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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

ShortStory2 | Parte 39

Se não fosse pelo facto do céu estar em todo o seu esplendor azul e do sol brilhar com intensidade, ninguém diria que seriam acometidos por uma tempestade. A aparição de Anne Elliot foi, de facto estarrecedora. Não nos detenhamos no facto de que Elizabeth Darcy afirmara a ausência de Anne por estar a preparar-se para o casamento com Mr. Elliot. Uma justificativa perfeitamente razoável. Assim como seria razoável uma mudança de planos. O inusitado da situação prendia-se à forma como surgiu diante de todos naquela manhã. Desgrenhada, de vestido rasgado, de mala nas mãos e a desfalecer de exaustão.

Emma que sempre tem algo a dizer, ficou estática a olhar; Elizabeth, habituada a ter presença de espírito em qualquer situação, deixou a chávena de chá cair ao chão; e, Mr. Darcy, hábil em situações constrangedoras, esgasgou-se com o sconne que estava a saborear. Georgina Darcy foi a única, dentre os presentes, que teve a lucidez necessária para lidar com a situação. Levantou-se de imediato, correu em direcção a Anne e ajudou-a a sentar-se na cadeira mais próxima. Esta logo de seguida caiu na cadeira sem sentidos.

- Rápido, Mrs. Portman! Traga-me de imediato um copo de água com açúcar e um pouco de sais para reanimar Miss Anne! Rápido! – ordenou Georgiana e, de seguida, diz ao irmão – Darcy, vá depressa buscar ajuda, meu irmão! Despache-se, precisamos de um médico! Não sabemos se Anne está ferida, vejo marcas estranhas nos seus pulsos…

- Com certeza que sim! Vou pessoalmente dar a devidas ordens para trazer o auxílio de um médico – dito isto, Mr. Darcy vira-se para Elizabeth: - Minha querida, como estás? Semelhante susto não a afectou, pois não? Posso partir tranquilo, em busca de auxílio, com a certeza de que tu e o nosso filho ficarão bem?

- Sim, meu querido. Ficarei bem! Estou decerto confusa e surpresa, mas sinto-me bem. Parta sem demora! – respondeu Elizabeth.

Mr. Darcy beijou-lhe as mãos e retirou-se com urgência. Ele estava completamente atónito com a visão da entrada de Miss Anne mas agora que recobrou da surpresa inicial estava decidido a agir com prontidão. Saiu da sala de refeições, desceu as escadas com presteza, ordenou que lhe selassem o cavalo e ele próprio foi buscar o médico. Nunca esqueceria todo o bem que a companhia de Anne Elliot fez para a mudança de disposição de sua querida e adorada Elizabeth. Desde que elas se tornaram grandes amigas houve um começo de transformação em sua esposa; e sentia, por isso, uma imensurável gratidão para com Anne Elliot. Este era o momento de o demonstrar.

Entretanto, Elizabeth e Emma já estavam ao lado de Georgiana a tentar ajudá-la.

- Elizabeth, Miss Anne não retorna a si… estou tão preocupada… Já deveria ter despertado com os sais! – disse Georgiana

- Sim, é verdade! – concorda Elizabeth – Meu Deus, que situação! O que lhe terá acontecido? Está com um aspecto tão desgastado!

- Minha querida, - começa Emma – penso que devemos procurar explicações depois e preocuparmo-nos agora com o mais importante, o bem-estar de Anne.

Emma tem um espírito prático e, portanto, sugere a Elizabeth dado a sua condição física delicada que a autorizasse a dar ordens aos criados e a fazer preparativos para acomodar Anne Elliot. Se havia talento em Emma era para a organização. Elizabeth deu-lhe liberdade para tomar as medidas necessárias e em menos de metade de uma hora, Anne Elliot foi levada para o quarto de hóspedes, o quarto azul. Retiraram-lhe as vestimentas rasgadas, refrescaram-lhe o corpo e a vestiram com uma delicada roupa de dormir.

Elizabeth ainda não consegue acreditar e levanta a questão : - O que lhe terá acontecido? Não consigo atinar numa razão plausível para esta situação…

- Quem me dera que Mr. Knightley já estivesse aqui, - refere Emma – ele saberia pensar numa forma coerente de compreender isto tudo… Eu estava convicta de que Anne estava com Wentworth. Tu disseste-me ontem exactamente o oposto, de que ela estaria quase a casar com Mr. Elliot. Não consigo, de facto, compreender esta situação…

Emma recriminava-se por não ter sido mais incisiva na sua campanha de unir Anne a Wentworth. A verdade é que desleixou-se do seu intento. Confiou demasiadamente na sua argúcia. “Como sou tola e pretensiosa! É a última vez que cometo um erro destes!” recriminou-se. Naquele  momento, a verdade seja dita, a recriminação era uma punição desnecessária e até, porque não acrescentar, egoísta. 

