Anne e Wentworth, Mr. e Mrs. Weston, entre outros. Seja por infortúnio seja por mal-entendidos, Jane Austen concedeu algumas segundas chances de emendar um erro e de refazer julgamentos precipitados. Por outro lado, quando o assunto era o carácter e a natureza do personagem parecia não haver ponto de variação: seria imutável. Admitia que o que pensamos de alguém pode ser algo formulado por um julgamento precipitado e, por isso, suceptível de sofrer modificação; mas quando o assunto centrava-se no que este alguém realmente é, na sua essência, isto nunca passaria por uma mutação.
A forma como Jane retrata a sociedade através de seus personagens é, muitas vezes, carregada de humor e isto leva a que seja-lhe imputado uma tónica de crítica social. Será? Será que podemos admitir isso. Reconheço-lhe uma enorme capacidade de observação e de destaque dos pontos fracos da sociedade, mas ao fazer isto estaria ela a preconizar, a defender ou a antever uma real mudança da sociedade? Experimento uma hesitação em responder esta questão.
Ao admitir uma Fanny Price de carácter irrepreensível e de virtudes constantes e, ao mesmo tempo, ao criar um Henry Crawford perpetuamente falho e imperfeito; Jane Austen gera um desequilíbrio. Parece que estamos diante de dois pesos e duas medidas. Neste ponto do meu devaneio, interrogo-me se Jane não estaria certa: a perfeição não sofre alteração mas o imperfeição nunca poderá modificar-se de forma a tornar-se perfeita. Quase uma separação entre o divino e o humano. Como diria Henry, Fanny é uma visão angelical. Alguém a quem dificilmente outro ser humano chegaria perto sequer. Talvez - se concedermos que os personagens tem vida própria para além da pena do escritor e do olhar do leitor Henry Crawford tenha se rendido submisso ao cepticismo de Jane Austen e constatado que nunca estaria à altura de Fanny.
Como vêem, Jane Austen afigura-se aos meus olhos como uma mulher, até certo ponto, indecifrável. Não sei se seria uma mulher céptica e conservadora ou se seria crítica e progressista. Neste aspecto, Fanny Price e a sua perfeição divina não me ajudam a chegar a uma conclusão definitiva.
Com o aniversário dos 200 anos de Orgulho e Preconceito a chegar, para os leitores portugueses a aquisição deste livro só é possível através da edição da Book it ou se tiver sorte de o encontrar num alfarrabista. Eu tive esta sorte no ano passado na Feira do Livro do Porto, onde encontrei O&P da Europa-América no stand do alfarrabista. Tanto a versão de bolso como a edição normal estão esgotadas.
Se estão esgotadas deveria significar algo… deveria significar que o livro vende… que há procura... Não acham?
Então, eu gostaria de indicar-vos uma boa oportunidade de compra da obra, para além da Book it, mas para já, não é possível. Se algum/a leitor/a encontrar algum exemplar a venda, apelo a partilha da informação.
Por outro lado, adquiri há umas semanas o livro "A Independência de uma Mulher", na versão de bolso, que uma funcionária da Bertrand nos aconselhou da última vez que eu e a Vera estivemos no Clube de Leitura do Dolce Vita Porto. Confesso que só ontem comecei a lê-lo e está a ser uma leitura prazeirosa. Já ultrapassei mais de metade do livro e prevejo terminar hoje. Para já, não irei revelar a minha opinião sobre o livro porque quero guardar as comemorações do Bicentenário de Orgulho e Preconceito, que irei fazer em parceria com a Raquel Sallaberry Brião do Jane Austen em Português. A única coisa que irei dizer é o seguinte: é um livro inspirado em O&P, escrito por Colleen McCullough (que é a mesma escritora de "Pássaros Feridos") e que merece ser lido.
A versão de bolso da Bertrand deste livro é mais barata. Do ponto de vista do utilizador, aprovo esta versão. Gosto da grafia, da capa, e da qualidade do livro. Manuseio livremente e não encontro problemas do livro partir no meio ( o que, por vezes, acontece com os livros de bolso). O tamanho da fonte também é agradável. E, como acontece com os livros de bolso, é prático para transportar. Por isso, uma boa oportunidade de leitura.Se não vou falar sobre este livro em pormenor porque o referi? No site da Bertrand, a versão normal deste livro custa 16,16 euros já com desconto de 10%. Acontece, porém, que o vi com 40% de desconto na Bertrand do BragaParque. Não sei se acontece o mesmo em todas as lojas Bertrand ou se é um desconto só naquela loja específica. Seja qual for o caso, não custa conferir já que o livro ficaria quase a metade do preço.
Esta é uma excelente altura do ano para comprar livros. Já há algum tempo que há esta tendência das livrarias e das editoras em fazer promoções de livros na época de saldos. Acreditem, não se trata somente daqueles livros que são fracassos editoriais. Pode-se encontrar excelentes títulos a bom preço. E a verdade é que a minha atenção anda sempre desperta para bons preços. Claro que um livro é um bom investimento mas sabemos que neste tempo de crise alguns preços tornam-se, por vezes, proibitivos.
Já que temos estado a falar sobre Fanny Price e "Mansfield Park", devo dizer-vos que se forem ao site da Europa-América, encontram o livro a €14,59.
É um preço excelente porque quando eu comprei o meu exemplar o preço nas livrarias era de €29,90. Na altura, aproveitei uma oportunidade na Feira do Livro para comprar a €22,00. Por isso, se não tiverem o livro trata-se de um oportunidade de o adquirir.
