Destaco a relação fraternal existente entre Fitzwilliam e Georgiana Darcy. Se, por um lado, Mr Darcy nutre um sincero e aberto amor pela irmã, esta não lhe fica atrás e vê no irmão quase um segundo pai e um homem que admira e ama. Tal como acontece com Henry Tilney e a sua irmã Eleanor, a sua união parece ser reforçada pela ausência precoce dos pais ou (no caso de Northanger Abbey) também pela personalidade austera do pai (além da perda da mãe).
Não posso ainda deixar de mencionar a relação existente entre Elinor e Marianne Dashwood. São duas irmãs bastante unidas, cada qual com o seu feitio, mas que se complementam bem e são acima de tudo boas amigas e confidentes.
Sem esquecer Sir Thomas Bertram, uma das poucas pessoas na família que ainda vai tendo alguma consideração por Fanny Price... Sem esquecer Mr Dashwood, cuja principal preocupação no seu leito de morte, foi zelar pelo bem estar financeiro das filhas e segunda esposa... Sem esquecer Mr Woodhouse que, apesar da personalidade sensível, educou e amou as suas filhas com dedicação e carinho...
Não posso deixar de destacar Mr Bennet que, apesar de benevolente demais com as filhas mais novas, cujo comportamento infantil e atabalhoado parece não lhe importar e que, apesar de tratar a esposa sempre com algum sarcasmo e indiferença, denota uma grande paixão, respeito e dedicação especialmente por Elizabeth (talvez porque seja a mais parecida consigo em termos de personalidade culta e crítica). Com ela, Mr Bennet protagoniza algumas das cenas mais ternas o livro "O&P". E, nota-se que, apesar de tudo, ama as filhas e a esposa. Tem é a sua maneira própria de o sentir e mostrar, sempre com um toque de humor, muitas vezes confundido com escárnio.
- Heroína Favorita – Elizabeth Bennet, pelo carisma, irreverência, inteligência e por não ter medo do futuro numa época em que a acção das mulheres estava muito limitada em todos os planos, até no afectivo.
- Heroína menos preferida – Emma, porque a acho muito mimada e falsa quando à verdadeira noção de caridade. Porque nalguns momentos mostra arrogância e insensibilidade face aos sentimentos dos que a admiram verdadeiramente.
- Herói Favorito – Mr.Knightley, pela sensatez, perseverança e bondade. E por se aproximar muito de alguns aspectos do carácter de Elizabeth Bennet.
- Herói menos preferido – Mr.Bingley, por ser tão manobrável face a opiniões alheias e por isso quase ter perdido a oportunidade de ser feliz com Jane Bennet.
- Obra Favorita – Tem de ser no plural: Persuasão e O parque de Mansfield. A primeira pela perseverança e fortaleza de Anne e pelo espírito de redenção do Capitão Wentworth; a segunda pela complexidade da história, pela sua moral e pelo seu desfecho.
- Obra menos preferida – A Abadia de Northanger, porque não parece uma história escrita por Jane Austen. Será que alguém partiu de algumas ideias que ela teria escrito, completou a obra, e a apresentou com o seu nome?
- Citação favorita – De Orgulho e Preconceito: “É uma verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro na posse de uma bela fortuna necessita de uma esposa.” Numa frase curta e brilhante, Austen consegue sintetizar o móbil da sociedade da sua época. Também de Persuasão “Acontece, às vezes; uma mulher ser mais bonita aos vinte e nove anos do que foi há uma década antes, e, falando de uma maneira geral, se não houve nem falta de saúde nem ansiedade, trata-se de uma época da vida em que quase nenhum encanto se perdeu.” Porque nesta frase se dá uma lição à sociedade actual.
- Momento de livro favorito – Quando Anne lê a carta do Capitão Wentworth. Porque, finalmente, todos podemos respirar de alívio!
- Momento do livro que mais te deixou enfurecida – A conversa de Mrs.Dashwood com a madrasta do marido, isto é, quando irmã de Edward Ferras deixa claro que a sua mãe tem grandes aspirações profissionais e afectivas para o filho. Mais uma vez a fortuna tenta ter primazia sobre a verdadeira felicidade e os dignos desejos dos intervenientes.
- Momento do livro que te pôs a rir – Todos aqueles onde entram Mr.Collins ou casal Charllote e Thomas Palmer. Podiam ser irmãos gémeos na tolice!
