Júlia sentia-se esmagada. A sua objectividade e racionalidade tinham sucumbido perante a malvadez intrépida daquele homem odioso. Eduardo... o seu nome causava-lhe náuseas. Por mais que pensasse não conseguia descortinar um plano para proteger a irmã e para se soltar da manipulação a que estava a ser sujeita. E se contasse tudo a Cecília? Será que ela acreditaria? Talvez Henrique a pudesse ajudar pois percebera imediatemente que este era bem diferente do irmão e conseguira ler nos seus olhos o amor verdadeiro que sentia pela irmã.
Foi arrancada destes pensamentos pelo toque do telefone. O seu coração deu um pulo e as suas mãos começavam a suar. Tinha quase a certeza de que era ele. Júlia atendeu com a voz quase apagada mas do outro lado soou uma voz feminina que pedia para falar urgentemente com a senhora dra. Cecília. Júlia ficou aliviada e correu a chamar a irmã.
Um cliente francês com quem deveriam fechar um negócio na semana seguinte estava renitente em celebrar o contrato. Necessitavam agora da sua perícia enquanto economista e grande conhecedora daquela vertente da empresa para reavaliar a proposta. O melhor, diziam, era que a equipa reponsável por aquele projecto se deslocasse à sede da empresa do cliente, em Paris, por se tratar de um cliente importante que não poderiam perder. Ficou então combinado que saíria no dia seguinte, no voo das 10h30. A reunião teria lugar às 16h00, no escritório principal da empresa, nos Campos Elísios. Isto dar-lhe-ia margem para se instalar no hotel e rever alguma nota que achasse mais importante debater. Este telefonema veio retirar-lhe um pouco da angústia causada pelos acontecimentos anteriores. A cabeça estava agora ocupada com estratégias e planos para debater no dia seguinte.
Às vinte horas desceu para jantar e informou a tia e a irmã que se iria ausentar por dois ou três dias. No entanto, como a semana a que se dispusera ali passar ainda não tinha terminado, voltaria para ficar mais uns dias. Esta notícia alegrou a tia e acalmou o coração de Júlia. É sempre um tormento ver uma irmã sofrer mesmo quando a ligação de infância parecer ter-se desvanecido. Quando esta existe na infância, raramente se quebra para sempre.
Sozinha no seu quarto, Cecília era agora um rosto de angústia e tristeza. O seu reflexo na janela devolvia-lhe a figura de uma mulher arrasada pelo sofrimento. Tinha dificuldade em reconhecer-se. A lembrança de que há exactamente um ano tinha estado em Paris, para onde seguiria no dia seguinte, vincavam ainda mais a sua tristeza. Não conseguia adormercer. Os seus pensamentos oscilavam entre a vivência dos acontecimentos daquela tarde e os dias passados em Paris, no Verão passado, com Henrique.
Júlia abriu a porta e à sua frente econtrava-se um homem bonito e bem apresentado. Rapidamente percebeu, pelo rosto preocupado e pela leve agitação que deixava transparecer, que se devia tratar de Henrique. Este, impaciente, informou-a que desejava falar com Cecília. Júlia hesitou por um instante mas, desviando-se, escancarou a porta para o deixar entrar. Levou-o até à sala de estar, em cuja decoração sobressaía a cadeira de baloiço da Tia Augusta, e pediu que aguardasse um instante enquanto ia chamar Cecília, dizendo-lhe que ficasse à vontade.
Enquanto subia as escadas até ao segundo piso, reflectia sobre aquele homem que parecia tão diferente do irmão. Ficou a conhecer Eduardo no dia em que ele veio conversar com Cecília e logo ali o detestou. Algo naquele homem a tinha deixado inquieta. Um arrepio atravessou-lhe o corpo quando passou junta da sala em direcção ao terraço e o viu conversar com a irmã. Não percebeu o que conversavam, mas aquela estranha inqueitação não mais a largou até ao dia em que se voltaram a encontrar. Aquele fatídico encontro.
