Tinham feito uma pausa. Anne pretendia contar tudo, exorcizar de uma só vez aqueles fantasmas tão grandes que tanto a haviam prostrado e humilhado, mas não conseguira. As lágrimas tinham-lhe corrido em catadupa e aos soluços, só de pensar como tinha chegado ao maldito casarão e como se tinha deixado enganar tão facilmente pelo louco que era seu primo.
Então os outros tinham deixado o quarto, ficando a acompanhá-la apenas Emma e Wentworth. Ao princípio, tentavam não falar daquela situação terrível que Anne vivera, mas depois Emma já não conseguia falar de outras coisas.
- Desculpa-me querida Anne… - disse ela – mas tenho uma pergunta e não consigo deixar de a fazer, embora saiba que talvez a devesse deixar para mais tarde…
Anne engoliu em golinhos pequenos a água com açúcar que lhe haviam trazido e retomou a cor do rosto. Wentworth estava sentado na cadeira e tocava-lhe nas mãos.
- Não faz mal, Emma, eu entendo – Anne sorriu – podes perguntar, não faz mal…
Emma tomou então coragem e inquiriu:
- Como é que Mary não ficou preocupada com a tua ausência, se não chegaste a falar com ela antes de partires? E como é que as pessoas receberam cartas e bilhetes teus a falar nos preparativos para o casamento com aquele… com aquele…
Anne pousou o copo vazio nas mãos de Wentworth e respirou fundo.
- Eu nunca escrevi nada. Ele escreveu a Mary, aliás deve ter-lhe deixado logo um bilhete, na altura em que me levou, porque eu não vi, mas parece que deixou um bilhete em que eu falava em ir ter com Lady Russell para preparar o noivado. E a Lady Russell, parece que também escreveu em meu nome a contar outras mentiras, inventando relacionamentos com pessoas aparentadas com a família real. Foi o que ele disse. E também chegou a mostrar-me as cartas que escrevia em meu nome… a letra era igual… era igual à minha… - e Anne estremeceu, soltando algumas lágrimas.
Emma e Wentworth apressaram-se a acalmá-la.
- Pronto, pronto, não te inquietes mais. – disse o apaixonado.
- Ele era muito hábil – disse Anne – Parece que não é nova a sua capacidade em falsificar assinaturas e letras. Chegou a confessar-me que lhe bastava ver uma vez a escrita de alguém para a imitar com perfeição e ninguém dar por nada…
Emma e Wentworth não duvidavam que fosse possível. Então mudaram de conversa para que Anne não se inquietasse e começaram a falar do tempo e de como eram belos os jardins de Pemberley em qualquer altura do ano.
Mas a tranquilidade parecia não ser possível naquele dia. Foram interrompidos pelo som de carruagens a chegar e pelo rebuliço de vozes que falavam alto. Ao princípio não percebiam nada do que se estava a passar. As janelas do quarto onde Anne repousava, não permitiam ver fosse o que fosse do exterior, pois estavam viradas para o lado oposto da mansão e apenas mostravam vislumbres dos jardins e das estufas.
Após alguns minutos que pareceram séculos, a chegada de Darcy ao quarto azul também os sobressaltou. Mas ele já trazia novidades e eram tão impressionantes! Anne pousou a cabeça na almofada e Wentworth apertou-lhe mais as mãos, Emma recostou-se na cadeira onde estava sentada. Todos se prepararam para ouvir aquilo que, num tom muito sério, Darcy lhes comunicou.
Nas minhas vagueações pelo site da amazon (um dos meus 'passeios' favoritos) deparei-me com um livro que me despertou a atenção: "Charlotte" de Karen Aminadra, uma obra que pretende ser uma continuação de Orgulho e Preconceito, mas visando o destino de Charlotte Lucas/Collins.
Já aqui divagamos sobre quais seriam os possíveis futuros das irmãs Bennet mas nunca falámos, penso eu, sobre o de Charlotte. E isso, confesso, é um assunto em que penso muitas vezes. Sempre considerei Charlotte como uma mulher inteligente, prática, sensata e forte. E, talvez por isso, sempre me espantei com a decisão que ela tomou em casar com Mr Collins. Isto apesar de ela fundamentar muito bem a sua opção:
"I am not romantic you know. I never was. I ask only a comfortable home; and considering Mr Collins's character, connections, and situation in life, I am convinced that my chance of happiness with him is as fair, as most people can boast on entering the marriage state."