- Momento do livro que te fez sorrir/deixou feliz – Todos os finais dos livros de Jane Austen! Esta autora deixa no leitor uma grata satisfação por fechar os seus enredos com justiça, sabedoria e bondade.
- Momento do livro que te deixou triste/te fez chorar – Nenhum porque desde que conheci Jane Austen, confio plenamente no seu discernimento. Porque sei que no final tudo vai acabar bem.
- Confissão de amor preferida nos romances – Os dos protagonistas de Orgulho e Preconceito e Persuasão, porque são os que considero mais intensos em toda a obra de Austen.
- Casal favorito – O casal Croft, pela dedicação mútua e pela aura de felicidade que irradiam.
- Casal menos favorito – Os pais de Fanny Price, pois são um casal degradante e obsceno do ponto de vista material e moral.
- Melhor "vilão" – Willoughby, pelo seu desempenho e pela forma como se “desenrasca” na adversidade. Por ser muito parecido com Basílio, o protagonista do romance O Primo Basílio, de Eça de Queirós.
- Melhor "Conquistador" – Coronel Brandon, pela perseverança e dedicação devotada a Marianne Dashwood. Tenho esperança que ela o soube merecer.
- Melhor amiga preferida – Charlotte Lucas, porque de facto procura a sua estabilidade matrimonial e material, mas tentando não magoar a sua melhor amiga.
- Melhor personagem cómico - Mr.Collins e o casal Charllote e Thomas Palmer, porque são caricaturas fantásticas do seu tempo, e que prevalecem até hoje entre nós.
- Melhor história de amor secundária – Aquela que não se chegou a dar, porque eu acho que Susan e Tom Betram ficarão juntos. Tenho esperança e acredito que o bom senso de Susan e a redenção de Tom os tornou num casal muito feliz.
- Personagem masculina secundária preferida – Capitão Harville, porque sente verdadeira estima pelos seus amigos e apesar de tudo ajuda a preparar, reprimindo a sua mágoa, o casamento daquele que fora noivo da sua irmã.
- Personagem masculina secundária menos preferida – Mr.Yates, o encenador frustrado, por ser uma personagem desprovida de qualquer interesse relacional.
- Personagem feminina secundária preferida - Georgiana Darcy, porque a acho extremamente simpática e devotada ao irmão e a tudo o que o possa fazer feliz.
- Personagem feminina secundária menos preferida - Mrs. Clay, porque toda ela transpira falsidade e traição.
- Relação de família (irmã-irmã; mãe-filha; irmão-irmã;...) preferida – Gosto muito da relação das irmãs Dashwoods, porque apesar de serem muito diferentes se completam e aprendem muito uma com a outra.
- Mais frustrante relação de família – Mr.Rushworth com Maria Bertram, porque têm um final demasiado “trágico”.
- Melhor proposta recusada – sem qualquer dúvida, Elizabeth Bennet a Mr.Collins… palavras para quê?
Há imensos vilões a vaguear pelos livros de Jane Austen. Alguns mais canalhas do que vilãos. Alguns homens deploráveis e algumas mulheres absolutamente cheias de fel e vileza. Lembro-me de vários nomes: Mary Crawford, General Tilney, Lady Catherine de Bourgh, Miss Caroline Bingley, Lucy Steele…
Mas, nesta categoria, eu tenho que eleger dois nomes: Tia Norris | “Mansfield Park” e Fanny Dashwood | “S&BS”. Dentre todos os vilãos e vilãs de Jane Austen, estas duas mulheres são o ápice da vileza e quase pelos mesmos motivos: os seus gestos são movidos por pura vontade de humilhar, em pisar os sentimentos e a dignidade daquele/a que for mais desfavorecido/a. A Tia Norris não teve qualquer pudor em humilhar publicamente Fanny Price desde que ela chegou em Mansfield Park ainda criança. E tudo fez, ao longo da obra, para depreciar e para prejudicar o bem-estar da sobrinha. Até algo tão simples quanto aquecimento no quarto ela privou Fanny de usufruir. Fanny Dashwood também nunca perdeu a oportunidade de criticar e humilhar as irmãs Dashwood e Mrs. Dashwood. Manipulou o marido para este não ajudar financeiramente as irmãs e a madrasta, contribuiu para a separação precoce de Elinor e Edward e sempre procurou o afastamento do convívio delas com o seu marido (e irmão das Dashwood). Penso que se fosse do alcance dela, teria prejudicado ainda mais as Dashwood.