Ao passar pelo quarto da Tia Augusta, esta chamou-a para se informar de quem as visitava. Júlia apressou-se a dizer-lhe que se tratava de Henrique e pediu-lhe que voltasse a descansar. Preocupava-a a aparência cada vez mais débil da Tia. Parecia-lhe que naquela semana a sua saúde se tinha debilitado súbitamente. Só quando via Cecília é que a sua tez se iluminava. Naqueles momentos podia ver-se a felicidade bailar-lhe nos olhos.
Bateu à porta e logo ouviu os passos de Cecília. Informou-a de que Henrique se encontrava na sala e que lhe queria falar. Júlia reparou como Cecília estremecera. Olhou-a com um ar apreensivo mas a irmã tentou recompor-se e nada mais disse do que um agradecimento.
- Cecília... se... se precisares de alguma coisa, estou aqui... desculpa...
- Obrigada, Júlia! Não vou precisar de nada. - informou prontamente Cecília. Aquele não era o momento para conversarem. Todavia, ficou feliz pela abordagem da irmã. Seria um primeiro passo para uma longa conversa. Ambas estavam a precisar de reencontrarem. Afinal, se a Tia Augusta morresse, elas só se tinham uma à outra.
Quando desciam as escadas, a campainha voltou a tocar.
- Deixe-se estar, minha tia. - disse Júlia no tom mais doce que encontrou ao passar novamente pelo seu quarto, verificando que esta fazia um gesto para se levantar. Pediu licença para encostar a porta e desceu.
À porta estava Eduardo. Cecília estava pálida e Júlia pressentiu que a irmã ia desmaiar. Ela própria gelou quando viu a figura do homem que nos últimos dias a perseguia.
- Ora ainda bem que a encontro, Cecília! Venho saber como tem passado, foi avançando Eduardo num tom firme e seguro. No entanto, é com a sua irmã que quero mesmo falar, se não se importa. Perdoe-me a indelicadeza de não lhe prestar atenção, mas, como sabe, sou um homem muito ocupado.
- Claro!... foi a resposta de Cecília
- Não me convida para entrar, Júlia?
Júlia não respondeu, limitando-se a fazer um aceno com a cabeça o que, Cecília, no meio os turbilhão de sentimentos que a assaltavam naquele instante, pôde contudo perceber. Estava atordoada. Henrique estava na sala ao lado e ela não sabia o que fazer.
Sem dar tempo às irmãs, Eduardo dirigiu-se para a sala confiante. Esta confiança deu lugar à surpresa. Não estava à espera de encontrar Henrique naquela casa. O nervosismo que o invadiu foi imediatamente percepcionado pelo irmão.
- O que fazes aqui? - perguntou Henrique tentando esconder a fúria que tomava agora conta do seu espírito. Havia algo que não estava a fazer sentido naquela história toda. Mas não teve sequer hipótese de perguntar mais nada. Cecília dirigiu-se-lhe com uma voz fria e calma e pediu-lhe que saísse e que nunca mais voltasse àquela casa onde já não era bem vindo. Informou-o que apenas tinha descido para que a irmã não fosse a mensageira de algo que só ela lhe podia dizer.
Henrique saiu magoado, ferido e, acima de tudo, furioso. Percebeu a palidez e o nervosismo nas duas irmãs e em Eduardo. Era evidente que ele tinha alguma coisa a ver com tudo isto. Haveria de saber o que era e resolveria tudo. Nesse mesmo instante uma luz de esperança voltou a aquecer o seu coração. Ficava com a certeza de que nada tinha feito para afastar Cecília. Algo a tinha afastado dele. E tinha a ver com o seu irmão. Estava certo disso.
A resolução de tirar uns dias de refúgio era agora mais firme. Iria para Paris e não diria nada a ninguém. Em vez de seguir para casa, seguiu para o escritório e no caminho telefonou para Ana, a sua secretária, que há muitos anos trabalhava consigo, e pediu-lhe que fizesse alguns telefonemas. Quando chegou, já uma grande parte dos assuntos daquela semana e da seguinte se encontravam reagendados. O facto de não ter encontrado quaisquer obstáculos por parte dos clientes tinham-no animado. Era profissional e exigente consigo e com os seus colaboradores e não gostava de faltar com a sua palavra. Entretanto, Ana, já lhe havia reservado o hotel e conseguira um bilhete numa companhia de low cost. Partiria no dia seguinte.
