Jane é a única self-made woman neste romance de Jane Austen. Ficou orfã muito jovem e por isso rapidamente descobriu que tinha de cuidar de si mesma. Rapariga prendada, canta, toca piano, costura e está prestes a iniciar-se no ensino como perceptora/governanta; ou seja, faz tudo (e muito bem…)o que uma mulher de bem deve fazer no seu tempo. Pode mesmo afirmar-se que Emma não gosta de Jane exactamente por tudo isto, pela sua perfeição feminina, e especialmente quando Mr Knightley expressa o seu agrado perante a postura de Jane.
Jane está quase a tornar-se numa perceptora num mundo onde cuidar de crianças pode parecer algo muito altruísta mas também desagradável (crianças mal-cheirosas, chorosas, mimadas). No mundo de Highbury, as mulheres assumem esta posição apenas porque não são ricas ou não encontraram marido (veja-se o caso da Miss Taylor que quando passa a Mrs Weston deixa de ser governanta dos Woodhouse). E, apesar de poderem ainda ser consideradas mulheres de respeito não deixam de pertencer a um estrato social mais baixo. Talvez seja por isso que Mrs Elton se sinta na responsabilidade (irritante…) de apadrinhar Jane.
Quando chega a Highbury, Jane Fairfax está secretamente envolvida com Frank Churchill apesar de Emma parecer querer roubá-lo mesmo à frente dos seus olhos. Emma só muito tarde compreende que Jane não está envolvida com Mr Dixon como Frank a quer fazer acreditar. E essa é a razão pela qual ambos se divertem às custas da secreta amada dele. Jane não quer confessar ainda o seu envolvimento com Frank e, por isso, ele alinha na brincadeira (o que não me parece muito cavalheiresco, mas enfim… também nunca fui grande fã dele).
Jane Fairfax é uma rapariga resoluta mas calma, cujo comportamento indica que transporta consigo uma tristeza secreta. A sua beleza destaca-a mas a sua reserva torna-a desinteressante. Tal como Emma observa:
“there was no getting at her real opinion. Wrapt up in a cloak of politeness, she seemed determined to hazard nothing. She was disgustingly, was suspiciously reserved.”
Não será talvez uma avaliação muito justa mas é bastante correcta no que diz respeito à reserva de Jane.
O contraste entre a delicada decência e moralidade de Jane e a natureza apaixonada dos seus sentimentos é muito mais dramático que qualquer um dos conflitos que Emma experiencia na história. A sua situação é bem mais complicada que a da outra personagem uma vez que, não possuindo riqueza, o seu futuro será como governanta, enquanto que Emma sempre será rica e parte de um elevado estrato social.
O narrador dá pouco mais importância a Jane do que aquela que dá a Isabella Knightley, mas este facto parece acontecer por razões diferentes. Isabella não lhe ocupa muito tempo apenas porque não há muito a dizer sobre ela. Jane, por seu lado, não recebe muita atenção porque ela mesma assim o deseja. Afinal, um segredo para ocultar e um narrador curioso podiam interferir nos seus planos. Por outro lado, talvez não nos seja dada a oportunidade de saber mais sobre Jane Fairfax porque Emma não quer saber das qualidades dela e o nosso narrador tende a seguir a perspectiva de Emma. Apenas quando o segredo de Jane e Frank é revelado, só aí nos é dada a oportunidade de aprender mais sobre Jane como pessoa.
A revelação do envolvimento secreto de Jane com Frank torna-a numa pessoa mais humana, assim como a humanidade de Mr. Knightley é influenciada pelo seu amor por Emma. Na verdade, assim que o seu segredo é revelado, Jane torna-se numa nova mulher. Ri e faz amizade com Emma e Mrs Weston (a sua sogra). E se conseguir fazer de Frank Churchill um homem decente, será uma Mrs Churchill muito feliz!
Estes três senhores fizeram um belíssimo trabalho. Todos os três preenchem-me o imaginário do que seria o Mr. Frank Churchill. Todos os três são joviais, alegres e bonitos. Se me perguntarem dos três actores qual é o que eu mais gosto, eu direi sem pensar Ewan McGregor. Para mim, ele é excelente em tudo; mas, enquanto Mr. Churchill ele peca num aspecto: é extremamente bonzinho. Os outros dois actores, versão 1997 e 2009, captaram melhor a faceta manipuladora e o toque de malícia do personagem. Destes dois, acho que inclino pelo Raymond Coulthard (Emma 1997). Ele chega a ser maquiavélico...