Para mim, ambas são desprezíveis e recalcadas.
Para mim, Henry Crawford, de Mansfield Park, será sempre o grande conquistador dentro da obra completa de Jane Austen. Ele não conquistava unicamente as mulheres com as suas atenções e charme mas também ganhava a simpatia e amizade de todos os homens da obra. A única conquista que não conseguiu concretizar totalmente foi a de Fanny Price. Ela também é a única que o fez ponderar desistir desta sua vocação epicurista.
Em busca de redenção, enfeitiçado pelo carácter e constância de Fanny, esperançado de encontrar a felicidade nos braços dela, Henry Crawford persistiu; até que... desistiu. A tentação falou mais alto e Henry descaiu-se. Resta a questão, teria Henry permanecido um conquistador toda a sua vida? Eu acredito que sim. Gosto de pensar que ele procurasse uma "Fanny" em todas as suas aventuras...
Ambas demonstram as qualidades que eu reconheço nas amizades que cultivo: lealdade, verdade, frontalidade, compreensão, racionalidade, apoio e discernimento. Charlotte Lucas e Elinor Dashwood não são o tipo de amigas "pancadinhas nas costas". Amizade não é unicamente fazer claque e estar nos momentos bons. Amizade é ombro para sustentar nos momentos difíceis mas também verdade para chamar a atenção daquilo que não fazemos bem. Charlotte Lucas e Elinor Dashwood são assim. Admiro o facto de elas serem terra-a-terra até na questão da amizade. Eu tenho o privilégio de ter uma amiga que é uma verdadeira Elinor, e ela ainda não leu "S&BS" ;))
Tenho uma enorme admiração por Sirt Thomas. Concedo perdão a todas as suas falhas. Ele é um grande homem que teve a infelicidade de não ter uma grande mulher ao lado. Sir Thomas não pode ser o "bode expiatório" para todo o melodrama da família Bertram. Tem culpas, tem, sem dúvida. Mas Lady Bertram também tem a sua dose equivalente.
É o carácter forte e decidido deste personagem que fazem comq ue goste tanto dele e também a crença que tenho, de que ele sempre julgou estar a fazer o melhor para os filhos, sem ter ninguém ao lado que complementasse, sem ter ninguém ao lado que lhe abrisse os olhos que o chamasse à terra.
Não gosto, não gosto e não gosto...! Thorpe causa-me uma certa repulsa. A própria Jane Austen deseja provocar-nos sensações negativas relativamente a ele, se repararmos, Austen não tenta sequer "envernizá-lo", apresenta-nos um John Thorpe mau logo à partida, não nos dá hipótese de nos enganarmos em relação a ele.
Não me peguntem porquê, mas quando penso em Thorpe, lembro-me de um "fuinha".
Aprecio a sua força, a sua resistência, a sua resiliência, a sua enorme coragem e o seu gigante coração. Peço desculpa a todas as outras, mas acho que Elinor é a heroína de Jane Austen que mais precisava de um final feliz, dada a tremenda solidão em que vivia. Acho que Edward é sem dúvida a melhor escolha para ela, enquanto casal, creio que se completam incrivelmente bem - à semelhança de Anne e Wentworth.
Elinor é uma "mulher de armas" que não fraqueja perante a adversidade por muito terramoto que vá dentro dela. É a mulher que sorri embora o coração esteja despedaçado. Faz-me lembrar muito aquela música "Smile" escrita por Chaplin. Mas para pessoas assim, é essencial e crucial que haja alguém com quem se possam abrir, com quem possam falar... e aí entra Edward para a vida de Elinor, e ainda bem!
Mr. Knightley tem todos os predicados que eu gosto e aprecio. "He is a true gentleman", como Emma está sempre a dizer-nos!
O seu bom humor, a sua rectidão de carácter a sua constância, lealdade, amizade e respeito, fazem dele o grande herói de Jane Austen, na minha opinião. Se olharmos bem, não há uma falha em Mr. Knightley... ele é tudo aquilo que se deve ser. E para mais, tem uma sensibilidade social muito interessante para a época, ao contrário de Emma, não possui qualquer preconceito de classe, avalia as pessoas de forma justa e por aquilo que elas são, não por aquilo que possuem ou posição que ocupam; e além disso, encara Emma como um igual, no sentido em que não lhe concede condescendências por ser mais nova ou por ser mulher.
