Não posso deixar de referir "Orgulho e Preconceito" cuja história de amor admiro e releio vezes sem conta.
No entanto, é a obra "Persuasão" que me seduz mais. A espera, o amor que perdura, o reencontro passados oito anos.
Persuasão trata uma bonita história de amor, de trama simples e bem elaborada, e mostra o estilo de narrativa irónica de Jane Austen. Além disso, é original, pelo facto, de ser uma das poucas histórias da escritora que não apresenta a heroína em plena juventude. O romance também é uma homenagem ao homem de iniciativa, através do personagem do captain Frederick Wentworth, homem de origem humilde que alcança influência e riqueza pela força de seus méritos e não através de herança.
Heroína favorita - Existem duas heroínas que gosto bastante: Anne Elliot e Elizabeth Bennet. Por razões diferentes. A primeira é madura e sensível. É constante nos seus sentimentos e tem capacidade de discernimento: consegue ver para além da sua condição social. O facto de ter abdicado do seu amor e manter-se fiel a ele sabendo que poderia nunca mais ter a possibilidade de o reviver, deixa-nos com a certeza da verticalidade desta mulher. Já a segunda, é uma mulher perspicaz, de espírito crítico e independente a que não é possível ficar indiferente. Segura de si mesma e das suas convicções, transmite segurança até ao momento em que se apercebe que o mundo é bem mais traiçoeiro do que pensava. Este reconhecimento da sua fragilidade e o seu crescimento através dele, fá-la ser uma das minhas personagens favoritas.
Heroína menos preferida - Ema! Ela representa tudo o que menos aprecio. Se não fosse Mr. Knightley ela não mudaria. Para Ema as pessoas existem para satisfazer os seus caprichos. São fantoches vivos. A forma como ela manipula Harriet é irritante e a forma como ela despreza os que a apreciam é imperdoável. A sua caridade forçada, artificial e manipuladora também não abona a seu favor. Para mim é uma pessoa fútil, preconceituosa e mimada. Vejo-a como uma menina rica que não vê mais do que o seu status social e os seus interesses.
Herói favorito - Entre Mr. Darcy e Mr. Knightley a escolha é difícil. Ambos possuem características que me agradam. Mr. Darcy tem, por detrás de toda a arrogância que lhe serve de escudo protector, um coração generoso. É amigo do seu amigo. Verdadeiramente. É um irmão dedicado e é um homem verdadeiramente apaixonado e lutador. Mr. Knightley é um verdadeiro gentleman. É um amigo sincero e é um homem preocupado com todos aqueles que o rodeiam, desde o simples empregado iletrado ao mais ilustre cidadão da região. É um homem com carácter, com iteligência e com coração.
Herói menos preferido - Aqui não existem dúvidas: Edmund Bertram! Trata-se do mais frágil e imcompreensível personagem masculino do universo austeniano. Não gostei da sua falta de solidez e da sua pouca perspicácia ao lidar com Maria Crawford e com Fanny Price. Faltou-lhe isso para ser perdoado pela sua insensibilidade em relação a Fanny em todos os momentos em que lhe falava de Maria.
Obra favorita - Persuasão. Esta foi a obra que mais me agradou em tudo. Gostei da personagem principal pela sua maturidade, constância, altruismo e verticalidade. Toda a obra respira maturidade e sensatez. E estas são características que aprecio bastante. Para além disso, pesa, também, o facto de se tratar de um amor que, não obstante todos os obstáculos, se mantém firme ao longo dos anos em terrenos incertos. Se, nos dias de hoje, existissem uma Anne e um capitão Wentworth, teriam eles mantido o seu afecto um pelo outro? Talvez... Ademais, esta é a obra que marca a diferença em termos de caracterização das personagens e de escrita. É nesta obra que podemos ter uma noção do rumo que Jane Austen daria aos seus textos caso tivesse vivido mais anos.
Obra menos favorita - De tudo o que li de Jane Austen só não gostei de Amor e Amizade. Mas, a escolher de entre as obras tratadas, nestes últimos meses, neste blogue, elejo a Abadia de Northanger por se tratar, quanto a mim, de um ensaio. Como ainda não se trata de um romance acabado, somente por isso, a indico como menos preferida.
"I might as well inquire," replied she, "why with so evident a desire of offending and insulting me, you chose to tell me that you liked me against your will, against your reason, and even against your character? Was not this some excuse for incivility, if I was uncivil? But I have other provocations. You know I have. Had not my feelings decided against you--had they been indifferent, or had they even been favourable, do you think that any consideration would tempt me to accept the man who has been the means of ruining, perhaps for ever, the happiness of a most beloved sister?"
As she pronounced these words, Mr. Darcy changed colour; but the emotion was short, and he listened without attempting to interrupt her while she continued:
"I have every reason in the world to think ill of you. No motive can excuse the unjust and ungenerous part you acted there. You dare not, you cannot deny, that you have been the principal, if not the only means of dividing them from each other--of exposing one to the censure of the world for caprice and instability, and the other toits derision for disappointed hopes, and involving them both in misery of the acutest kind."
She paused, and saw with no slight indignation that he was listening with an air which proved him wholly unmoved by any feeling of remorse. He even looked at her with a smile of affected incredulity.
"Can you deny that you have done it?" she repeated.