Mr. Martin, é o chefe de família, uma vez que é órfão de pai e por isso, tem de sustentar a mãe e irmãs. Imagino-o ainda bastante jovem e por isso, com uma enorme responsabilidade nas mãos que ele assume totalmente e com bastante honra e dignidade, diria eu.
Não faz parte da classe alta de Highbury e por isso pouca relevância lhe é dada, ainda assim, é um personagem interessante.
Um personagem consideravelmente secundário... mas atenção, gerador das mais interessantes situações em toda a obra. Ele é o responsável por uma das melhores discussões entre Emma e Mr. Knightley, a propósito da rejeição de Harriet ao pedido de casamento de Robert Martin.
"Nonsense, errant nonsense, as ever was talked!" cried Mr. Knightley. "Robert Martin's manners have sense, sincerity, and good-humour to recommend them; and his mind has more true gentility than Harriet Smith could understand."
Conhecemos Robert Martin pela visão desfavorável de Emma Woodhouse que vê nele uma ameaça para o seu feliz plano de juntar Harriet com Elton. No entanto é por Mr. Knightley que o ficamos a conhecer melhor, uma vez que Robert Martin trabalha para ele.
A alta conta em que Mr. Knightley tem a pessoa Mr. Martin, levam-me cegamente a considerá-lo de forma igual. Mas é a sua constância na paixão por Miss Smith que o valorizam ainda mais aos meus olhos.
Desconhecemos os seus sentimentos na primeira pessoa... é-nos dada a conhecer as características da carta em que propõe Harriet em casamento e, mesmo pela visão destorcida de Emma, esta considera-a uma excelente carta! Creio que esta situação não é explícita no livro, mas se sabemos da ajuda que Harriet teve de Emma para escrever a carta de rejeição...poderemos atribuir alguma ajuda de Mr. Knightley na redação da carta de proposta de Mr. Martin?
"She read, and was surprized. The style of the letter was much above her expectation. There were not merely no grammatical errors, but as a composition it would not have disgraced a gentleman; the language, though plain, was strong and unaffected, and the sentiments it conveyed very much to the credit of the writer. It was short, but expressed good sense, warm attachment, liberality, propriety, even delicacy of feeling."
"Yes, indeed, a very good letter," replied Emma rather slowly -- "so good a letter, Harriet, that every thing considered, I think one of his sisters must have helped him. I can hardly imagine the young man whom I saw talking with you the other day could express himself so well, if left quite to his own powers, and yet it is not the style of a woman; no, certainly, it is too strong and concise; not diffuse enough for a woman. No doubt he is a sensible man, and I suppose may have a natural talent for -- thinks strongly and clearly -- and when he takes a pen in hand, his thoughts naturally find proper words. It is so with some men. Yes, I understand the sort of mind. Vigorous, decided, with sentiments to a certain point, not coarse."
Mais tarde, pela voz de Mr. Knightley conhecemos o coração destroçado de Mr. Martin.
Now, Mr. Knightley, a word or two more, and I have done. As far as good intentions went, we were both right, and I must say that no effects on my side of the argument have yet proved wrong. I only want to know that Mr. Martin is not very, very bitterly disappointed."
"A man cannot be more so," was his short, full answer.
É aqui que sabemos que Mr. Martin não está só "embeiçado" pelos lindos olhos de Miss Smith, ele está profundamente apaixonado... um pouco ao estilo de um Capitão Wentworth, mas sem a vertente do ressentimento. Mr. Martin com certeza, fica destroçado, mas os seus sentimentos em relação a Harriet mantêm-se apaixonados, e ele nunca desiste de a conquistar - lembro-me da cena na loja de Mr. Fox (creio que será este o nome). Isto, creio eu, porque ele sempre soube que a recusa de Harriet não viria do coração, mas sim da mão da recente amiga Miss Woodhouse. Mr. Martin, pela descrição de Mr. Knightley, tinha inteligência suficiente para perceber a "teia" em que Harriet estava envolvida. À semelhança de Wentworth, que nunca soube perdoar totalmente Lady Russell, penso que o nosso excepcional Mr. Martin, também nunca soube perdoar Emma Woodhouse.
