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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

As mulheres e o trabalho no tempo de Jane Austen

Fonte: Reescrever-tuas-letras

 

Uma das cenas que mais gosto na obra de Jane Austen, é aquela em que Elinore Edwar Ferras falam sobre profissões. Enquanto ele se queixa que a mãe o pressiona para abraçar um mester que o destaque, por exemplo na política, ela chama a atenção para uma questão bem mais importante e abrangente: o facto de às mulheres da sua classe social lhes estar vetado o acesso a uma profissão. Também Anne, no conhecido diálogo que desenvolve com o Capitão Harville, se refere ao facto dos homens esquecerem mais depressa os desaires de amor porque têm outros horizontes profissionais que os “distraem”, pelo que as mulheres permanecem confinadas ao lar e à vida doméstica, o que lhes dá mais azo à meditação.

 

Jane Austen parece exprimir, através destas personagens, uma reflexão acerca do papel feminino no mundo do trabalho. É certo que nas classes sociais mais desfavorecidas, os trabalhos rurais e as funções serviçais eram áreas onde as mulheres laboravam, tal como os homens, embora seja quase certo que não tivessem o mesmo nível de pagamento, pois ainda hoje em certos contextos é comum os desfasamento salarial por género. Todavia, em classes sociais mais elevadas, a função da mulher cingia-se a casar, ter filhos e gerir o lar.

 

Com base no que se conhece da sua biografia, creio que Jane por um lado se sentia pressionada a casar e a seguir os preceitos sociais considerados adequados para a época, mas por outro acredito que gostasse da sua liberdade como escritora “profissional”. É certo que publicou pouco em vida; do que publicou parcos foram os rendimentos sobre o valor real da sua obra; além disso não tinha uma formalização da sua actividade, por exemplo através de contratos prévios com editoras. Mas publicou e daí tirou dividendos, trabalhando de forma autónoma como “freelancer”. Neste sentido Jane foi pioneira na arte da escrita e da publicação, abrindo portas e servindo de inspiração a muitos e muitas escritoras contemporâneas, com o exemplo de como uma mulher da sua época podia realizar trabalhos de âmbito intelectual, tão associados que estavam ao universo masculino.

Intemporalidade

 

Ao ler as diversas obras de Jane Austen, não é difícil perceber vários elementos retratados que coincidem com comportamentos nossos contemporâneos.

Talvez seja um traço coincidente em vários bons escritores. Talvez seja essa capacidade que os torna tão capazes de criar uma teia social atractiva nas suas histórias. Talvez possamos até considerar que os comportamentos sociais e as personalidades humanas não mudam assim tanto com a mudança de espaço ou tempo. Isso levar-nos-ia a uma discussão um tanto filosófica.

A característica social que eu quero referir neste post é a importância dada às primeiras impressões.

No século XXI é muito fácil cair na teia das primeiras impressões. A maior parte das pessoas (para não dizer que são todas, por mais que custe a aceitar) tem uma tendência natural para julgar o outro assim que o conhece. É bonito/feio, simpático/antipático e por aí a fora.

Jane Austen retrata tudo isto na maior parte dos seus livros. Qualquer leitor assíduo já se terá lembrado de vários exemplos, provavelmente, provenientes de Orgulho e Preconceito.

Aquela que é considerada por muitos como a obra-prima da escritora, faz das primeiras impressões e das aparências dois dos temas centrais (de tal forma que O&P teve como primeiro título ‘First Impressions’).

Através de Elizabeth o leitor é levado a adorar as simpatias do interessante Wickham e a detestar o orgulho desmesurado de Darcy. Escusado será repetir o final desta história.

Mas, por todas as obras de Austen encontramos situações em que determinadas personagens divertem-se a julgar e criticar outras baseando-se na sua posição social, conforto financeiro, beleza, história pessoal (geralmente baseando-se em relatos poucos fiáveis), etc.

Jane Austen escrevia sobre a sociedade do seu tempo, portanto, não é um erro considerar que as pessoas se comportavam de forma semelhante às personagens dos livros que ela escrevia.