O que nos leva a concluir que Charlotte era realmente uma mulher prática e com os pés bem assentes na terra. Nos dias de hoje, Charlotte teria muito mais por onde escapar, ou dedicando-se a uma profissão que gostasse ou simplesmente levando uma vida a seu gosto. Já não é imperativo casar e ter filhos; já não necessitámos de ter um suporte masculino que nos sustente e faça de nós mulheres "honradas". Todavia, como sabemos, no século XVIII, isto era inconcebível para a sociedade em geral. E Charlotte que nunca foi considerada nenhuma beldade ou abençoada com qualquer outro atributo importante, e estando já com uma idade avançada, teve mesmo de casar com aquele que julgou mais adequado e que lhe ofereceu a possibilidade de um futuro decente.
Neste livro, no entanto, podemos ver descrito como foi a vida de Charlotte em Rosings depois do seu casamento com Mr Collins. A história conta como ela se tornou numa mulher amarga e como detesta a sua vida. Um dia, depois de ter feito compras num local não aprovado por Lady Catherine De Bourgh, vê-se subitamente ostracizada por ela e é então que se descobre livre para apreciar a vida e outras pessoas. Faz então novas amizades, incluindo nestas o Coronel Fitzwilliam que parece que lhe vai trazer alguns dissabores, e ainda com uma Miss Thomas que tem direito, nesta obra, à sua própria história com um tal de Mr Simmons. Este casal tem a sua dose de queixas relativamente a Lady Catherine pelo que a empatia deles com Charlotte é partilhada. Tem-se ainda a oportunidade de ver Elizabeth e Darcy, casados penso eu, de visita a Rosings, o que deixa lady Catherine furiosa.
Mas agora vem o melhor!
Mr Collins! Acham possível vir a gostar-se dele?! Não? Eu também não. Mas de acordo com a maioria das críticas e resenhas que li deste livro, parece que se acaba mesmo por amar tal criatura. Ele, que subitamente conhece uma nova Charlotte, começa a dar-lhe mais valor e o seu amor pela esposa cresce (ou nasce). Simultaneamente, apercebe-se do ridículo das suas acções especialmente para com a sua patrona (aleluia!) e torna-se um homem diferente.
Parece uma história que promete, realmente. E estou a considerar seriamente comprar a versão kindle na amazon. Mas um medo imenso domina-me!... Será que acabo a achar Mr Collins digno de admiração? Será que ele vai passar a substituir Mr Darcy nos meus sonhos como o protótipo do homem ideal?!...
Ao longo dos tempos, a televisão e o cinema têm nos brindado com as mais diversas adaptações das obras de Jane Austen. Menos frequentes tem sido as adaptações que colocam os personagens do universo austeniano no nosso tempo. Dada a actualidade da obra de Jane Austen, estas adaptações são mais ou menos bem sucedidas na adaptação e cabe ao espectador gostar delas ou não, consoante as liberdades que são tomadas.
As Meninas de Beverly Hills, Clueless no original, adapta Emma, colocando-a em Beverly Hills. Tendo em conta que o filme é de 1995, esta opção não é de estranhar, na altura o local era bastante conhecido por causa da série de Beverly Hills 90210.
Comecei a ver o filme sem muitas expectativas, creio que já o tinha visto na altura em que passou na televisão pela primeira vez, mas já pouco ou nada me lembrava.
Surpreendi-me esperava um argumento mais infantil e para adolescentes e que tivessem tornado a Emma, numa rapariga mais mimada do que ela é e bastante fútil. Nada disso aconteceu, certo que a Emma ou melhor a Cher é mimada, fútil q.b, mas não é irritante e o argumento está longe de ser idiota como nos últimos tempo parece ser o adágio nos filmes mais recentes para adolescentes, mas isso não surpreende já que o filme é de 1995 e nessa altura ainda havia um esforço neste campo.
O filme consegue seguir, dentro dos possíveis, o livro de Jane Austen e é a na personagem da Tai, a Harriet Smith desta versão que o argumento mais se aproxima do original.
Neste tipo de filmes é melhor o espectador ser surpreendido e por isso nada direi, apenas acrescento que vale bem os cinco euros que custa actualmente na Fnac.
Para terminar apenas chamo a vossa atenção para a foto, onde quase todos os personagens estão a falar ao telemóvel naquela altura quem tinha um telemovel era rico, hoje a riqueza distingue-se pelo tipo de coisas que o dito telemovel consegue fazer. Pessoalmente achei um pormenor delicioso e que só a passagem do tempo consegue captar.
