Este post peca por atraso. Já devia ter sido publicado há cerca de três meses, se não estou em erro. Por isso, peço sinceras desculpas à Ana Saraiva, colega e participante no "Clube de Leitura Bertrand - Jane Austen".
O enquadramento deste post situa-se no seguimento das sessões do referido Clube que têm ocorrido em Lisboa. Numa dessas sessões, foi proposto aos participantes que fizessem um pequeno texto sobre o que desejassem no âmbito da obra da nossa escritora de eleição: Miss Austen. Respondendo ao desafio, a Ana Saraiva, enviou-me um email com as suas impressões sobre o Clube. Este post é, pois, da sua autoria.
"Começo por felicitar esta iniciativa da Bertrand. Gostei bastante de participar na primeira sessão do Clube de Leitura Jane Austen e espero estar presente no próximo domingo.
Gosto imenso desta autora que continua passados duzentos anos a cativar novos leitores mas pessoalmente conheço poucas pessoas que partilhem este interesse pelo que estava na expectativa de ver como decorreria e quem participaria.
Tal como Elinor dispus-me a “observar e analisar novos amigos” * e fiquei surpreendida por verificar a disparidade de personalidades presentes. A apresentação das diferentes edições de “Sensibilidade e Bom Senso” é um detalhe que ilustra esta realidade. Edições recentes, outras antigas com capas deliciosas, quer em português ou no original. Antecipei, erradamente, que iria encontrar um grupo mais homogéneo de pessoas que partilham este gosto por também coincidirem numa certa maneira de ser ou partilharem interesses comuns.
No meu caso, nutro uma simpatia por vários aspectos da cultura britânica e, em concreto nestes romances, atrai-me o protagonismo das personagens femininas que garantem um infindável manancial de informação relativa às questões quotidianas. A partir da descrição pormenorizada de casas e jardins, poderíamos construir um cenário. A acção quase sempre decorre em ambientes intimistas hermeticamente vedados às grandes preocupações - e realidades – do mundo exterior, transmitindo uma tónica geral de serenidade e comedimento mesmo quando se vivem alguns dramas pessoais. Resumidamente são estes alguns dos aspectos que me cativam, mas pergunto-me : - O que une personalidades tão distintas nesta paixão comum? Esta questão não representa propriamente um tema para debate mas gostaria , aproveitando o facto de termos tido um diálogo tão directo na última sessão, de satisfazer a curiosidade quanto à motivação das pessoas presentes.
Quando penso em todas as razões que me levam a amar a obra de Jane Austen passo por um processo de indefinição… São tantas as razões!
Há um aspecto que me mantém cativa: o facto de que cada livro tem uma identidade própria. Quando sinto necessidade de reler algum de seus livros, direcciono o meu olhar para a prateleira onde carinhosamente guardo a sua obra e sei que determinado livro é o indicado para um estado de espírito específico. À parte o facto de Jane nos ter deixado poucos livros, alegro-me com o facto da riqueza que cada um possui. Cada herói e heroína, cada cenário, cada palavra nos remete para outra dimensão que, muitas vezes - salvo as devidas proporções - é tão semelhante ao mundo que vivemos e a algumas pessoas que nos cercam.
A particularidade de cada livro remete-nos de imediato para a protagonista de cada história. Não nos enganemos, há imensos heróis que amamos (Wentworth, Mr. Knightley, Mr. Darcy, Mr. Tilney, etc) mas a verdade é que o foco são as mulheres - a forma como elas sentem, pensam, veem o mundo e a sociedade que as cerca. Se juntarmos todas as heroínas de Jane - como fizemos na Shortstory.2 - constatamos que todas têm personalidades distintas. Acredito que em cada protagonista de cada livro há algo da própria personalidade de Jane Austen. Conseguirá o escritor descolar-se completamente de seus heróis?
Eu gosto de pensar que Fanny Price encarna a capacidade de observação e a discernimento que acredito Jane Austen possuíra. Fanny é mais uma observadora do que uma interventora. Não é ela que faz a acção de Mansfield Park ter um desenvolvimento. Todos os outros personagens fazem a história desenrolar-se, ela observa e avalia. Mas o resultado da sua observação era algo que somente a si própria pertencia, apenas partilhando pontualmente com o irmão ou com o primo Edmund. Mas
naquela casa e família a sua opinião era algo totalmente irrelevante. Imagino que se uma opinião fosse solicitação a Fanny, a sua odiosa Tia Norris exclamaria "Mas Fanny pensa sequer para poder ter opinião?". Toda a família que, apesar de não terem a mesma violenta e impiedosa postura da Tia Norris, teriam de igual forma a repugnante postura de ignorá-la.
Portanto, a clareza de pensamento e de valores da Fanny eram - dentre outras qualidades - as que me fazem ver que estas seriam qualidades que Jane Austen possuíria. É através dos olhos de Fanny que vemos toda a corrupção de valores, de sentimentos e de postura de todos os que a cercavam. É através da observação de Fanny que constatamos a hipocrisia da sociedade. Jane Austen era um excelente retratista da sua época, cada palavra e cada frase apontavam para as particularidades e defeitos de sua época.
Mansfield Park é uma obra riquíssima. Densa, lenta e silenciosa; mas profunda. Destrinça ao pormenor a ausência de valores e inconstância humana. Fanny, também ela profunda e lúcida.
Sei que Fanny é, provavelmente, a menos popular de todas as heroínas. Uma heroína mal amada. Para mim, ela é imensa, grande, paira muito acima.
Fanny Price, dedico-te o meu afecto, respeito e admiração.