Este é o meu eleito porque, muito embora tenha um carácter doce e afável, por outro lado, coexiste numa imensa contradição. Edmund é extremamente moralista e depois, perante a "tentação" é um fraco, um volúvel, um cego... e creio que é isto que me custa aceitar nele. O seu "bom coração" não me é suficiente, precisava de um pouco mais de constância e de lealdade. Mas acima de tudo, é a contradição nele que o afastam do lugar cimeiro nas minhas opções.
é o tópico até agora mais dificil, ´já que ainda não li a Abadia Northanger e O Parque de Mansfield. É dificil de eleger uma que goste menos, já que gosto de todas. Parece-me injusto apontar o dedo a alguma obra, para num próximo post, eleger algum aspecto como o melhor para mim. Até porque eu embora prefira Persuasão, não tenho nos outros que li uma que goste menos diria que a seguir vem Orgulho e Preconceito e que Emma e Sensibilidade e Bom Senso, estão no mesmo patamar.
Pensei, pensei e Mr Collins e Sir Elliot não me saiam da cabeça. Todavia, tentei medir o meu grau de diversão com estas duas personagens e vi-me forçada a escolher Sir Elliot. São ambos ridículos, mas a posição de aristocrata decadente que Sir Elliot interpreta ganharam força em relação a Mr. Collins.
Esta foi uma escolha difícil... mas elegi William Price porque, muito embora seja uma personagem secundária e distante da obra, é o apoio permanente de Fanny (excluo propositamente desta frase, Edmund) através das suas cartas - que Fanny tanto defende numa conversa com Mary Crawford. Vejo William Price como o elemento (igualmente com Edmund) que deu alento e força a Fanny, nunca a deixando esquecer do que é ter uma família.
Pensei muito... e por muitas falhas que encontre em Mr. Bennet, não posso ficar indiferente à sua redenção no fim.
Em competição nesta categoria esteve também Sir Thomas, personagem por quem nutro imensa admiração, todavia, a sua negligência tem consequências piores do que a negligência de Mr. Bennet, se bem que semelhantes.
Mas a favor de Mr. Bennet, está o carinho dedicado a Lizzie, que me conseguem roubar algumas lágrimas no final da história de Orgulho e Preconceito.
Jane Austen não nos apresentou "grandes mães"... Mrs. Dashwood é claramente a minha escolha pela dedicação às filhas. Ela é a imagem perfeita do amor maternal, como tão bem nos mostra pelo cuidado com Marianne aquando da sua doença. É certo que por vezes é guiada por algum sentimentalismo - Marianne tem mesmo a quem sair! Mas o amor incondicional que tem às filhas são a chave essencial para a escolher.
Optei por só escolher uma personagem, embora pela mente me tenham passado várias. Todavia, esta é aquela que me revolve mais o estômago. Não compreendo como é que Mrs. Norris consegue viver com um coração tão frio e interesseiro. Acho que Jane Austen foi fenomenal ao dar-lhe o destino que teve, depois de todas as maldades que fez a Fanny.
Nomeio-a nesta categoria pela frieza sem coração e pela insensibilidade feroz com que criou a indefesa e boa Fanny Price.
Este casal é uma tremenda incógnita... saber como Jane Fairfax se apaixonou por Frank Churchill tira-me noites de sono (certo, certo, é só uma forma de expressão), mas a verdade, é que dava tudo e mais alguma coisa para que Jane Austen nos tivesse explicado um pouco melhor a estranha relação deste casal.
Não tive dificuldades nesta categoria porque desde de sempre, Jane e Frank, suscitaram-me imensa curiosidade, acima de tudo Jane... quem não gostaria de saber o que vai naquele coração...?!
A minha sugestão de música recai sobre Stacey Kent , uma cantora de jazz americana que estudou literatura em Nova Iorque, no Sarah Lawrence College, tendo depois decidido ir viver para Oxford para aprender línguas europeias (francês, italiano e alemão). É aqui que conhece o saxofonista Jim Tomlinson que se tornará seu marido e que a revelará ao mundo.