Um som ao longe, abafado, veio interromper os pensamentos das três mulheres reunidas no quarto azul, onde jazia desfalecida Anne Elliot. Georgiana correu até a janela e anunciou:

- Darcy está a chegar!... Mas também surge uma carruagem… esperem... são duas carruagens!

Elizabeth e Emma entreolharam-se e dirigiram-se também até a janela.

Passou-se um hora e meia desde a chegada de Anne e tudo indicava que aquele seria um longo dia.

ShortStory2 | Parte 38

De feições carregadas e uma disposição para a amargura, ele não se coibia de despender ordens; e, ser obedecido era um pressuposto que não poderia ser colocado em causa. Quando um homem é propenso a exercer o seu poder seja sobre a criadagem seja sobre a própria família, ele acaba por desenvolver uma capa dura e rígida à volta do coração. Poucas coisas o demoveriam de fazer valer a sua vontade e tudo o que supusesse ser o correcto. A correcção, neste caso, está mais relacionada com o assumir de uma suposta verdade pessoal do que propriamente com valores da moral ou do amor cristão.

Não havia dia de sol que fosse capaz de comovê-lo e não havia argumento, por muito razoável que fosse, que alterasse uma decisão que lhe partisse dos lábios. Sabia ser gentil, se isto fosse conveniente, mas regra geral não sentia qualquer necessidade de o sê-lo. Civilidade e gentileza nem sempre estão aliadas e bastava fazer o que a convenção social exigisse.

Pode-se classificar um homem com semelhantes características como alguém com nervos de aço e implacável.

Este homem encontrava-se na biblioteca de sua propriedade a organizar alguns papéis e a tratar de alguns negócios quando ouviu a sineta a ser tocada. Não se incomodou com o facto. Um homem de sua posição era procurado por várias pessoas; porque não dizer, algumas vezes era inclusive importunado. Continuou concentrado na sua tarefa até ser interrompido pelo criado que anunciou o pedido de um distinto cavalheiro que solicitava ser recebido. Tratava-se de uma pessoa cuja presença não podia recusar-se receber. Acedeu. Entretanto, o criado retorna com o visitante.

- Caro Mr. Elliot, - saudou-o – a que devo a honra de sua visita?

-Um assunto da máxima urgência para o qual preciso de seu auxílio. – informou Mr. Elliot.

- Ah sim… Bem… então, caro amigo, faça o favor de se sentar e vamos conversar. Noto-o alterado e, talvez, um pouco nervoso… - o homem indicou uma poltrona e sentou-se diante dele – Se me permite, deixe-me dar ordens à criadagem para servir-nos um cálice de Porto enquanto conversamos – enquanto falava acenou com uma sineta e, de seguida, transmitiu a ordem.

Mr. Elliot, sentado na poltrona, segurou com as duas mãos a bengala que o ajuda a caminhar. Está visivelmente ansioso e a bengala servia de apoio para sustentar também a sua aflição.

- Conhecemo-nos há muitos anos para estarmos com vãos rodeios. Caro Elliot, exponha de uma só vez, o que o aflige e como posso ajudá-lo.

- Alguém, um intruso, - começa Mr. Elliot – quer roubar-me algo que me é muito precioso… algo que eu não julgava até então que me fosse tão precioso e eu preciso de sua ajuda para resolver este problema.

- Algo de precioso? – questionou o outro homem – Como assim? Alguém invadiu alguma propriedade sua? Querem destituir-lhe de seu título?

- Não… Receio que me considere banal e fraco. Mas conhece-me há muito tempo para saber que eu não desperdiço esforços com pequenas coisas. – continua Mr. Elliot - Como sabe tenho um compromisso afirmado com a minha prima, Miss Anne Elliot, algo que procurei aceder a pensar na conveniência da união. O caro amigo sabe também da importância que é mantermos as propriedades, bens e estatuto social intacto. Apenas nisso pensei quando tudo fiz para conseguir a promessa e o compromisso de casamento. Pouco a pouco, comecei a conhecê-la melhor e posso assegurar-lhe de que não há melhor criatura em todo mundo.

Nisto levantou-se e colocou-se em frente a uma grande janela, de costas para o outro homem, a olhar para o jardim. Continuou:  – De sua boca somente saem palavras gentis e sábias, cada gesto seu é de uma delicadeza e leveza que, por vezes, custa-me acreditar que ela é filha do meu desprezível tio, Sir Elliot.

