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Jane Austen Portugal

O Blogue de Portugal dedicado à Escritora

A Herança em Orgulho e Preconceito

 

Este texto tem como base o Artigo de Luanne Bethke, “Land, Law and Love”.

 

Para além de outras razões, Mrs. Bennet procura a todo o custo casar “bem” as filhas porque, caso Mr. Bennet morra, elas ficarão destituídas da sua casa e totalmente dependentes de familiares e aí, não haveria Darcys que lhes valessem.

Aos nossos olhos, mesmo tratando-se de um ordenamento jurídico diferente, não faz sentido que as Misses Bennet não tivessem direito a ser herdeiras, aliás, não nos entra na cabeça como é que a viúva, Mrs. Bennet, não é a principal herdeira em caso de morte do marido. Pois bem, a verdade, é que no tempo de Jane Austen, as mulheres estavam muito limitadas no que toca às heranças.

 

“No tempo de Jane Austen, embora as mulheres pudessem herdar, possuiam várias limitações no que tocava a dispor dos seus direitos de propriedade ou de fazer contratos. Isto era totalmente apliclável às mulheres casadas. Quanto às solteiras, quando atingissem a maioridade” (na altura 21 anos) “pareciam ter direitos equivalentes aos homens no que tocava aos direito de propriedade”, porém parecia haver uma lacuna legal pois essa equivalência não era referida, talvez porque se entendia que “todas as mulheres, aos olhos da lei, são casadas ou em vias de ser casadas”. No que respeita às mulheres casadas, elas não podiam dispor do seu próprio direito de propriedade, porque se presumia que tais direitos estariam sob a alçada do marido” pois entendia-se que marido e mulher configuravam uma só figura para o direito, sendo o homem o porta-voz das tomadas de decisão. Da nossa perspectiva actual, tudo isto parece quase blasfémia, mas na História temos de nos saber colocar naquele tempo para podermos compreender as suas linhas de pensamento – o que não nos impede de criticar tais valores.

 

Para entrar um pouco mais na nossa questão, é necessário perceber qual o regime sucessório que vigorava – Sistema de Primogenitura.

Neste sistema, “o filho mais velho (primogénito) herdava toda a propriedade, se não sobrevivesse para herdar, secundava-o o próximo filho na linhagem,e  por aí fora”. Esta questão faz-me lembrar a situação da doença de Tom Bertram em Mansfield Park e em como Mary Crawford estava morbidamente exuberante por ver cair a fortuna nas mãos de Edmund, com quem esperava vir a casar. Prosseguindo, “a racionalidade deste sistema advinha do facto de, mantendo a parcela de propriedade intacta, recebiam-se mais impostos e mantinha-se o elevado grau de prestígio do nome da família. Daí que fosse mais proveitoso passá-la por inteiro para o filho mais velho do que dividi-la de forma a distribui-la por todos os filhos.

 

Todavia, os filhos mais novos podiam herdar dinheiro, embora lhes fosse vedado o acesso à herança de propriedades, e é por isso que geralmente seguiam a vida militar ou clerical em busca de uma rapariga detentora de uma grande herança. (...) As filhas, por sua vez, não podiam herdar coisa alguma enquanto houvesse filhos-homens na família. Nessa situação, as filhas seriam tratadas como uma unidade e herdariam a propriedade em conjunto, pois considerava-se que, havendo apenas filhas, era mais vantajoso dividir a propriedade de forma a garantir que cada uma ficasse com uma soma razoável (dote) que lhes permitisse celebrar melhores casamentos .”

 

Contudo, a situação em Orgulho e Preconceito não é exatamente esta, pois caso fosse, Mrs. Bennet não precisava de ter tanta urgência em casar a prole, uma vez que, com a morte do pai, as Misses Bennet seriam as herdeiras de facto. O que acontece é que, em O&P, a propriedade dos Bennet, Longbourn, é uma propriedade em fideicomisso. Isto significa que Mr Bennet não era detentor pleno da terra, isto é, a propriedade foi-lhe deixada sob certas regras definidas pelo concessor/doador, e neste caso, a herança da propriedade foi limitada à linha masculina. Lembro que esta situação é semelhante à que ocorre em Sensibilidade e Bom Senso.

 

“A razão para vincular a herança aos herdeiros homens, à parte da questão sexual discriminatória própria daquela época, era também a de proteger as mulheres de ‘caça-fortunas’ como Wickham, uma vez que as propriedades de uma mulher eram geridas ou pelo pai, enquanto solteira, ou pelo marido, quando casada. Apesar de tudo o que foi dito,  uma mulher podia herdar propriedades e dispor delas livremente e com plenos poderes, embora fosse bastante raro e só em situações de famílias ricas sem filhos homens onde se desejessasse beneficiar a filha com um avultoso dote.”

 

Analisando agora especificamente a herança dos Bennet. Como disse atrás, Mr. Bennet possuia uma propriedade sob o regime de uma doação estrita (fideicomisso) que limitava as heranças à linha masculina. “Caso os Bennet tivessem tido um filho, este poderia herdar a propriedade, mas só e apenas depois da morte do pai.” Mr. Collins, neste caso, o herdeiro, não poderia, igualmente, fazer nada quanto à herança enquanto Mr. Bennet fosse vivo, pois embora fosse o herdeiro presumido, legalmente ainda não estava investido dos poderes daí inerentes e por isso, só depois da morte de Mr. Bennet poderia tomar Longbourn, conquanto Mr. Bennet não tivesse um filho enquanto vivesse e isso destruía toda a legitimidade sucessória de Mr. Collins.

 

“Suponhamos que os Bennet tinham um filho, mas que tal filho não viveu o suficiente para atingir a maioridade. O interesse do filho ser-lhe-ia investido aquando do nascimento e por isso, passado para os seus herdeiros masculinos. Se ele morresse antes de produzir descendência masculina, os Bennet voltariam de onde tinham começado. Contudo, se ele tivesse um filho antes de morrer, tal filho – neto de Mr. Bennet – seria o herdeiro do interesse da herança.

 

Suponhamos ainda que os Bennet tinham tido um filho e que Mr. Bennet morria antes de ele atingir a maioridade, o resultado dependeria do facto de estar próximo ou longe da idade da maioridade. Se estivesse próximo dos 21 anos e fosse responsável, seria feito administrador/mandatário até à maioridade, altura em que teria plena capacidade. Se fosse ainda muito novo, o tribunal teria de nomear um administrador ou mandatário para gerir os seus interesses até que atingisse a maioridade. “

Espero ter ajudado a perceber a questão, pelo menos mais do que a complicá-la!