A perspectiva de estar longe do irmão e destes últimos acontecimentos ajudaram a que se acalmasse. Já em casa reflectia em tudo o que tinha presenciado e não conseguia perceber exactamente o que se passava. Sabia que o irmão não era boa rês e conhecia bem Cecília. Pecebera a sua inquietação quando a vira entrar na sala, embora esta não combinasse com o tom de voz com que lhe falara. Estes dias em Paris serviriam para se concentrar apenas e só na forma de agir. Não iria ficar muito tempo. Estava certo de que reconquistaria Cecília e de que casaria com ela. Esta era a sua maior determinação. Não por teimosia, mas por amor. Cecília encantara-o com a sua sensibilidade e com a sua intelegência e ele sabia que ela era a mulher da sua vida.
Entrou no avião e o seu pensamento viajou até ao passado. Estava em Paris com Cecília, a jantar no Sena, junto à Torre Eiffel... Naquele Verão apenas a melodia do amor e a confiança dos seus afectos os inundavam.
Todas as heroínas de Jane Austen têm qualidades e defeitos fascinantes. Se pensarmos bem, podemos encontrar um pouco delas dentro de nós. Eu tenho um grande carinho por Anne Elliot (Persuasão) e por Elinor Dashwood (S&BS), ambas por motivos diferentes. Anne, pela sua capacidade de abnegação e de sofrimento. Tudo ela suporta em silêncio. Elinor pela sua dedicação à família e pela sua força de carácter. Ela coloca todas as pessoas antes até do seu próprio bem-estar. É altruísta. É também uma mulher forte, racional e dedicada. Ambas são as minhas preferidas. Não posso escolher somente uma.
Também não posso escolher somente uma dentre as menos preferidas. Eu elegi Jane Bennet (O&P) e Marianne Dashwood (S&BS). Na realidade, não há nada nelas que me irrite ou que me desgoste ao extremo; elas apenas possuem algumas características que me impedem de gostar delas inteiramente. A primeira, Jane Bennet, por ser demasiado passiva. A segunda, Marianne, por ser tão injusta com Elinor durante grande parte da obra.
Há algumas categorias na selecção deste top que são extremamente difíceis… Para mim, é extremamente difícil eleger o meu herói preferido. Convenhamos, Jane Austen desenhou homens maravilhosos… Passei várias dias a pensar… e cheguei a uma conclusão: três nomes não me saem da mente. Portanto, perdoem-me não optar somente por um. Mr. Knightley, Mr. Tilney e Capitão Wentworth. Por esta ordem. Explico: provavelmente, para quem lê toda a obra de Jane Austen, Mr. Knightley não seja o mais apelativo. Ele não faz grandes gestos, não é uma pessoa que chame a atenção. Mas ele tem os requisitos que despertam em mim uma grande admiração: frontalidade, verdade, correcção, lealdade, discrição, humor. Para além de, claro, ser um verdadeiro cavalheiro. Mr. Tilney é um forte candidato a ser, no futuro, um Mr. Knightley. Ele também frontal, verdadeiro, correcto, leal e tem um enorme senso de humor. Adoro a forma como ele, no fundo, enfrentou o pai para ir ao encontro de Catherine Morland após ela ter sido expulsa da Abadia. Acto digno - também - de um verdadeiro cavalheiro. Eu só coloco o Capitão Wentworth em terceiro lugar porque ele foi um pouco cruel com Anne ao andar a namoriscar as irmãs Musgrove. É certo que ele tinha o orgulho ferido mas foi Anne quem teve de sofrer a perda do amor e, ao mesmo tempo, permanecer a viver naquela casa e família em que não era compreendida; enquanto ele andou a percorrer o mundo. Contudo, apesar disto, é um homem admirável. Um homem capaz de ser fiel a um sentimento tantos anos sem ter a esperança de voltar a reciprocidade do mesmo é algo incomum. Assim como é incomum um homem capaz de escrever uma carta como a que ele escreveu…
O meu herói menos favorito é Edmund Bertram, Mansfield Park. Na realidade, não tenho muito a dizer sobre ele. Ele é o oposto dos meus heróis preferidos: não é constante, não é leal, não é verdadeiro, não tem senso de humor e, mais uma vez convenhamos, é extremamente enfadonho. Um homem que não foi capaz de enxergar as qualidades de Fanny Price não merecia sequer ter conseguido um par, quanto mais casar com ela. Ele é um habitáculo de boas intenções, discursos e ideias preconcebidas mas na prática não foi capaz de ser fiel àquilo que ele defendia serem as suas convicções. Por isso, Edmund, perdoe-me mas irás para o fundo da lista.