Voltou-se para o amigo, ainda em pé e apoiado na bengala.

- Posso adivinhar-lhe espanto por tal declaração. Sempre agi fria e racionalmente. Mas confio que possa vir a entender-me porque sei que também sofreu por amor no passado. Por que não poderei eu ter as duas coisas: poder e amor? E eu quero as duas coisas! Não permitirei que alguém venha depredar-me do que tenho direito!

- Mas porque diz que alguém quer depredá-lo? Possui provas de tal desconfiança? – perguntou o homem.

- Sim! Tenho! Pois a própria Miss Anne Elliot comunicou-me que não poderia mais manter o compromisso firmado porque não encarava a possibilidade de se ver unida a mim. – informou Mr. Elliot. – Mas eu pude ver… o seu olhar estava diferente… as faces com um leve rosado e a pele com um semelhante brilho que entendi de imediato que se tratava de um afecto. Somente um afecto faz uma jovem parecer ainda mais jovem e bela.

- Então trata-se de uma suspeita e não de algo confirmado?

- Tenho a confirmação da minha suspeita, sim! – exclamou Mr. Elliot – e soube-o através da pessoa que menos esperava descobrir tal informação. Foi Lady Russel quem deixou escapar a informação.

- Lady Russel… quem é Lady Russel? – perguntou o homem, um tanto incomodado, ajeitando-se na poltrona

- É uma senhora amiga da família Elliot. Ainda quando a esposa de Sir Walter era viva, ela era a melhor amiga dela. É basicamente a figura maternal na vida de Anne. E ela foi, durante muito tempo, confidente dela e sabe muito sobre o seu passado. Em uma conversa de circunstância em Bath ela revelou-me que um certo capitão da marinha tinha retornado e que andava presente no círculo social de Anne. Isto bastou para o meu instinto dizer-me que esta informação significaria algo de prejudicial para mim. Comecei a investigar e descobri que durante este verão eles andaram frequentemente nas mesmas festas e recepções. Investiguei ainda mais a fundo e descobri que eles tiveram um passado em comum. Na família Elliot ninguém encarava com seriedade este passado, nem mesmo Lady Russel. Mas, como tem ciência, eu não acredito em coincidências.

Mr. Elliot interrompeu o seu relato como se lhe custasse respirar. O homem que o ouvia não conseguia perceber se era cólera que o impedia de prosseguir ou se seria angústia. Este, de facto, não parecia ser o seu amigo de sempre. Nunca o ouvira antes falar com tanta paixão e em tão extenso discurso. Ambos eram homens de poucas palavras e de acções assertivas.

- O que pretende de mim e no que posso ajudá-lo? – questionou novamente.

- Preciso que me auxilie a reverter esta situação! – bateu a bengala com força no chão e inclinou-se – tenho, quero e vou fazer com que Anne Elliot seja minha e só minha!

O homem, recostado contra a poltrona, segurava o cálice com uma das mãos e com a outra apoiava um lado da sua cabeça. De olhos presos em seu amigo teve a certeza da sua convicção e do seu empenho. Não precisou pensar muito. Mr. Elliot era uma pessoa a quem não podia negar nada; outrora, valeu-lhe em muitos momentos menos felizes de sua vida. E, embora corresse alguma fama quanto ao carácter de Mr. Elliot, este nunca cobrou-lhe nada nem nunca exigiu nada. Consigo sempre agiu de maneira acima de qualquer suspeita.

O homem levantou-se. Relembro o leitor de que estamos a falar de um homem implacável e que não se comovia com coisas supérfluas. Tratava-se aqui, porém, de um caso excepcional. Ele próprio ainda sente na pele a dor da perda… a dor da usurpação. Sem delongas, afirmou:

- Caro Elliot, ajudá-lo-ei.

Ambos sorriram leve, quase fugidiamente, e trocaram um aperto de mãos.

Um deles ainda não sabia que há decisões que são como abismos. Noutros casos, são como libertações.

ShortStory2 | Parte 37

A festa promovida por Emma Woodhouse foi um verdadeiro sucesso. Ela própria não poderia compreender o alcance que teve. A capacidade de divertimento está directamente ligada à abertura que damos ao nosso coração. O grupo reunido por Emma tinha na sua maioria, uma grande capacidade de entrega. Um amor que recomeça, amores que surgiram, amizades que nasceram e outras que saíram fortalecidas. De facto, Emma Woodhouse não poderia supor metade do efeito que o seu baile teve. O seu ímpeto casamenteiro alcançaria o ápice de felicidade se pudesse supor que conseguiu unir Wentworth e Anne. Obviamente, seria uma excelente oportunidade de provar a Mr. Knightley o seu natural talento para promover uniões. Contudo, Emma de nada sabia e estava longe de suspeitar. Imbuída do seu papel de anfitriã teve de dar  atenção por igual a todos os convidados e se havia algo que Emma prezava era receber bem. Nada poderia falhar e tudo teria de estar impecável. Apesar da razão de ser de ter promovido o baile ser o de juntar Anne a Wentworth, isso não implica descuidar do bem-estar de todos os presentes.