Talvez esta similitude com Wentworth seja um pouco forçada, mas parece-me a mim que faz sentido... ambos tiveram de ganhar pela vida; ambos foram passados para segundo plano por não terem "pedigree"; ambos foram rejeitados pelas amadas por estas terem sido persuadidas a tal... será no mínimo, um "ante-projecto" de Wentworth!
"Harriet Smith was the natural daughter of somebody. Somebody had placed her, several years back, at Mrs. Goddard's school, and somebody had lately raised her from the condition of scholar to that of parlour-boarder.
She was a very pretty girl, and her beauty happened to be of a sort which Emma particularly admired. She was short, plump and fair, with a fine bloom, blue eyes, light hair, regular features, and a look of great sweetness; and before the end of the evening, Emma was as much pleased with her manners as her person, and quite determined to continue the acquaintance. "
Harriet Smith é a filha natural de alguém que foi deixada aos cuidados de Mrs. Goddard para ser educada na sua escola. Sabemos que é possuidora de uma beleza requintada, mas pouco mais... À vista salta-nos a sua simplicidade, a sua humildade, a sua dependência da opinião de Emma, a quem ela venera do fundo do coração.
"Oh! no, I am sure you are a great deal too kind to—but if you would just advise me what I had best do—No, no, I do not mean that—As you say, one's mind ought to be quite made up—One should not be hesitating—It is a very serious thing.—It will be safer to say "No" perhaps.—Do you think I had better say "No?"
Não podemos dizer que Harriet seja muito perspicaz, mas também me parece demasiado fazer dela tão obtusa como por exemplo na adaptação de Emma de 1996 da Miramax, ou tão rústica como na adaptação de 1997 da BBC. Harriet Smith tam apenas 17 anos e todas as dúvidas e incertezas próprias dessa idade, encontra em Emma um modelo a seguir e absorve tudo o que esta lhe transmite. Não acho que a influência de Emma seja totalmente negativa, embora não seja completamente bem conduzida.
"You surprize me! Emma must do Harriet good: and by supplying her with a new object of interest, Harriet may be said to do Emma good. I have been seeing their intimacy with the greatest pleasure. How very differently we feel! Not think they will do each other any good! This will certainly be the beginning of one of our quarrels about Emma, Mr. Knightley."
Muitas vezes vejo Harriet como uma Miss Morland, o que pensam desta associação? Ambas possuem a mesma ingenuidade, a mesma modéstia, a mesma dependência das opiniões dos restantes e ambas têm uma considerável evolução ao longo da história.
A boda foi mais ou menos como as outras bodas, em que os noivos nenhum gosto demonstraram pelo luxo ou pelo estadão; por isso, Mrs Elton, informada de todos os pormenores pelo marido, achou-a inferior à sua. " Que probreza de cetim branco e de véus de renda! Uma coisa bem desprezível! Selina havia de pasmar se soubesse!".
Se sempre quiseram saber como a própria Mrs Elton iria vestida, agora têm aqui a vossa oportunidade. O Jane Austen Centre oferece-nos a oportunidade de vermos a Mrs. Elton vestida de noiva. Para quem não sabe o Jane Austen Centre tem uma loja online onde vende os mais diversos artigos inspirados no mundo de Jane Austen; alguns artigos são roupa dos tempos da Regência, recentemente encontrei um vestido de noiva e casacos em que a modelo é Christina Cole, a nossa Mrs Elton na última adaptação de Emma. O vestido foi desenhado por Andrea Galer responsável pelo guarda-roupa de Persuasão 2007 e Miss Austen Regrets. Ficam aqui algumas imagens. No fim deixo os links para verem melhor os pormenores.
Criações da Andrea Galer disponiveis no Jane Austen Centre: link
P.S. em duas das imagens do Spencer Jacket está a Ruth Wilson, a Jane Eyre da adaptação de 2006, talvez a treinar para uma futura adaptação de uma obra de Austen :)