Stacey Kent tem uma voz doce, leve, capaz de criar um ambiente calmo e prazenteiro até mesmo para aqueles que admitem não apreciar jazz. É uma voz que se ouve em qualquer altura.
O seu primeiro trabalho surge em 1997. Em 2000 e em 2001 ganha o prémio de melhor vocalista de jazz. É também em 2000 que sai um dos seus melhores trabalhos, Let yourself go: Celebrating Fred Astaire. Um disco fenomenal, harmonioso e envolvente. Em 2006 assina um contrato com a Blue Note. Em 2009 edita Breakfast on the mornig tram, já incluindo trabalhos originais.
O seu último trabalho Racconte-moi, editado em 2010, é todo cantado em francês. Um trabalho lindo, igualmente envolvente e marcante que se tornou um dos trabalhos de língua francesa mais vendidos no mundo. Isso valeu-lhe o prémio Chevalier dans Lórdre des Arts et des Lettres.
FILME
O Véu Pintado é um romance de W. Somerset Maugham, que a ASA reeditou este ano, adaptado para o cinema em 2007, com Naomi Watts e Edward Norton nos principais papéis e dirigido por John Curran, com uma lindíssima banda sonora de Alexandre Desplat, interpretada ao piano por Lang Lang, sendo que a fotografia ficou a cargo de Stuart Dryburgh.
Trata-se de um história de amor passada nos anos 20 que nos conta a história de um jovem casal britânico, Walter, um médico da classe média e Kitty, uma mulher da alta sociedade, que casam pelas razões erradas e se mudam para Xangai, onde ela se apaixona por um outro homem. Quando Walter descobre que a mulher lhe é infiel, aceita num acto de vingança um lugar numa aldeia remota da China, desvastada por uma mortífera epidemia, e leva-a consigo. A sua viagem traz um novo significado à sua relação e à sua essência, num dos mais belos e remotos lugares ao cimo da Terra.
Um filme brilhante (com duas interpretações igualmente brilhantes) sobre o encontro de duas pessoas que, estando juntas, viajavam pela vida em sentidos opostos.
LIVRO
Tempo de Fogo é o primeiro romance de Amadeu Ferreira, autor ligado à língua mirandesa, com vários livros publicados nesta segunda língua de Portugal. É baseado em factos reais retirados dos arquivos do Tribunal da Inquisição e cuja acção decorre, essencialmente, num período da nossa história que, como diz o autor, ainda nos dias de hoje marca o povo português. É um livro cru, à semelhança daquele tempo duro, frio e asfixiante, mas simultaneamente profundo. Com uma escrita naturalmente simples e autêntica, o autor leva-nos para uma viagem carregada de realismo que se centra nos últimos dias de um frade condenando por aquele Tribunal. Uma leitura empolgante. Fez-me lembrar "O nome da Rosa", talvez por causa da figura do frade e de todo o peso daquele período histórico. É impossível ficar indiferente a esta história.
Eis o resumo: um frade homossexual é queimado às ordens do Tribunal da Inquisição, condenado por breves amores de juventude na universitária Salamanca dos fins do século XVI. Através de personagens reais, perseguidos pela Inquisição, é passado em revista o ambiente sufocante do país nos anos vinte do século XVII, tomando como paradigma várias vilas e aldeias do planalto mirandês, habitadas por importantes comunidades de cristãos-novos que atravessam a fronteira conforme de onde se acendem os fogos da Inquisição. Aí, o ambiente de denúncia, a ameaça de prisão, a dissolução de costumes do clero, as perseguições permanentes, tornam o amor numa utopia e as relações entre as pessoas num inferno, deixando marcas profundas que se prolongam até aos nossos dias.
A língua aparece como um modo de curar, mas também como castigo, quase uma maldição, pressentindo-se as dificuldades no confronto das línguas presentes: o português, o castelhano e o leonês/mirandês.
Três séculos depois, um professor primário resgata um manuscrito onde aquele frade tentou escrever, na prisão, um tratado das artes de curar pela fala, fazendo comentários relativos à sua prática e continuando a questionar-se sobre o sentido da vida e o problema e Deus.
De modo sereno e inovador são abordadas questões que sempre preocuparam o homem, como o amor e o sexo, o bem e o mal, a liberdade, a religião, o viver em comunidade, através de uma época de fundamentalismos, de que ainda não nos livrámos e que não podemos esquecer.