Com a voz embargada pela comoção, rodeada por aqueles que gostavam dela, com as mãos de Wentworth nas suas, Anne foi contando a sua história.
- No dia em que cheguei a casa de minha irmã Mary, encontrei-a queixosa como sempre. Sentia-me ansiosa por te ver, meu querido Wentworth, soube que também estavam mais convidados em KellynchHall… - Anne olhou para Fanny Price que lhe sorriu.
- Nunca imaginei que sucederia o que aconteceu a seguir… – Anne continuou a sua história após uma breve pausa em que Emma a ajudou a beber um gole de água – Mary dizia que estava exausta, que precisava de se deitar um pouco antes de iniciarmos os preparativos para o jantar. Foi então que ele chegou, ele…
Anne não conseguiu evitar que as lágrimas lhe assomassem aos olhos. Elizabeth estremeceu e levou as mãos à barriga. Darcy abraçou-a.
- O meu primo Elliot, aquele indivíduo horrendo apareceu. – continuou Anne, com um suspiro – Ouvi-lhe a bengala e estranhei porque não o esperava, tínhamos conversado sobre o final do nosso noivado e ele tinha ficado calado, parecendo aceitar, embora por vezes tivesse conversas estranhas, como se continuássemos como antes. Mas ele apareceu ali, Mary tinha-se ido deitar e os criados estavam não sei onde… então ele apareceu por ali com uma conversa estranha sobre meu pai que não se sentia bem e estava ali perto… tinha uma carruagem à espera para me levar até ele, uma conversa deveras estranha…
General Tilney não conseguiu conter-se, de tal forma se sentia furioso:
- O grande safardana! – guinchou ele.
Anne suspirou e deixou cair a cabeça na almofada.
- E eu fui atrás dele. Não disse nada a Mary para não a preocupar e também porque não me ocorreu. Fiquei preocupada com meu pai e não pensei em mais nada, nem na estranheza da situação, nem em não estarem outras pessoas presentes… confiei nele e deixei-me levar. Esse foi o meu grande erro.
- Não te martirizes, meu amor… - disse meigamente Wentworth – Como poderias tu saber que era tudo mentira? Acreditaste como outras pessoas o poderiam ter feito.
- Depois ele levou-me para uma carruagem estranha, com cortinas pesadas, ajudou-me a entrar e sentou-se ao meu lado, sempre com a conversa de meu pai estar a sentir-se mal e precisar da minha presença… - Anne fez um sorriso breve – como se alguma vez meu pai se lembrasse de mim a não ser para ser a filha invisível para aceder aos seus caprichos!
Emma suspirou e os seus olhos cruzaram-se com os de Mr. Knightley, parecendo ver neles uma luminosidade nova. Sem saber muito bem porquê, Emma sentiu um arrepio de frio.
- Após algum tempo, não sei quanto, chegámos a um lugar junto ao mar – disse Anne – um palacete que mais parecia uma fortaleza… era junto ao mar, erguido no cimo dos penhascos…
- BlackThunder! – exclamou General Tilney e todos olharam para ele.
- É uma propriedade que me pertence - General Tilney sentiu necessidade de se explicar – e que há muito não visito. Mas aquele safardanas pediu-me que lho emprestasse, disse que precisava de estar só para refletir…
- A mim disse-me que era ali que estava meu pai e me esperava. – disse Anne – Disse que como sir Walter não se sentia bem, estava deitado e eu acreditei. Não vi ninguém e devia ter estranhado por isso, mas ele parecia tão preocupado como eu. Dizia constantemente que Sir Walter podia morrer a qualquer instante e que seríamos egoístas por não o acudir a tempo… não me lembrei de lhe perguntar porque não levara um médico, era tudo tão súbito e estranho e eu fui acreditando em todos os disparates que ele contava.
- Se quiseres parar, se te sentes cansada… - disse Wentworth com doçura.
- Não – disse Anne mais uma vez – vou contar tudo, como vos disse. Já me sinto muito melhor desde que estou aqui…
- A carruagem parou e saímos os dois, ele sempre com a mesma conversa. – continuou Anne – Depois a carruagem foi embora, nunca cheguei a ver o cocheiro, nada, só a conversa de meu pai já moribundo a precisar de mim. E entrámos os dois no palacete.