[Eu preferia casar com o Mr. Collins do que com o Edmund Bertram.]
Definitivamente Mrs Dashwood em Sensibilidade e Bom Senso.
Mrs Dashwood é doce e amorosa e as suas filhas e o seu bem-estar encontra-se acima de tudo.
Ambas as filhas mais velhas têm um pouco da sua mãe já que Mrs. Dashwood é quase uma versão crescida de Marianne: teimosa e inclinada a seguir o coração e não o senso comum. No entanto, sem a força, equilíbrio e a calma que Elinor herdou da mãe, nós não sabemos o que seria das Dashwood.
É apesar de tudo uma boa mãe, sempre preocupada com as filhas, com as quais mantém uma relação de mãe/melhor amiga.
A madura e racional Eleanor representa o tipo de pessoa adulta que Catherine Morland precisa para fazer progressos no seu amadurecimento como pessoa e como mulher. Eleanor é gentil, elegante, reservada, bem-educada, culta e tão sagaz quanto o seu irmão Henry. Não tem a personalidade entusiasmante e selvagem de Izabella Thorpe, a outra amiga de Catherine, mas isso é provavelmente uma das suas melhores qualidades.
Além disso, é Eleanor quem persuade o seu pai, General Tilney, a permitir o casamento do seu irmão Henry com a sua amiga Catherine Morland.
A Revista Jane Austen este mês está um pouco atrasada, mas espero poder publicá-la já no final desta semana. Entretanto, abro já o prazo para quem quiser participar na próxima edição.
O próximo tema será EMMA. O tema é geral, podendo abranger a opinião pessoal sobre o romance, análise de personagens e temas, opinião sobre as diferentes adaptações...
O prazo de admissão dos artigos é até dia 30 de Julho de 2011.
O conteúdo da Revista JAPT é um conteúdo original, contudo, é possível fazer referências a outros autores (para facilitar o desenvolvimento de uma ideia, por exemplo) desde que os créditos sejam devidamente atribuidos.
Quem desejar participar na rubrica "Quando Conheci Jane Austen" para falar do primeiro contacto que teve com as obras da escritora, basta também, enviar um email para nós a expressar esse desejo que nós depois explicaremos como fazer.
Novamente, tive de reflectir bastante... quando li pela primeira vez Northanger Abbey não fiquei muito deslumbrada. E de facto, admito, hoje e aqui, que Northanger Abbey não está no mesmo degrau de Orgulho e Preconceito ou Emma. Mas, novemente, a Jane que escreveu Northanger Abbey não era a mesma que escreveu O&P.
Embora com o passar do tempo tenha aprendido a gostar e a acarinhar bastante Northanger Abbey, encaro-o sempre como um "ensaio" daquilo que viria a ser a restante obra da autora. E é acima de tudo por isso que o escolho como a obra menos preferida.
Pensei muito, muito sobre esta questão... e embora admita a dificuldade de escolher, só "Emma" me pareceu a escolha mais sincera. É uma obra muitíssimo divertida e é por isso que a destaco... em Emma acho que Jane Austen esteve sublime na crítica à sociedade da sua época. Não podemos ficar indiferentes a figuras como Mrs. Elton, Miss Bates, Mr. Woodhouse. Não podemos, acima de tudo, porque são caricaturas de personagens com quem nos cruzamos na vida real.