Mas não é o único livro em promoção no site da Europa-América. Também podemos encontrar:
O que eu mais gosto no site da Bertrand é a facilidade com que podemos encontrar alguns títulos em inglês de obras inspiradas e/ou sobre Jane Austen. Alguns obras estão com um desconto aliciante. Quero destacar esta: Sense and Sensibility | Penguin Books 15,87 (preço anterior € 17, 63) Destaco esta edição de S&S pela ilustração da capa, da autoria de Audrey Niffenegger. É linda. Sigam o link e vejam.
Fnac.pt
No que diz respeito a Jane Austen, a Fnac não possui diversidade de títulos.
A semelhança da Bertrand para além da obra de Jane Austen, a Wook tem uma grande variedade de livros inspirados e/ou sobre Jane Austen. Alguns livros, tem 10% de desconto mas não encontrei nenhuma promoção significativa.
Para quem segue o JAPT e nunca leu Jane Austen esta é uma boa oportunidade de aquisição de livros da nossa escritora amada a um bom preço. Principalmente na Bertrand e na Fnac, as promoções referem-se ao site. Contudo, se forem às lojas físicas encontram outras promoções. Este fim-de-semana estive em ambas livrarias e encontrei livros a metade do preço. São boas oportunidades a não perder.
Li há uns dias um artigo muito curioso que falava da possibilidade de Fanny, para o modelo de mulher da época, representar um certo estilo feminista, ou pelo menos de emancipação da mulher. Confesso que fiquei incrédula com o título "Fanny Price, Feminist" de Vera Nazarian no site Austen Authors - mas assim que iniciei a leitura, verifiquei que concordava e para surpresa minha, terminei o artigo com a convicção que sim, para a época, Fanny teve comportamentos que, com um pouco mais de rebeldia, seriam encarados como representantes da emancipação feminina. Mas a forma suave, coerente e consciente com que os faz, retira-lhes aquele brilhantismo da recusa de Lizzie a Mr. Collins - mas Fanny faz o mesmo, recusa Mr. Crawford. E mesmo com receio do Tio, faz-lhe frente e diz "NÃO!". A Fanny que muitas vezes encontramos em alguns comentários, que fazem dela uma sombra no universo austeniano, não seria capaz de tamanho feito.
Contudo, embora tenha grande apreço por Fanny porque ela possui todas as virtudes que gostaria de ter e representa a constância que muitas vezes me falha, sinto-me inconformada com o final que Jane Austen lhe deu... um pouco à semelhança com o final que deu a Marianne Dashwood, mas que de dia para dia me parece o mais correto. Porém, com Fanny tal não acontece.
Edmund Bertram é para mim um carácter inferior, muito inferior a Fanny. Para mim Edmund representa aquela figura muito correta, aparentemente muito íntegra e com elevados padrões de retidão, mas que, colocado em face das circunstâncias da vida que lhe dão oportunidade para pôr em prática o que o intelecto lhe ordena, faz tudo ao lado! Apaixona-se cegamente por uma mulher apenas pela sua beleza, deixando para trás todas as incongruências do seu caráter. Edmund Bertram tem falhas, como todos nós. Mas Fanny não tem e isso é que a separa dos outros e para mim, merecia um herói do mesmo nível.
Nem Edmund nem Henry eram indicados. Confesso, eu quase que me converti a Henry Crawford... mas no fundo no fundo, a conquista por Fanny era apenas mais um jogo para ele, se a cativasse, ela seria um estupendo troféu e a prova de que ele conseguia o apreço de todas as mulheres que desejava.
Edmund não tem a solidez que aparenta. A sua retidão não tem bases fortes... como facilmente verificamos no seu romance com Mary Crawford. A paixão por Fanny surge no último capítulo, sem grandes especificações pela autora - talvez porque nem ela soubesse bem como o fazer - surge como uma alternativa ao ideal de mulher que ele ficcionara em Mary Crawford.
Tenho a certeza que Fanny teve um casamento feliz. Sem sombra para dúvidas. Mas, um pouco no seguimento da ideia da emancipação da mulher seguida pelo artigo acima citado, se Fanny tivesse ficado sozinha? O que teria sido dela se Edmund nunca abrisse os olhos?
Julgo que uma eterna devotada a Lady Bertram... e no geral, à família. Talvez tenha sido esta a conclusão a que Jane chegou, e juntá-la com o primo fosse o final mais feliz que se lhe podia arranjar.
A meu ver era impossível juntá-la com Henry, tal casamento estava destinado ao fracasso... um pouco à semelhança de Marianne com Willoughby. Os primeiros anos de casados seriam, eventualmente, envernizados de felicidade. a dedicação de Fanny seria, creio, inabalável... mas a dele?
Mansfield mostra-nos os perigos da educação, ou melhor, da má condução da educação... e é extremamente difícil corrigir valores base errados. Henry cresceu numa casa em que o casamento era desrespeitado continuamente, era aquele o exemplo. Mais tarde, levou uma vida boémia que lhe deu vícios e vaidades complicadas de substituir. Não digo que fosse impossível mudar... mas implicava uma profunda necessidade de alterar o carácter, uma consciência concreta dos seus erros e vícios e julgo que Henry nunca conseguiu deixar de lado a sua vaidade.
Chego então à conclusão que Jane Austen viu-se em trabalhos (quiçá!) para trazer felicidade plena à nossa heroína. Mas de uma outra coisa tenho certeza, Edmund foi a escolha de Fanny, sempre. Porém, gostava que Fanny encontrasse na sua vida um Edward Ferrars pois sempre considerei o seu carácter muito próximo do de Fanny. Que vos parece?