Enquanto muito lentamente, Anne voltava à vida, ainda atordoada, rodeada pelo seu amado e agora declarado Wentworth, e pelos amigos muito preocupados com a sua situação, em Bath, Catherine Thorpe e Henry Tilney descobriam que estavam apaixonados um pelo outro, nenhum deles fazendo ideia do que se estava a passar em Pemberley.
Com efeito, nos últimos tempos, Catherine tinha sido apoiada e acarinhada por todos aqueles que a amavam e desejavam desse modo ajudar a ultrapassar a situação da sua viuvez e das descobertas desagradáveis sobre o verdadeiro carácter do falecido John Thorpe, assim como propiciar as melhores condições para a sua recuperação. Todos sabiam como Catherine tinha ficado inconsciente durante dias e receavam que houvesse sequelas, embora nada na agora saudável e muito calma e sensata Catherine, o pudesse indiciar. Assim, após uma temporada passada com as amigas Elinor Ferrars e Marianne Brandon, Catherine visitara ainda os pais, não deixando de se maravilhar com as mudanças significativas nos irmãos e nas irmãs mais novos, que estavam cada vez mais bonitos e inteligentes! E mais uma vez, em Wiltshire, perto de Fullerton, onde moravam os Morland e os Allen, sendo estes últimos grandes protetores de Catherine, manifestaram a sua intenção de a levar para Bath, juntamente com o irmão, James Morland e a sua outra protegida, também ela grande amiga de Catherine.
Durante esse tempo, sendo apaparicada e acolhida por todos, correspondendo-se com Henry Tilney em cartas cada vez mais longas onde cada um expressava os mais profundos sentimentos, Catherine começou a sentir que se tinha agora tornado numa verdadeira heroína, não no desassossego e precipitação de tempos idos, mas de forma muito mais madura e consistente. Catherine estava agora a sentir-se muito mais crescida e amadurecida.
Em Bath, os Allen não se pouparam a esforços para a fazer mais feliz. Apesar de não ser ainda conveniente que Catherine, de acordo com as práticas sociais, se expusesse muito devido à recente viuvez, a presença do irmão mais velho e o facto de ser inverno e os convívios se fazerem mais dentro de portas, em almoços, chás e jantares em salas resguardadas e aquecidas, longe das vistas, tornaram possível um alegre convívio com Henry e Elinor Tilney que ali também estavam a passar algum tempo, longe do pai, há muito não sabendo dele.
Numa conversa, Henry até confessou:
. Nem sei o que se passa com o nosso pai, há semanas que não sabemos dele! Tem sido um alívio tão grande não ter a pressão dele constantemente à nossa volta…
- Apontando-nos possíveis casamentos de conveniência, sempre a querer saber onde vamos e quem conhecemos! – concluiu a irmã, Elinor, dando uma gargalhada, sentindo-se agora muito mais leve, sem a pressão constante do pai.
De facto, Elinor tinha-se apaixonado por um amigo do seu irmão, um autêntico cavalheiro de quem seu pai não gostava porque não reunia os requisitos económicos que tanto importavam ao severo Coronel Tilney. Mas agora, que o pai parecia ter-se esquecido deles e os deixara ali em Bath, livres de conviver com os seus amigos, Henry e Elinor sentiam-se tão felizes e libertos das amarras e ameaças que sobre eles pairavam, sempre que sentiam os planos que o pai tecia em seu nome, que a liberdade lhes sabia bem. De facto, Henry estava aliviado pela fuga de Harriet que o libertara de um compromisso tão pesado e sentia-se agora completamente feliz na companhia de Catherine e dos outros, esboçando planos de futuro, como se as sombras tenebrosas que os assombravam tivessem subitamente desaparecido.
Também James Morland se sentia feliz, esquecido já da paixão que em tempos havia sentido pela disparatada Isabella, que depois veio a ser cunhada da sua irmã! Agora havia uma esperança na sua vida na figura de uma jovem muito bela, deslumbrante e sensata, que dava os primeiros passos na sociedade em Bath, protegida pelos Allen, que requisitavam a sua companhia desde o malogrado casamento de Catherine com Thorpe. Agora finalmente podiam estar todos juntos. Catherine já a conhecia e gostava muito dela, pois era a irmã mais nova das suas grandes amigas, Elinor e Marianne. A apaixonada de James Morland era a jovem Margaret Dashwood!