Distraída por Lady Russel e, ao tentar descobrir mais sobre o passado de Anne e Frederick, Emma acabou por esquecer-se de ambos e não acompanhou a evolução ocorrida naquela noite. Não pode, contudo, evitar de ver o brilho no olhar de Frederick no dia seguinte. Estava resoluta de que algo teria que ter dado certo. Então não é de estranhar que Emma, meses depois, fosse tomada de espanto quando ouviu da boca de Elizabeth Darcy que Anne Elliot persistia no casamento com Mr. Elliot.

Mais ainda, não conseguiu conter a surpresa e o espanto diante do estado alterado com Anne surgiu diante de todos.

De facto, um baile tem mais efeitos nos convidados do que se poderia previamente julgar. Por seu turno, a tentativa de rompimento de um compromisso, há-que ser dito, poderá causar efeitos nefastos.

Anne é prova disto.

ShortStory2 | Parte 36

Um baile numa noite de verão é mais eficaz no seus resultados de que muitos conselhos sábios.

Haverá algo mais certo do que a franqueza de sentimentos e a clareza de espírito? Quando se tratam de duas pessoas destinadas uma à outra, poderão surgir muitos obstáculos e barreiras; a determinação de carácter os fará, porém, desafiar o próprio destino.

Esta é uma conclusão que Frederick e Anne aprenderam por si próprios. Durante grande parte da noite passaram a conversar como se nunca tivessem estado longe um do outro. E havia tanto a dizer! Anne ouvia embevecida as aventuras que Frederick viveu nos anos a navegar em alto-mar. Conjecturou se algum dia poderia vir a embarcar em semelhante empreendimento… seria outro sonho concretizado. Ao seu lado, Anne sentia-se capaz de qualquer coisa!

Frederick abstinha-se de avaliar a dimensão do que lhe estava a acontecer. Permitia-se apenas acompanhar o relato do descaso da família Elliot em relação a Anne e de como ela era tão generosa ao desculpá-los. Em meio a toda esta troca de relatos, Anne lembra-se de um detalhe deveras importante. Algo de que tanto ela quanto ele estavam a esquecer-se: o compromisso de Anne com Mr. Elliot!

- Vou romper o acordo! – afirmou Anne – Sei que não será fácil, não porque receie fazê-lo mas porque tenho toda a minha família desejosa de que esta união se concretize e… - acrescentou timidademente – inclusive, Lady Russel.

- Lady Russel, obviamente… - repetiu acidamente Frederick.

Anne replicou: - Meu querido, não se agaste com Lady Russel, tente perdoá-la. Ela sempre quis e sempre irá querer apenas o meu bem. Estou certa de que não irá gostar da minha decisão mas não ousará entrar em desarmonia comigo. Já a minha família, esta irá colocar todo o tipo de obstáculos mas creio que tudo se irá compor. Em última instância, custar-me-á, mas admito romper laços com a minha família se for necessário.

- De facto, poderá acontecer isto que prevê. E qual será a reacção de Mr. Elliot? – questionou Frederick.

- Bem… penso que ficará desagradado com o transtorno de um rompimento. – afirma Anne - Ele, mais do que ninguém avalia a conveniência da nossa união. Contudo, ele é um homem prático e procurará encontrar outro partido proveitoso. De facto, não penso que ele nutra por mim qualquer outro afecto para além do estatuto social do nome Elliot.

 

Custou-lhes separarem-se um do outro. “Porque não teria a noite a duração de muitos dias?”, suspirou mentalmente Wentworth. Contudo, não poderiam mais estar juntos sem chamar a atenção de todos pela ausência prolongada e a última coisa que desejaria seria comprometer a reputação de Anne, caso fosse vista sozinha na sua companhia no jardim. Despediram-se com a troca de promessas e com o firme compromisso de serem para sempre um do outro. Wentworth seguiu numa direcção e Anne noutra. Wentworth foi o primeiro a reentrar no salão do baile e encetou de imediato uma conversa em tom de voz baixo com Mr. Knightley; este último, que estava encostado a uma das portadas viradas para o jardim, foi o álibi perfeito. Quem olhasse do salão pensaria que eles sempre estiveram juntos a conversar. Alguns minutos mais tarde, Anne junta-se à festa, num lado oposto ao da localização de Wentworth.