"nobody hears Anne, nobody sees her, but it is she who is ever at the center"
A futilidade e a vaidade do pai de Anne, Sir Walter Elliot, só se iguala à da sua irmã mais velha, Elisabeth. Anne Elliot é a única das três irmãs que não herdou algo do feitio do seu pai, mas antes da sua mãe, e é uma mulher justa, amorosa e extremamente caridosa, mas que o "desgosto amoroso que teve aos 19 lhe fizera perder, precocemente, o viço, permanecendo, ainda que não tanto como o fora, bela".
Essa vaidade de Sir Walter influencia a forma como ele trata as suas próprias filhas; favorece Elizabeth fortemente porque ela herdou a boa aparência da mãe e o seu orgulho e vaidade. Ele vê-se a si próprio nela e apresenta-a orgulhosamente como uma Elliot, considerando que o mesmo não se pode dizer de Anne e Mary.
Mary, por seu lado, ao fazer um casamento rico com um homem das melhores famílias da região, satisfez um pouco o seu pai, enquanto que Anne continuou, por ele, a ser tratada quase como uma criada, uma pessoa que não parece pertencer aquela família. Nem Sir Thomas Bertram tratou assim Fanny Price, com este desprezo, indiferença e depreciação.
Adoro o relacionamento da Elizabeth com o pai. É certo e sabido que ela é a filha preferida de Mr Bennet mas talvez porque seja a mais parecida com ele e que compartilha com ele a paixão pela leitura e a tranquilidade que essa actividade proporciona.
Estou a imaginar uma "Little Elizabeth" pendurada no colo do pai, ambos a lerem o mesmo livro, com o mesmo interesse e alegria.
A primeira vez a que assisti à adaptação de 1981 de Sensibilidade e Bom Senso, fiquei imediatamente admirada com a semelhança tão profunda e inerente de Bosco Hogan a Edward Ferrars. A estrenheza, o seu incómodo junto de estranhos, a timidez, alguma tacanhez, tudo isso Bosco Hogan passa para a tela, reproduzindo quase milimetricamente o Edward Ferrars de Jane Austen. Se bem que não seja tão destituído assim de beleza! Creio que até hoje nenhum actor que tenha representado este papel conseguiu fazê-lo tão bem quanto Bosco Hogan, embora todos os outros tenham feito um excelente trabalho, mas Hugh Grant e Dan Stevens criaram o "seu" Edward Ferrars e não o de Jane Austen.
Com certeza que quando o Darcy se declara pela segunda vez não é tão surpreendente como na primeira. Já sabíamos o que ele fizera pela Lydia e se aquilo não era feito por amor, então estávamos enganadas em relação a ele. Mas para Elizabeth aquilo é uma surpresa, porque apesar de ela saber o que ele fizera, ela achava impossivel que ele pudesse querer ser cunhado do Wickham. O que ela não sabia era que ele já perdera metade do orgulho e altivez e por isso todas as objecções anteriores mais esta, pouca ou nenhuma importância tinham, o Darcy queria ser feliz. É por isso que esta é a minha confissão preferida, é aqui que Darcy prova que mudou e que o que aconteceu durante a visita a Pemberley não foi um acto de representação.
Edward Ferrars, não gosto muito dele. Acho que lhe falta uma certa coragem e determinação para lutar por aquilo que quer. Eu sei que ele é bom rapaz e tem muitas qualidades. Contudo, não posso deixar de pensar que ele quando fica comprometido com Lucy nada faz para casar com ela. A situação arrasta-se durante anos e por culpa dele. Fico sempre intrigada porque é que ele não fala à mãe ou tenta arranjar um meio de subsistência para puder casar. Eu sei que a Lucy não é grande coisa, mas a pobre rapariga tem de sufocar tudo. Se não fosse a indiscrição da irmã, ainda hoje ele estava comprometido com ela. Definitivamente ele não luta por aquilo que quer.
Afinal porque é que na altura de escolher a obra com melhor história de amor, todas nós nos inclinamos para a de Anne Elliot e o Capitão Wentworth? Longe de vos querer maçar com os meus argumentos, ofereço-vos uma teoria, que me parece adequada. Há casos de amor que no passado ficaram mal resolvidos, seja porque nunca avançamos para a relação, seja porque a separação se deu por motivos idiotas ( aqueles fruto da inexperiência) ou houve a interferência de terceiros. Quando o nosso sentimento é forte, dificilmente se esquece, mesmo que se saiba que já não há qualquer esperança. Os erros cometidos muitas vezes pesam na consciência de uma forma que é difícil de ultrapassar. Muitas vezes em devaneios, pensamos que as coisas podiam ter sido diferentes ou choramos aquilo que nunca foi e podia ter sido. Temos consciência que a relação a ter começado ou mesmo continuado podia ter acabado na mesma... Bem lá no fundo, sonhámos que ele um dia volta. O nosso lado racional diz sempre que com o tempo os sentimentos mudam e as pessoas também, por isso, mesmo que um reencontro se desse, o relacionamento nunca seria o mesmo.
Persuasão oferece-nos essa possibilidade, o reencontro de duas pessoas que foram separadas, cujos os sentimentos, que eram muito fortes continuam muito vivos. E nós que sonhamos, ainda que de forma inconsciente com esse amor do passado, gostamos do livro por causa disso. Porque nos sentimos felizes e reconfortadas ao pensar que talvez o nosso Capitão ainda pense em nós, ainda tenha o mesmo sentimento forte, que não se apagou com o tempo, nem com o aparecimento de outras mulheres.
Esta é a minha teoria sobre o porquê de tanta gente se sentir fascinada por esta história, vale aquilo que vale. Vale para mim, não sei se vale para vocês. O que sei é que por tudo isto também elejo Persuasão como o meu livro favorito.