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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

Shortstory 2 - Parte 4

‘Miss’ Anne Elliot  podia até ser bonita, não fosse o semblante triste e apagado que exibia num rosto terno e sempre disponível para os outros. Naquela tarde, em Bath, passeava sozinha junto ao rio, antecipando uma noite que o seu temperamento dócil evitava imaginar enfadonha. Ia jantar com os Darcy e os Elton, acompanhada do seu noivo, William Elliot, do seu pai, Sir Walter, da sua irmã Elizabeth e ainda de Mrs Clay. Aos vinte e sete anos, Anne estava finalmente noiva e, no entanto, não se sentia nem um pouco feliz e nem um pouco entusiasmada com o casamento e os seus preparativos.

 

À medida que percorria a beira do rio, tentando evitar que os salpicos da água a molhassem, Anne deixava que os seus pensamentos voassem livres e, numa rara ocasião permitida a si mesma, sentiu pena de si própria, da sua tristeza, do desamparo e da situação sem saída em que se deixara envolver. Não amava o noivo apesar de ter havido uma altura em que julgara possível desenvolver algum tipo de afecto por Mr Elliot. Mas isso fora apenas até descobrir o seu verdadeiro carácter. No entanto, e mais uma vez, a família e os direitos sucessórios, levaram a sua avante e ela fora quase imperceptivelmente levada a aceitar o pedido de casamento do primo. E mais uma vez magoara o verdadeiro alvo dos seus afectos, o homem que amava desde os dezanove anos de idade.

 

Envolta nestes pensamentos dolorosos, o seu olhar deixou de alternar entre o chão que percorria e a água revolta do rio e pousou numa mulher que vinha na sua direcção, caminhando muito lentamente em sentido contrário ao seu e tão perdida em pensamentos como ela própria estivera até segundos atrás. Era uma mulher bonita, de feições tranquilas. No entanto, assim que os seus olhos se encontraram com os dela, notou-lhe a mais poderosa angústia que alguma vez vira. Ao cruzarem-se uma com a outra, ela sorriu-lhe quase debilmente em jeito de cumprimento e Anne, sempre afável, retribuiu-lhe.

 

- O seu vestido está todo molhado! – disse a outra – Assim como o meu, presumo – acrescentou parando e olhando para os seus pés.

 

Anne estacou também e sorriu com simpatia.

 

- O ar fresco faz bem. E um vestido é só um vestido e pode ser seco ou lavado mais tarde.

 

A outra mulher observou-a com interesse, mas a tristeza nunca abandonou os seus olhos.

 

- Se eu lhe pedisse para a acompanhar no seu passeio, seria incómodo para si? – questionou.

 

- De maneira nenhuma – Anne respondeu – Terei todo o prazer em acompanhá-la.

 

- Obrigada. É muito gentil. Só espero que o meu marido não estranhe que eu volte para trás. Está ali ao fundo, sentado à minha espera. Disse-lhe que queria caminhar sozinha – e com um olhar cúmplice acrescentou -  Por muito que os adoremos, às vezes é bom estar só com os nossos pensamentos.

 

- Nisso não posso concordar consigo, minha senhora, dado que não sou casada – disse Anne com um meio sorriso, tentando adivinhar se aquele pensamento a deixava triste ou apenas indiferente.

 

- Não acredito. É uma mulher bonita e com um trato  tão  afável.

 

- Estou em vias de me casar – informou com o mesmo meio sorriso e desviando o olhar para o rio. Parecia quase como se fosse chorar.

 

A outra ficou em silêncio. Notara a confusão nas palavras e na reacção da sua companheira de passeio.

 

- Que disparate o meu – disse de repente mais para desanuviar o ambiente – Não me apresentei. Chamo-me Elizabeth Darcy!

 

- Oh, perdão! A falta também é minha, senhora – Anne parou e fez uma ligeira vénia com a cabeça – Anne Elliot. Parece que nos íamos conhecer de qualquer das formas.

 

- Perdão? – disse Elizabeth.

 

- No jantar, logo à noite. Com os Elton. Sou filha de Sir Walter Elliot de Kellynch no Somersetshire – informou.

 

Desta vez foi Elizabeth quem pareceu confusa. Era verdade que andava completamente alheada dos compromissos sociais do marido e dos seus. Parecera-lhe ouvir algo sobre os Elliot, sim, mas não valorizara de tão envolvida na sua dor e no seu mundo que incluía quase somente recordações do seu adorado e abençoado Edward.

 

- Ah, sim, claro – emendou – Que coincidência feliz.

 

- Realmente, Mrs Darcy!

 

- Por favor, trate-me por Elizabeth… ou Lizzy. Afinal, somos quase da mesma idade.

 

- Então deve tratar-me por Anne. Terei todo o gosto.

 

Elizabeth parou e tomou as mãos da nova amiga nas suas. Parecia quase feliz. Duma forma que nem Mr Darcy nem alguém das suas relações próximas  presenciava desde há algum tempo. Desde a terrível tragédia.

 

- Seremos amigas, Anne. Tenho a certeza. Boas amigas!

 

- Acredito que sim… Lizzy. É muito gentil.