- Miss Anne Elliot, por quem sois!! Era mesmo de si que eu precisava!! Junte-se a nós!

Anne voltou-se e encontrou Mrs. Jennings a falar animadamente com Jane Churchill sobre a sua extrema habilidade em promover uniões proveitosas e contava com detalhe e minúcia as suas histórias. Jane ouvia-a com paciência porque, apesar de não apreciar este tipo de mexerico, entendia que Mrs. Jennings realmente encarava a tarefa de juntar casais como uma missão e que fazia-o mais por bondade do que por vaidade. Anne juntou-se-lhes e ouvia sem discernir qualquer palavra dita. Estava demasiadamente leve e distraída para entender o que quer que fosse. Os seus ouvidos somente atendiam ao rufar do seu coração e a todos os eventos ocorridos anteriormente. De longe, Wentworth olhava-a e ela discretamente retribuía-lhe o olhar. Havia entre eles uma cumplicidade que, nem mesmo um salão cheio, podia abafar. Jane observava Anne por cima das palavras de Mrs. Jennings e perguntou-lhe:

- Perdoe-me Miss Elliot, sente-se bem? Parece que tem as faces enrubescidas. Estará a fazer demasiado calor aqui dentro para si?

- Oh não! Rogo-lhe que não se preocupe. Apenas sinto-me um tanto cansada. Um baile sempre exige-nos uma disposição para além do usual. – respondeu-lhe Anne.

- Entendo-a perfeitamente – diz Mrs. Jennings – Eu própria já não tenho grande resistência para bailes! Por isso, resigno-me a ver a juventude se divertir! O divertimento dos outros dá-me uma alegria desmedida! Principalmente quando vejo jovens apaixonados… Miss Anne Elliot, a sua expressão não me engana… Tenho quase a certeza de que me esconde algo… o que será…?

Anne fica constrangida e Jane olha-a atentamente; porém, mantém-se silenciosa. Mrs. Jennings volta a insistir:

-Ah, minha querida! Tenho quase a certeza de que está enamorada e de que é correspondida… só me falta descobrir quem é o felizardo! Devo informar-lhe de que sou extremamente bem sucedida em antever casais apaixonados – Mrs. Jennings dá uma gargalhada e prossegue – E como sou! Os casais Ferrars e Brandon que o confirmem.

Anne tentou dissuadi-la da sua conclusão: - Posso assegurar-lhe, minha cara senhora, de que está equivocada. Nada tenho a esconder e não estou enamorada. Apenas um pouco cansada…

A verdade é que Anne não soava convincentemente e quem poderia culpá-la? Tinha acabado de viver um dos mais importantes momentos da sua vida. Contudo, era absolutamente necessário guardar segredo até poder conversar com Mr. Elliot e ter o seu compromisso desfeito. Antes disto suceder, a cautela era imperiosa. Somente foi possível controlar o ímpeto de curiosidade de Mrs. Jennings com a presença de Jane Churchill que, pressentindo algo diferente em Anne, conseguiu distrair a insistente senhora ao questionar-lhe sobre a sua filha Charlotte. Entretanto, Mrs. Bennet veio requisitar a companhia de Mrs. Jennings, que era a única capaz de entendê-la.

Jane aproveitou a saída de Mrs. Jennings, voltou-se para Anne e disse-lhe:

-Miss Elliot, não quero parecer intrusiva nem indiscreta. Conhecemo-nos apenas hoje mas sinto quase como se nos conhecêssemos há anos. Realmente tenho de concordar que parece diferente. Parece que algo aconteceu – Anne ia interromper-lhe mas Jane continuou – Não, não se apoquente, por favor. Apenas quero dedicar-lhe a minha estima. Como lhe confidenciei antes, eu sei o que é guardar um segredo. E, de igual forma, sei o que é sofrer por causa disso. Assim, quero reforçar-lhe que pode ver em mim uma amiga. Poderá sempre contar com a minha atenção.

- A amizade realmente aparece quando menos esperamos – inicia Anne – É uma bênção poder receber estas suas palavras de afecto. Acredite-me, valorizo o seu gesto e não vou esquecê-lo. Querida Mrs. Churchill, poderá também ter em mim uma amiga. Guardo algo realmente… mas ainda não é hora de revelá-lo. Talvez venha a precisar de si mais do que pensa.

- E terá a minha ajuda! Tenha a certeza! – afirma Jane.