Lost in Austen #18
Eram quase dez horas da noite e Júlia ajudava a Tia Augusta a deitar-se quando um barulho fora da casa lhes chamou a atenção. Era o motor de um carro que cessou o seu rufar logo que elas apuraram o ouvido.
- Quem será a esta hora da noite? - questionou a Tia Augusta na sua voz débil e arrastada, já coberta com o seu cobertor favorito que cheirava a lavanda e a lavado.
- Vou ver, Tia Augusta - disse Júlia, apagando a luz do candeeiro - Durma que deve estar cansada. ("Da Dona Rata", pensou divertida).
- Tem cuidado - balbuciou a velha senhora antes de se aconchegar para dormir - A esta hora pode ser qualquer um.
Júlia sorriu enquanto encostava a porta do quarto da tia, sabendo que esta provavelmente já dormia. A medicação punha-a logo no conforto do sono.
Desceu a escadaria, algo apreensiva, não porque tivesse medo mas porque pensou reconhecer o barulho do motor do carro; caro, topo de gama. Só podia ser ele.
Não se enganou. Quando abriu ligeiramente a porta da frente para descobrir de quem era a sombra que aguardava lá fora, ele espreitou e sorriu forçadamente, as sobrancelhas levantadas como que para surpreendê-la.
- Boa noite, minha querida Júlia - disse com voz falsamente melosa - Vim terminar a nossa conversa. Ontem não tivemos oportunidade de falar dado que estava com visitas.
Ela abriu mais a porta sem, no entanto, lhe dar espaço para entrar.
- Não vejo que mais tenhamos para falar - argumentou defensiva - Além disso, isto não são horas para visitas desse género.
- Desse género!?... - Surpreendeu-se Eduardo - Ora, cara Júlia, quem a ouvir, vai pensar outras coisas bem mais maliciosas acerca de nós os dois. Vá lá, seja simpática e deixe-me entrar.
Ela afastou-se hesitante e deixou-o finalmente entrar. Não tinha outra solução. Sabia que não tinha. Aquele homem era maquiavélico e perigoso e ela não queria mais problemas com ele; tão pouco ver o seu lado zangado ou violento. E, tendo em conta que se encontrava praticamente sozinha naquele imenso casarão, não teve outra alternativa.
- Obrigado - agradeceu ele, dirigindo-se imediatamente para a sala de estar. Ali chegado, recostou-se de imediato na melhor poltrona que encontrou, cruzou as pernas e preparou-se para acender um cigarro.
- Agradecia-lhe que não fumasse dentro desta casa - disse Júlia tentando soar altiva.
Eduardo parou os seus movimentos, sorriu sarcasticamente e guardou a cigarreira novamente no bolso do casaco de corte elegante e caro.
- Muito bem - disse calmamente - Pensou na minha proposta?
Júlia olhou-o. Já o conhecia como sendo um homem que ia directo ao assunto, que não se refugiava em subterfúgios nem em divagações para chegar ao que pretendia.
- Deixou-me pouco para pensar...
Ele riu.
- Lamento, mas já não disponho de muito tempo. E não gosto de florear as questões. As coisas são como são.
- Ou como o senhor as quer...
Ele riu novamente.
- Exacto. Como eu as quero. E como eu as vou ter... - acrescentou, desta vez sério e com os olhos levemente ameaçadores.
Quando Eduardo foi embora, Júlia subiu ao seu quarto e, mesmo sem se despir, atirou-se para a sua cama e, pela primeira vez em dias, expressou livremente a sua frustração e a sua impotência perante a situação. Chorou até que o sono finalmente lhe roubou o desespero e sabendo que não tinha como fugir daquela situação.