Mirandês - Introdução minimíssima
A partir de amanhã, dar-se-à início, neste blog, à publicação de Pride and Prejudice em mirandês. Aceitei o desafio que me foi feito pela Paula, esperando estar à altura deste entusiástico grupo austeniano, a quem agradeço a forma calorosa como me acolheu. Jane Austen em mirandês poderá ser algo considerado improvável, mas estou certo que todos sairemos a ganhar, sobretudo o mirandês. Para quem nada saiba da lhéngua mirandesa, a seguir deixo umas palavras de introdução, a que chamei minimíssima. Tentarei publicar, pelo menos, a tradução de um capítulo por mês, aguardando críticas que me permitam sempre fazer melhor.
A língua mirandesa pertence à família de línguas astur-leonesas e, como elas, é filha do latim. Constitui-se a partir de um dos romances que se desenvolvem sobre os escombros do império romano e vai ganhando características próprias a partir da sua integração no reino de Portugal, pois já nessa altura se falava como língua principal da corte e do reino de Leão. O contacto com o português e o castelhano influenciaram-na, mas as suas características de língua astur-leonesa mantiveram-se até aos nossos dias, atravessando séculos e sobrevivendo ao permanente ataque que usa como arma o descrédito, a vergonha, a humilhação, um feito que é um autêntico milagre cultural. A sua forte estrutura como língua, a situação de diglossia dos seus falantes, sobretudo a partir do século XV-XVI e, em especial, o facto de se integrar num amplo espaço de falantes com boas relações sociais e económicas, ignorando as fronteiras políticas, eis as principais razões que permitiram a sobrevivência da língua mirandesa. Hoje é uma língua falada na ponta mais Nordeste de Portugal, no distrito de Bragança, junto às Províncias de Zamora e Salamanca, numa área de pouco mais de 500 km2, e contando com uns 7 000 falantes, aí consideradas também algumas comunidades que residem nas maiores cidades de Portugal e no estrangeiro. Desde 1999 é uma língua reconhecida oficialmente pelo Estado Português, através da lei n.º 7/99, de 21 de Janeiro, e é ensinada nas escolas públicas de Miranda do Douro desde a pré-primária até ao 12.º ano, sendo dados cursos por várias instituições, em especial a Associaçon de Lhéngua Mirandesa, na região de Lisboa. Sendo uma língua de tradição oral, apenas se lhe conhecem escritos modernos desde 1882, depois de ‘descoberta’ e estudada por José Leite de Vasconcelos, escrevendo-se hoje de acordo com a Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa, publicada em 1999. A forte presença da língua leonesa, até à Idade Média, na maior parte do actual distrito de Bragança é responsável por uma grande quantidade de leonesismos no português falado nessa parte de Trás-os-Montes, o que ainda hoje lhe dá um ar de família próxima em relação ao mirandês.