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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

Lydia Bennet e Maria Monforte: a fuga para a (in)felicidade

 
Julia Sawalha, Lydia na adaptação de 1995 da BBC, crédito da imagem: BBC

 

 

A fuga de Lydia poderia ter significado o desastre para o futuro das irmãs Bennet. Quem, no seu perfeito juízo, iria querer associar o seu nome a uma família que tinha uma filha que fugira?

A fuga de Maria Monforte, no livro os Maias de Eça de Queiroz, está na origem das várias tragédias da família Maia, primeiro o suicídio de Pedro e depois a relação amorosa e incestuosa dos seus filhos.

Eu sei que relacionar duas personagens de livros diferentes, escritos por pessoas diferentes e em alturas diferentes é algo difícil e muitos até estarão a pensar o que tem uma a ver com a outra, tirando o facto de terem fugido?

À primeira vista apenas a fuga, mas numa análise mais pormenorizada são bastante parecidas.

 

Lydia era a irmã mais rebelde e aquela que muitas vezes punha a família em evidência devido ao seu comportamento. Lydia adorava os seus namoricos com os oficiais. Elizabeth e Jane bem tentavam que ela visse que o seu comportamento era errado, mas Lydia fazia ouvidos de mercador. E como se isto não bastasse ainda fazia de Kitty a sua seguidora fiel.

Em Brighton, sem a vigilância dos pais e das irmãs mais velhas ela acaba por encontrar mais liberdade e fazer o impensável. Lydia mais tarde parece não entender que o fez era errado e podia ter prejudicado para sempre a sua família.

 

 

 

Simone Spoladore, Maria Monforte na série da TV Globo, crédito da imagem: Canal Viva

 

 

Já Maria Monforte foge depois de estar casada. O seu casamento com Pedro da Maia foi rejeitado pelo pai deste e levou a um corte de relações entre pai e filho. A rejeição de Maria provinha do facto do pai ser um antigo comerciante de escravos. No entanto julgo que o problema surgiu porque os Monforte pertenciam ao grupo dos novos ricos, que sempre se viram rejeitados por aqueles que tinham herdado o dinheiro e não enriquecido.

Maria vivia lendo livros românticos, não era muito diferente de Lydia pois era também excessiva, tinha comportamentos exuberantes e era ainda um tanto ou quanto excêntrica.

Qualquer mulher aflige-se pelo marido que feriu um homem desconhecido, embora o ferimento fosse ligeiro, mas ela sente-se mais perturbada pela ideia do belo italiano Tancredo a dormir tão perto de si. Como tantas outras mulheres também ela teria ideias românticas sobre o casamento que acabaram por não se realizar e talvez tenha visto em Tancredo essa possibilidade, daí ao adultério e posterior fuga foi um passo.

O resto já todos sabem Tancredo acaba morto num duelo alguns anos depois, o pai Monforte morre e pouco ou nada deixa para a filha, aí Maria sem grandes hipóteses de sobreviver lança-se numa existência de Dama das Camélias. Já antes da fuga existem no livro alusões a estas flores, Pedro oferece camélias a Maria nos tempos em que lhe faz a corte, Maria usa-as nos vestidos tal como A Dama das Camélias, tudo pistas para o que viria a seguir como Eça parece gostar de fazer.

 

É aqui que entra novamente Lydia e a minha ideia das parecenças e destinos semelhantes entre estas duas personagens.

No fim do livro Jane é muito clara sobre o futuro de Lydia, creio mesmo que é das personagens cujo fim é o mais claro. O casal Wickam continuou a gastar para além das suas possibilidades, procurando constantemente situações mais baratas. Darcy ajuda Wickam na carreira, mas nunca o recebe em Pemberley, Elizabeth e Jane ajudam o casal dando-lhes auxílio económico. Contudo o ponto mais importante é aquele em que diz que pouco depois do casamento o sentimento entre ambos deixa de existir, algo que não surpreende o leitor mais atento.

Lydia vira na fuga uma aventura, a excitação da qual tanto gostava, a possibilidade de dar uma boa risada e claro algum sentimento havia para se deixar ir. No fim termina casada com um homem sem carácter que nem sequer a amava. Eu ponho-me a pensar na Maria Monforte e na sua fuga. Se aparecesse a Lydia um Tancredo, uma nova promessa de aventura, excitação e amor, não seria ela capaz de fugir novamente? E por fim quando tudo caísse por terra e ela percebesse a gravidade da sua situação talvez entende-se que devia ter ouvido os outros.

 

Apesar de existirem em diferentes livros e tempos, estas duas mulheres são parecidas e os seus destinos não são mais semelhantes porque Maria não teve a sorte de encontrar em Tancredo um homem que fosse bom marido e não andasse em duelos e a perder dinheiro no jogo. Lydia teve a sorte de Darcy intervir pelo seu amor à irmã, porque se assim não fosse ela acabaria numa situação difícil, duvido que Wickam se não fosse aliciado pelo dinheiro casasse com ela. Lydia possivelmente acabaria numa existência de Dama das Camélias.