Não referi propositadamente Emma na lista de personagens que apresentei acima. Emma, é fabulosa por ter todos os defeitos que tem. Jane leva-nos a conhecer Emma profundamente, sabemos por várias vezes tudo o que lhe vai na mente, até os desejos menos benévolos, como quando ela deseja que Miss Smith nunca lhe tivesse aparecido à frente... enquanto leitoras somos obrigadas a criticar este sentimento, mas simultaneamente, compreendêmo-lo tão bem! E Emma suscita-me constantemente esta sensação, criticar certas atitudes, mas ao mesmo tempo, compreende-las.
Se gostava de ser uma "Emma"? Não sei, mas se isso fosse sinónimo de ser amada por alguém semelhante a Mr. Knightley, não hesitaria.
É por isto que gosto tanto desta obra, em Emma assistimos a uma gigante evolução, acompanhamos o crescimento da nossa heroína e, juntamente com ela, melhoramos um pouco também, porque Emma é o espelho de muitos dos nossos defeitos e das nossas qualidades.
O capitão Frederick Tilney (Frederick) é o filho mais velho do General Tilney e o possível herdeiro da Abadia de Northanger. Trata-se de um personagem secundário que surge apenas na segunda parte do livro e que prima pela total ausência de discurso. Tudo o que sabemos de Frederick é-nos dado a conhecer pelas demais personagens , nomeadamente Henry, Catherine, Eleanor e Isabella.
Frederick é um homem elegante e moderno que gosta de namoriscar raparigas bonitas. Os seus modos e atitudes não causaram impressão à nossa jovem Catherine que os encontrou inferiores aos do seu irmão Henry. É um misto de Mr. Darcy com Whickam. Confuso? Não. Frederick tem a arrogância inicial de Mr. Darcy. Quando é apresentado em Bath, num baile, protesta com o irmão por este o querer ver dançar e fá-lo de modo bastante audível. Mas também é, como referido, um homem que adora "coleccionar" damas e adora quebrar as regras da boa educação, características que tanto marcaram a personagem de Whicham e Willoughby.
O alvo da sua conquista será Isabella. Tola e convencida, troca a o amor sincero de James por um flirt casual mais que notório. É a marca de Frederick. Terminada a sua estadia, termina também a brincadeira e as consequências não são preocupação sua. Segundo Eleanor, este jurou que mulher nenhuma merecia o seu amor. Guardava apenas orgulho no seu coração. E, segundo Henry, era vaidoso e teimoso. O respeito que este nutria pelo General não era nenhum. Parecia gostar de o contrariar em tudo e jamais lhe prestava qualquer satisfação.
Mas, seria Frederick assim por natureza ou teria acontecido algo que tivesse determinado o seu carácter? Eu penso que terá sofrido bastante com a morte precoce da mãe por quem teria nutrido verdadeiro afecto. O facto de o pai ser um homem frio e distante terão contribuído para o seu sofrimento. Estes dois factores que poderão ter influenciado a tomada de posição em não se querer apaixonar por nenhuma mulher já que o sofrimento da perda estaria assim latente na sua vida.
Para mim, Frederick é o molde de outros personagens de Jane Austen.
Quando comecei a leitura deste livro vinha-me sempre à cabeça a frase do personagem masculino do filme "O clube de leitura de Jane Austen". Segundo aquele, esta obra era um mero ensaio de Jane Austen. Através dele a autora fez uma viagem de descoberta sobre o seu estilo. Aqui ainda não está defenido. Existiam dúvidas. Ou pelo menos parece havê-las. Creio que não se trata de uma verdadeira obra acabada. Foi com essa impressão que terminei a leitura deste livro.
Todavia, gostei do enredo. Gostei das personagens, principalmente de Henry Tilney. Adorei a inocência de Catherine e a sua incrível imaginação que ao longo do livro nos oferecem momentos de boa disposição e leveza. Catherine era uma peça em bruto que apenas precisava das mãos certas para se tornar numa obra de arte inteligente e delicada. E a sua transformação pela mão de Henry? Adorável. A forma como ele brincava com a sua inocência e simultaneamente a protegia não passam despercebidas. Convenceram-me logo. Ele conseguia aliar estes dois traços com perfeita elegância. Encantou-me a sua inteligência, a sua independência, o amor fraternal que nutria pela irmã e o respeito que, apesar das suas brincadeiras, tinha por Catherine. Era um homem vertical.