Sendo assim, a intemporalidade é apenas mais uma das grandes qualidades literárias de Jane Austen.

Quase Uma Outra Irmã

 

Retrato de Fanny Knight por Cassandra Austen

 

Fanny Knight foi a primeira sobrinha de Jane Austen. Nascida em 1793, quando a tia tinha apenas dezassete anos. Fanny Knight foi a primeira filha de Edward (Austen) Knight, irmão de Jane Austen. A tia descreveu-a uma vez como sendo uma “quase-irmã”, podemos presumir daí uma forte amizade, cumplicidade e intimidade. Ésabido que Jane tinha uma forte preferência por esta sobrinha, assim como tinha por Anna, filha de um seu outro irmão. Isto revela-se pois algumas peças da Juvenilia dela foram dedicadas à sobrinha.

 

A relação entre tia e sobrinha é retratada no filme “Miss Austen Regrets” de 2008, baseado nas cartas trocadas entre ambas no período 1814-1817, além de outras fontes, claro.

 

Todavia, esta aparente excelente relação vem, mais tarde, pelas próprias mãos de Fanny, mostrar-se menos sólida, quando Fanny descreve a tia, numa carta de 1869 para a sua irmã Marianne: “Jane não era tão refinada quanto poderia ter sido ou como seria de esperar pelo seu talento... Os Austen não eram ricos e as suas relações não eram de elevado estatuto social, eram mediocres e eles, embora intelectual e culturalmente superiores, estavam ao mesmo nível no que a sofisticação e elegância diz respeito... A tia Jane era inteligente e colocava de parte todos os possíveis sinais de vulgaridade e impunha a si própria mais refinamento... Ambas as tias foram educadas na maior ignorância sobre o que era o mundo e as suas maneiras (refiro-me à moda, etc), e não fosse o casamento do papá, que as trouxe para Kent, elas estariam muito longe de representar socialmente uma boa companhia, embora inteligentes e agradáveis por si.”


A mãe de Fanny morreu quando esta tinha apenas 15 anos, deixando a seu cargo (como filha mais velha) dez irmãos mais novos e uma casa para administrar.

Durante a sua infância e juventude, Fanny foi muito próxima da tia, de quem fez confidente. Órfã de mãe, recorria muito à tia para pedir conselhos sobre a sua vida amorosa, perguntando-lhe sobre se devia ou não aceitar ou recusar uma corte. A 18 de Julho de 1817, escreveu no seu diário “a morte da minha querida Tia Jane”. Marianne Knight, uma das irmãs mais novas de Fanny, lembra “que quando a tia Jane nos visitava, trazia sempre consigo o manuscrito do romance que estava a escrever na altura e ela e a minha irmã, fechavam-se num dos quartos e liam alto”. Outro parente comenta que “embora esta sobrinha (Fanny) nunca tenha demonstrado qualquer habilidade literária, a tia sempre teve em conta a sua opinião para cada novo livro”.

 

Depois da morte de Cassandra em 1845, todas as cartas de Jane Austen, passaram para Fanny, assim como o manuscrito do ainda não publicado Lady Susan. Isto reflete a esperança que Jane depositava na sobrinha que, nesta altura, pareceu isensível ao legado. Fanny planeava passar o legado para a filha Louisa (que acabou por morrer antes dela), precavendo-a para que não os mostrasse indiscriminadamente e para que destruisse os que achasse melhor. Acabou por ser um dos seus filhos a publicar a primeira edição da colectânea de Cartas de Jane Austen.

 

Fanny viria, já depois da morte da tia, a casar-se com o Baronete Sir Edward Knatchbull (para ele, um casamento de segundas núpcias), tornando-se na Lady Knatchbull, tornando-se mãe de cinco afilhados e mãe biológica de nove crianças – uma grande família, portanto! Grande parte dos afilhados e cinco dos seus filhos morreram antes dela. Viveu até aos 89 anos com uma boa situação.