Ao longo da leitura, não fui capaz de me desligar de algumas frases proferidas por Henry que são dignas de registo e também algumas posições por ele tomadas. Atrevo-me a pensar que se tratavam de posições assumidas pela própria Jane Austen. Merece destaque uma nota interessante sobre romances versus história. Henry e Catherine falavam acerca de livros e do pouco reconhecimento dos romances que ela defendia em detrimento da leitura livros de história que causavam grande "tormento" às crianças. A discussão leva-os para o patamar da educação e Henry termina muito bem dizendo (...) Mas os historiadores não são os responsáveis pelas dificuldades na aprendizagem da leitura, e até mesmo a menina, que não me parece, no fundo, ser partidária de uma aplicação severa e intensa, pode vir a reconhecer que vale bem a pena ser atormentado por dois ou três anos da vida em prol de ser capaz de ler tudo o que falta. Imagine, se a leitura não fosse ensinada, a senhora Radcliffe teria escrito em vão ou até talvez nem o tivesse feito. Esta discussão é relevante no sentido de mostrar a preocupação que Jane Austen com a educação das mulheres. Ela conseguia alcançar as vantagens de esta existir no círculo feminino. É também Henry que afirma que ser-se sempre firme pode ser uma obstinação. E saber relaxar é o verdadeiro desafio. Ou, ainda, ser-se levado por conjecturas de segunda mão é uma pena. Mas a que mais me marcou foi sem dúvida esta: já ouvi falar em fiéis acções. Mas uma promessa fiel, a fidelidade de prometer! É uma palavrinha bem poderosa, pois pode muito bem decepcioná-la (ar) e magoá-la (ar).
Existe outra passagem que, no meu entender, consubstancia uma crítica feita tanto aos homens como às mulheres, o que não deixa de ser interessante. Diz a determinada altura a autora que as vantagens da tolice natural numa bela jovem já se encontram realçadas pela importante pena de uma companheira de escrita e, quanto à forma como trata do assunto, limito-me a acrescentar, fazendo justiça aos homens, que, embora para a maior e mais frívola parte deste sexo a imbecilidade nas mulheres seja considerada uma enorme vantagem para realçar os seus encantos naturais, existe um outro grupo bastante grande, suficiente e razoavelmente bem informado, que deseja algo mais numa mulher do que ignorância.
A crítica clara ao casamento por dinheiro está também presente nesta obra. Através de Catherine, Jane afirma que detesta a ideia de uma grande fortuna procurar outra grande fortuna. E considera que casar por dinheiro é a coisa mais ignóbil da existência.
Neste livro encontramos também, ainda que de forma sucinta e rápida, uma abordagem à política do país, o que me surpreendeu pelo facto de este ter sido escrito cedo.
Mas a grande marca que este livro me deixa é a crítica aberta que Jane Austen deixa à literatura fantástica. A certa altura a autora mostra claramente a sua aversão por este tipo de escrita e aponta-lhe consequências pouco felizes. Diz que todo o sofrimento de Catherine resulta sobretudo da influência dos livros que até aí lera, afirmando que por muito encantadores que fossem os livros da senhora Radcliffe, e mesmo os livros dos que a imitivam, não era com certeza neles que a natureza humana devia ser procurada, pelo menos ali, nos condados centrais de Inglaterra. (...) Mas na parte central de Inglaterra havia, com certeza, alguma segurança, mesmo para a vida de uma mulher que não fosse amada, conferida pelas leis da terra e os hábitos da época. O assassínnio não era tolerado, os criados não eram escravos, nem se arranjavam poções para dormir, como o ruibarbo, em todos os farmacêuticos. A referência à natureza humana e à essência do ser humano são, para mim, o alicerce de todas as estórias de Jane Austen. Por isso acredito que este tenha sido um ensaio, muito bom, que Jane terá feito para definir a sua escrita e para sedimentar a estrutura que a iria sustentar. O resultado está à vista. Jane é uma escritora que fala sobre pessoas reais; sobre a sociedade e sobre sentimentos. E fá-lo bem. Com inteligência.